Cristina M. Oliveira,
a Senhora Hubble

A cientista lidera uma equipa de 20 cientistas no Space Telescope Science Institute, em Baltimore, que trabalha com o telescópio Hubble. Quando se licenciou na FCT-UNL há 20 anos, estava longe de imaginar que um dia integraria uma ‘missão espacial’.

Cristina M. Oliveira é a portuguesa responsável pelo telescópio Hubbel

Foi com paixão que Cristina M. Oliveira, 45 anos, descreveu durante quase uma hora os feitos que têm sido conseguidos pelo telescópio Hubble nos seus 25 anos de actividade. Na plateia do auditório da FCT-UNL, escola onde se licenciou em Engