Anabela Fernandes: “À medida que vamos progredindo na carreira sabemos menos de mais coisas”

Anabela Fernandes, directora-geral da farmacêutica Biogen, começou a trabalhar aos 16 anos no Sporting, passando depois por empresas tão distintas como TAP, Autoeuropa, Merloni e CTT até chegar à indústria farmacêutica. Foi nesta indústria que deixou a área dos Recursos Humanos e iniciou um novo percurso na gestão, que a conduziu à liderança da Biogen.

Anabela Fernandes é diretora-geral da Biogen.

Anabela Fernandes tem um percurso profissional curioso: percorreu um vasto conjunto de setores e fez parte da sua carreira nos Recursos Humanos e é neste momento diretora geral de uma empresa farmacêutica, o que é algo pouco comum. Começou pelas operações de voo na LAR — Ligações Aéreas Regionais, onde com apenas 21 anos geria equipas. Já com a licenciatura em Psicologia concluída, foi Coordenadora de Recursos Humanos pela primeira vez na Autoeuropa, onde ajudou a conseguir acordos inovadores com a Comissão de Trabalhadores, que lhe valeram a fama de “pacificadora” na Península de Setúbal e a levaram à Merloni, (atualmente Whirlpool) onde criou o departamento de desenvolvimento de Recursos Humanos e teve a primeira experiência internacional. O cansaço das viagens constantes conduziu-a à Dyrup, para liderar os Recursos Humanos para a Península Ibérica, mas em pouco tempo estava novamente com responsabilidades sobre todo o sul da Europa e de novo numa vida de aviões e aeroportos.

Para alguém que sempre que chega a uma empresa gosta de ir para o terreno conhecer os colaboradores e como fazem o seu trabalho, as viagens afastam-na do que considera serem os seus clientes, e por isso não se conforma durante muito tempo. A sua passagem pelos CTT foi precisamente para garantir de que não teria de viajar, mas rapidamente percebeu que mais estaria para vir.

Entrou na indústria farmacêutica pela Amgen, como responsável de Recursos Humanos, mas foi a última vez que exerceu oficialmente esta função. Quando saiu já era diretora de unidade de negócio de Nefrologia. Na Lusomedicamenta foi diretora comercial e na Takeda passou pelo Direção de Marketing e Vendas, mas um ano depois estava a gerir a unidade de Nefrologia para a Europa e Canadá. Mais tarde foi diretora de Estratégia e Desenvolvimento de Negócio da empresa japonesa em Espanha e Portugal, acumulando a responsabilidade pelo mercado português quando saiu.

À Biogen, onde é hoje diretora geral, chegou respondendo a uma referenciação interna para se candidatar à vaga publicada no LinkedIn. “Esta era uma das três empresas que me fariam continuar na indústria farmacêutica”, assume. Criada em 1978 por quatro biólogos moleculares e um físico, dois deles Prémio Nobel, foi uma das primeiras empresas de biotecnologia e especializou-se na investigação de medicamentos para doenças que todos temem, como a Doença de Alzheimer, doenças neuromusculares, como a  Esclerose Lateral Amiotrófica Atrofia Muscular Espinhal, a Doença de Parkinson, e Esclerose Múltipla. “Se puder trazer algo que contribua para o tratamento do Alzheimer, por exemplo, vou sentir que a minha vida tem mais sentido”, admite.

Curiosamente, o seu primeiro trabalho foi no Sporting, onde jogou durante vários anos ténis de mesa — chegou a integrar a seleção nacional, o que lhe permitiu viajar e aprender e treinar inglês, espanhol, italiano — e onde pediu trabalho, quando tinha 16 anos. A sua função era responder às cartas dos adeptos, apoiar a publicidade sonora e supervisionar a publicidade estática em dias de jogo. Hoje, o único desporto que faz é andar de bicicleta, “pela sensação de liberdade”, e natação, mas continua a ser uma sportinguista dedicada e agradecida e a ir ao estádio ver os jogos e apoiar as equipas.

A curiosidade talvez seja uma das características que melhor a definem e faz com que esteja sempre em busca de mais conhecimento, seja através de um curso de História Contemporânea ao fim de semana, ou da leitura. Como não gosta de perder tempo, aproveita todas as oportunidades para ouvir um áudio-livro — no percurso a pé entre a sua casa e o trabalho e nas filas de trânsito — e está a terminar Talking To Strangers, de Malcolm Gladwell.

 

É licenciada em Psicologia e trabalhou parte da sua carreira nos Recursos Humanos. O que a fez mudar de área e como é que vindo dos Recursos Humanos chega à direção-geral, algo pouco comum?

Quando cheguei aos Recursos Humanos já tinha trabalhado na aviação, engenharia industrial, controlo de tráfego aéreo, por isso não sou um caso muito típico, embora isso, para mim, seja algo natural de acontecer uma vez que uma Direção de Recursos Humanos é um departamento direcionado ao cliente — ao cliente interno, que não deixa de ser um cliente.

Quando cheguei à indústria farmacêutica percebi que era muito diferente das outras áreas em que tinha trabalhado. A primeira coisa que fiz foi tirar um curso de Marketing Farmacêutico, pois não acredito que se possa acrescentar valor à organização se não soubermos em que estamos a trabalhar. Também passei bastante tempo no terreno com os meus colegas para perceber o que faziam, algo que já tinha feito noutras indústrias.

Fui conhecendo cada vez melhor o negócio, até que, no final do processo de entrevistas de recrutamento para um novo responsável da área de Nefrologia, o meu diretor-geral me disse: “Não vi em nenhum dos candidatos algo que não tivesses, por isso gostava de te oferecer o lugar. A tua função é a de coordenar a equipa e puxar pelo melhor de cada um e a tua formação é ótima para essa função.” Fiquei surpreendida, mas o meu trabalho, hoje, não é muito diferente daquilo que fazia quando trabalhava em Recursos Humanos.

Talvez esta transição não aconteça mais vezes porque os profissionais de Recursos Humanos se autolimitam. Por norma, há quem goste de trabalhar com pessoas, mas não com números. Ora eu gosto de trabalhar com pessoas, mas também com números, por isso a evolução foi muito natural. A minha função passa por liderar pessoas, estar ao lado delas, desenvolvê-las e promovê-las, e tudo isto se enquadra no papel tradicional dos Recursos Humanos.

 

O que pensou quando recebeu a proposta. Aceitou de imediato?

Claro! Pensei dois segundos e conclui que tudo fazia sentido. A minha dúvida era se seria capaz de agarrar a parte do negócio, de compreender o que havia para fazer, mas fui rapidamente convencida. Além dos argumentos usados para que eu aceitasse, a verdade é que eu tinha acabado de regressar de França, onde estivera como responsável dos Recursos Humanos por França e Portugal, e a minha carreira tinha três possibilidades: ir liderar os Recursos Humanos da empresa na Austrália — o que seria apenas mais do mesmo —, liderar os Recursos Humanos em Portugal — o que não me trazia desafio adicional — ou ir para uma área de negócio. E conhecendo-me como me conheço, só podia ir para uma área onde não sabia nada… a de negócio.

 

Fui a primeira [na família] a tirar uma licenciatura, algo de que muito me orgulho. Sempre fui trabalhadora-estudante. Aos 16 anos comecei a trabalhar no Sporting Clube de Portugal e aos 21 anos, crio as Operações de Voo na LAR – Ligações Aéreas Regionais e coordenava aviões, tripulações, passageiros, excessos de bagagem, nevoeiros, combustível.

 

Fez alguma formação que a tivesse ajudado?

A formação que fiz em Marketing Farmacêutico ajudou bastante, assim como também ajudou o tempo que passei com os meus colegas no terreno ou junto do marketing ou a fazer recrutamentos, pois tinha de aprender muito para depois perceber do que me estavam a falar. E também aprendi muito com os candidatos que entrevistara para a função que assumi.

 

Fale-nos da diversidade de indústrias onde trabalhou, uma vez que já esteve no sector automóvel, nas tintas, nos correios, nas farmacêuticas.

Venho de uma família humilde e fui a primeira a tirar uma licenciatura, algo de que muito me orgulho. Sempre fui trabalhadora-estudante. Aos 16 anos comecei a trabalhar no Sporting Clube de Portugal — hoje vou ao estádio assistir aos jogos. Eu jogava ténis de mesa pelo Sporting e o clube pagava-nos algumas despesas para ajudar a equipa, pois não eramos profissionais. Disse-lhes que mais do que me pagarem ajudas, me arranjassem emprego, e foi assim que passei a responder às cartas dos fãs, tratava da publicidade sonora e controlava os painéis de publicidade dentro do campo durante os jogos, trabalhando no Departamento de Relações Públicas e depois no de Publicidade do clube. Ao mesmo tempo, fui fazendo o que aparecia para pagar os meus estudos à noite, como por exemplo, vender livros porta a porta, fazer cobranças, etc.

 

A aviação foi o primeiro emprego a sério?

É verdade. Comecei como secretária da direção de Operações de Voo na TAP Regional e, como não entendia nada do que os pilotos falavam, fui começando a fazer perguntas para entrar naquele mundo. Ao fim de um ano, tive a oportunidade de fazer um curso de Operações de Voo. Aos 21 anos, crio as Operações de Voo na LAR – Ligações Aéreas Regionais e vejo-me numa função que muitas pessoas consideram altamente stressante, pois coordenava todos os meios operacionais de uma empresa de aviação: aviões, tripulações, passageiros, excessos de bagagem, nevoeiros, combustível. Os meus colegas eram quase todos homens, muitos vindos da Força Aérea.

Aprendi muito. Aprendi a liderar em situações de stresse, em que, às vezes, não há tempo para falar, temos de olhar uns para os outros e saber, intuitivamente, o que há para fazer. Trabalhava por turnos e mesmo depois de ser promovida a chefe de operações continuei a fazê-lo. Achei que era essencial para manter a noção da realidade e poder continuar a ajudar a equipa.

 

A Autoeuropa deu-me uma reputação de pacificadora na Península de Setúbal.

 

Como transitou para a Autoeuropa?

A seguir à Guerra do Golfo a aviação passou por um mau momento e, entretanto, eu tinha terminado a licenciatura em Psicologia. Quando comecei a ouvir falar deste novo projeto, fiquei imediatamente entusiasmada. Comecei como Formadora Comportamental e, passado pouco tempo, fui para a área de Engenharia de Melhoramento Contínuo. Aí aprendi algo muito importante que me marca até hoje: são os colaboradores que desempenham uma determinada função quem sabe o que se pode fazer para melhorar os processos e por isso devem ser muito incentivados a fazê-lo, pois não só é a mais eficaz forma de conseguir uma melhoria grande nos processos de trabalho, como de motivar as pessoas.

Mais tarde, fui promovida para a área dos Recursos Humanos, que não é fácil numa empresa destas, mas que foi um exemplo de grande sucesso. E, felizmente, ainda é.

A indústria automóvel é muito sazonal, vendem-se muito mais carros no verão do que no inverno. E como em Portugal a legislação laboral não era tão flexível como é hoje, tínhamos muita dificuldade em manter toda a força de trabalho no inverno, sendo que no verão precisávamos de mais pessoas.

Conseguimos fazer acordos com a Comissão de Trabalhadores,  que não existiam antes na legislação laboral e nos permitiam trabalhar mais no verão e menos no inverno e, em contrapartida, possibilitava-nos manter mais estabilidade laboral com mais  colaboradores permanentes. No fundo, conseguir o melhor para os dois lados.

Foi nesta fase que aprendi que mesmo nas situações mais complexas — por vezes até com convicções políticas que são difíceis de ultrapassar — quando as pessoas tentam, genuinamente, encontrar uma solução, por norma conseguem.

A partir de determinada altura começou a faltar-me a parte do marketing, pois ali os clientes do que se produzia estavam garantidos à partida e só eram dois: a Ford e a VW, e foi quando recebi o convite da Merloni para ser responsável ibérica pelos Recursos Humanos. A Autoeuropa deu-me uma reputação de pacificadora na Península de Setúbal.

 

Com a experiência da Autoeuropa fui, de imediato, para a linha de montagem, para entender o trabalho das pessoas e as suas ideias e reivindicações. Muitas vezes, quando estamos de fora temos uma ideia das situações que não é a mais real.

 

Quais eram os desafios na Merloni?

A Merloni, que tem as marcas de eletrodomésticos Ariston, Indesit e Hotpoint, tinha muitos problemas laborais, muitas greves, o que fazia com que a multinacional equacionasse poder vir a encerrar as fábricas em Portugal. Com a experiência da Autoeuropa fui, de imediato, para a linha de montagem, para entender o trabalho das pessoas e as suas ideias e reivindicações. Muitas vezes, quando estamos de fora temos uma ideia das situações que não é a mais real. Criei a área de desenvolvimento de Recursos Humanos e, mais tarde, fiquei responsável pelo desenvolvimento dos Recursos Humanos nos mercados maduros — aqueles onde a posse de eletrodomésticos já é muito elevada e por isso não é preciso explicar o que é o produto, mas sim valorizar a confiança e a solidez da marca.

Esta função obrigava-me a viajar imenso e a minha ideia de Recursos Humanos é conhecer bem os meus clientes, o que não era possível daquela forma. A proposta da Dyrup para ficar responsável apenas pela Península Ibérica chegou, assim, no momento certo.

Foram dois anos de aprendizagem, pois sendo uma empresa dinamarquesa, já tinha uma forte filosofia de respeito pelo equilíbrio entre a vida familiar e a profissional e também pelo ambiente, numa altura em que ainda não se falava muito disso. Mas quando o diretor europeu se demitiu e eu fiquei com a responsabilidade pelos mercados do Sul em Copenhaga, voltei ao problema anterior: o excesso de viagens que não me permitia estar mais próximo dos colaboradores.

 

É nesta fase que surge o convite dos CTT?

Os CTT permitiram-me regressar a Portugal com a certeza de que naquela empresa não teria de viajar e poderia fazer um trabalho mais qualitativo. A empresa preparava-se para a privatização (2002-2003) e era preciso fazer uma mudança cultural profunda. Tinha 600 pessoas a reportar a mim e 21 mil colaboradores no total e não era fácil gerir todos os interesses. Ainda assim, orgulho-me de ter feito um dos primeiros acordos com os sindicatos — um deles o mais ativo — e de termos tido um ano sem greves. E, pela primeira vez, fizemos um acordo de empresa, em que se indexavam os aumentos salariais aos resultados da empresa.

Apesar disso, não me sentia enquadrada na empresa. A indústria farmacêutica era algo que eu nunca tinha equacionado até surgir a proposta da Amgen. Era uma área nova para mim, a empresa queria recrutar, estava a investir em biotecnologia — a aposta era na parte nobre da ciência, da descoberta e como sou muito curiosa, isso encantou-me. Assim, deixei os CTT e fui trabalhar para uma empresa com 17 pessoas, onde fui feliz. Comecei nos Recursos Humanos, mas dois anos depois era responsável pela unidade de Nefrologia em Portugal. Daí em diante não regressei aos Recursos Humanos. Entre 2007 e 2011 estive na Lusomedicamenta como diretora comercial. Em junho de 2011 mudei para a Takeda como diretora de vendas e marketing para Portugal, dois anos depois estava na Suíça na área de Nefrologia para a Europa e Canadá, depois fui para Espanha como diretora de estratégia e desenvolvimento de negócio para a Península Ibérica e era responsável pelo mercado português quando decidi sair. Curiosamente, cheguei à Biogen através do Linkedin Esta era uma das três empresas que me fariam continuar na indústria farmacêutica. De outra forma, teria mudado de área.

 

Durante anos tinham sido sempre os “caça cabeças” a contactar-me, mas para a Biogen fui eu que me candidatei porque era mesmo aquilo que queria fazer.

 

Respondeu a um anúncio para diretora geral?

O responsável da Biogen em Portugal tinha-se mudado para Espanha e a empresa publicou a vaga no Linkedin. Durante anos tinham sido sempre os “caça cabeças” a contactar-me, mas neste caso fui eu que me candidatei porque era mesmo aquilo que queria fazer e que, finalmente, por a empresa estar na área das neurociências, poder capitalizar a minha formação base e interesse na psicologia cognitiva.

Nesta empresa há um sistema de referenciação interno e algumas pessoas que já conheciam o meu percurso profissional referenciaram-me  e eu candidatei-me. Passei por várias entrevistas e entrei. É uma empresa onde me sinto muito orgulhosa. Se puder trazer algo que contribua para o tratamento do Alzheimer, por exemplo, vou sentir que a minha vida tem mais sentido.

 

Qual a dimensão da Biogen?

É uma empresa de cariz predominantemente científico, fundada em Genebra por cinco cientistas e três investidores, em 1978. Mais tarde, fundiu-se com a norte americana IDEC e mudou a sede para Cambridge, nos Estados Unidos — estamos mesmo em frente ao MIT.

Dois dos seus fundadores receberam depois o Prémio Nobel, um da Química e o outro da Medicina, o que prova que somos uma empresa muito focada na inovação, sobretudo de terapêuticas em áreas onde praticamente não havia medicamentos. Podemos dizer que havia um mundo antes da Biogen e outro depois. Por exemplo, não havia tratamentos para a Esclerose Múltipla e agora há. Não havia tratamentos para a Atrofia Muscular Espinhal e agora há — felizmente, até há concorrência, mas nós fomos pioneiros.

O nosso pipeline está repleto de doenças devastadoras e que são os grandes flagelos da humanidade atualmente, como a Doença de Alzheimer, ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), Doença de Parkinson — onde já existem algumas coisas. Até a própria Esclerose Múltipla, para a qual já temos cinco medicamentos, continua a não ter uma cura. Por isso, continuamos à procura dela.

Isto marca muito a nossa cultura. Temos uma organização um pouco diferente da chamada Big Pharma. Temos uma filosofia de biotecnologia, somos muito ágeis, onde o esforço é mais concentrado no desenvolvimento científico do que na comercialização. A procura de medicamentos nas áreas em que investigamos é tão grande que não se justifica ter uma estrutura comercial ou de marketing excessivas como outras empresas. Temos outro tipo de preocupações. Por exemplo, não faz sentido investir milhões a desenvolver medicamentos e não dar condições às pessoas que trabalham connosco e os podem fazer chegar aos doentes que deles necessitam. Por isso, tudo o que pudermos fazer para que as pessoas vistam a camisola e sintam orgulho no que fazemos é uma prioridade.

 

Nesta empresa, um colaborador pode fazer aquilo que se faz em três áreas num país maior: regulamentar, farmacovigilância e qualidade, por exemplo. Tentamos criar, ao máximo, sinergias. E as pessoas gostam, pois acabam por se desenvolver mais.

 

Portugal é um exemplo disso?

Estamos em Portugal desde 2003 — antes estávamos integrados na estrutura ibérica, mas deixámos de estar, o que nos permite estar mais orientados para os nossos doentes e também ter mais autonomia em algumas políticas. Fizemos, recentemente, um inquérito de satisfação aos colaboradores e Portugal bateu os recordes em termos de envolvimento das pessoas.

Estou na Biogen há cinco anos e há áreas em que a empresa está quase irreconhecível, no sentido de ser mais simples, de ser mais fácil de trabalhar, algo que num mundo tão complicado como o de hoje é bastante importante. E isto passa por ter todas as pessoas a pensar na melhor forma de fazer as coisas e na maneira mais simples, porque isso poupa-lhes tempo que podem usar para fazer outras coisas. E aqui entramos na questão do equilíbrio entre a vida familiar e a vida profissional.

Somos relativamente poucos, mas somos considerados uma pool de talento. Há muitos portugueses a trabalhar fora de Portugal que saíram desta filial, e outros que além de trabalharem no nosso país dão apoio a outros países. Isto enche-nos de orgulho e é muito interessante para motivar as pessoas, porque lhes oferecemos oportunidades de carreira.

Longe vai o tempo em que para se ter uma carreira internacional a pessoa tinha de sair do seu país, separar-se da família e viver uma vida isolada. No fundo, tinha de escolher entre ser um marido ou mulher, um pai ou uma mãe a tempo inteiro ou ser um profissional.

 

São uma equipa pequena em Portugal?

Somos 37, mas somos muito versáteis. Nesta empresa, um colaborador pode fazer aquilo que se faz em três áreas num país maior: regulamentar, farmacovigilância e qualidade, por exemplo. Tentamos criar, ao máximo, sinergias. E as pessoas gostam, pois acabam por se desenvolver mais. Aquela lógica de nos limitarmos à nossa descrição de funções e mais nada é altamente indesejável.

Temos uma dimensão que permite a um jovem que venha trabalhar connosco ter uma visão de como funciona uma empresa e poder passar por várias áreas. Por norma, ainda estão numa fase de exploração de carreira e, muitas vezes, ainda não sabem se querem ir para o marketing ou para a área médica, por exemplo.

Ao fazermos estágios que deem essa possibilidade às pessoas, sentimos também que estamos a ajudar, que é o nosso papel como cidadãos cooperativos. E ganhamos alguma reputação, porque os estágios são bons, as pessoas aprendem e criamos o nosso pipeline de talento. Temos pessoas que deixaram empregos, onde estavam como efetivos, para fazerem estágios na Biogen. A nossa cultura é muito de partilha, de trabalhar em equipa, somos muito informais. Todos têm acesso à informação que pretendem. Cerca de 40% das nossas promoções são feitas com colaboradores internos e isso é um dos indicadores de que mais me orgulho. As novas gerações valorizam muito mais tudo isto do que a estabilidade laboral, por exemplo.

 

Quando refere que há alguns colaboradores que estão em Portugal a trabalhar para outros países, isso significa que os portugueses estão visíveis aos olhos de todo o mundo. Como conseguem que isso aconteça?

Em Portugal, gostamos de estar sempre à frente, por isso quando pedem um país piloto somos os primeiros a oferecermo-nos. Isso é estratégico, pois permite-nos mostrar os nossos talentos. Outra forma de o fazer é quando temos uma business review com o senior leaders da Biogen, em que eu não apresento o trabalho que foi feito pelos nossos colaboradores. Quem prepara a apresentação é quem a apresenta, e isso dá-lhes palco perante seja quem for, até o CEO.

Tudo isso acontece naturalmente, porque faz parte da cultura da empresa — os países têm um estreito contacto entre si e os colaboradores de cada país ganham muita visibilidade.

Depois há uma componente mais formal, que é a revisão de talentos, que fazemos uma vez por ano, e que é cruzada a nível mundial. Assim, não sou apenas eu que sei que tenho um colaborador brilhante, da cadeia de liderança até ao CEO também o sabem e podem decidir atribuir-lhe um prémio ou ações da empresa.

 

Na Biogen, preocupamo-nos em não marcar reuniões para as segundas e sextas, para evitar que os colaboradores — mulheres e homens — tenham de viajar ao fim de semana. Estamos a colocar todos em plano de igualdade.

 

Voltando à questão de talento. Os principais cargos de gestão nesta empresa são assumidos por mulheres.

Sim, em seis somos quatros mulheres e dois homens.

 

Porque há cada vez mais mulheres em cargos de liderança na indústria farmacêutica?

Essa é uma questão à qual tenho alguma dificuldade em responder. É o mesmo que me perguntarem: “O que faz a tua empresa para que a realidade seja refletida na equipa de direção?” A minha resposta é: “Nada”. Se o mercado de trabalho é dominado por mais mulheres do que por homens, se temos mais colaboradoras do que colaboradores é natural que existam mais mulheres em cargos de liderança. Talvez essa pergunta deva ser colocada às empresas onde isso não sucede, isto é: “o que acontece pelo caminho para que aquilo que é a amostra estratificada não se reflita nos lugares de liderança?”.

Por exemplo, no caso da Biogen é perfeitamente normal que um colega me diga que tem de ir para casa porque o filho está doente ou que tire a sua licença de paternidade. Temos colaboradores que, todos os dias, saem às 17h porque têm de ir buscar as crianças aos colégios, mas sei que há empresas onde isso é mal visto. Começa por aí, por não discriminar negativamente estes homens. Portanto, não tenho de escolher entre uma mulher ou um homem porque, os dois, além de colaboradores, fazem parte de famílias e não é legítimo que a empresa queira isolar a parte profissional do resto.

Para que não existam engulhos no caminho da progressão — quer dos homens, quer das mulheres — temos de dar uma verdadeira igualdade de oportunidades que passa, muitas vezes, por este tipo de situações em que não costumamos pensar, pois até achamos normal que seja a mulher a ficar em casa com o filho doente, mas que acabam por funcionar como um fator que vai adulterar a escolha.

Frequentemente, as mulheres não conseguem assumir cargos de liderança porque as políticas das empresas as impedem de ser plenas, de ser mães. É nestas áreas que temos de atuar, temos de trabalhar no equilíbrio vida familiar e trabalho. E sendo as mulheres maioritárias no mercado de trabalho, aparecerão naturalmente, nos lugares de liderança por razões estatísticas.Isso só não acontece quando há obstáculos criados pelas empresas, quando não se pensa neste tipo de situações.

Na Biogen, preocupamo-nos, por exemplo, em não marcar reuniões para as segundas e sextas, para evitar que os colaboradores — mulheres e homens — tenham de viajar ao fim de semana. Estamos a colocar todos em plano de igualdade.

 

Voltando à sua carreira, quais foram os comportamentos, atitudes, hábitos que contribuíram para a posição que hoje ocupa?

Valorizo muito as opiniões dos outros, mesmo quando discordam de mim. Esta atitude talvez tenha sido uma vantagem na minha carreira, pois permite-me ver as coisas de outras perspetivas, e é uma das maiores riquezas da nossa empresa. Creio que a maioria das pessoas se sente à vontade para me dizer “não concordo com isto, prefiriria que fosse feito de outra forma”.

Há, no entanto, uma grande diferença entre ser inclusivo e ser popular. Hoje, as pessoas apreciam mais que se preocupem com o desenvolvimento da sua carreira do que apenas em receber um aumento de ordenado que, obviamente, é bom, mas que não as prepara para o futuro. Esta preocupação com a realização das pessoas talvez venha da área da Psicologia, ou talvez venha de mim e por isso é que fui para Psicologia.

Por outro lado, o facto de ser curiosa, de não ter aversão a números, balancetes, fórmulas químicas ou ao processo de desenvolvimento de um medicamento também tem sido importante, porque à medida que vamos progredindo na carreira sabemos menos de mais coisas.

Também acredito que a humildade, o não acharmos que sabemos tudo, é uma vantagem. Mas, sobretudo, diria que o meu percurso se fez muito em estar no terreno, em saber ouvir as pessoas, em estar ao lado delas.

 

Qual a decisão profissional de que mais se orgulha?

A coisa mais importante que fiz na vida foi ajudar a dar à sociedade pessoas muito boas ao contribuir para o seu desenvolvimento. Orgulho-me muito de ter colegas em lugares de impacto, até mesmo a nível mundial, que começaram por estar num dos meus planos de desenvolvimento de carreira quando eram monitores de ensaios clínicos, por exemplo e hoje são presidentes de empresas internacionais.

Também me orgulho de ter tido a coragem de dizer [nos CTT] “não quero saber de estatutos, de ordenados, de quantas pessoas lidero” e ter mudado para uma empresa muitíssimo mais pequena em Portugal, que ajudei a desenvolver.

 

Houve algum erro que tenha cometido, ao longo da sua carreira que a tenha marcado?

Aprendi que não se devem fazer escolhas pela negativa, como foi a minha decisão de ir para os CTT. Na verdade, eu apenas não queria voltar a ser expatriada naquela altura. Devemos ousar fazer sempre escolhas pela positiva.

Parceiros Premium
Parceiros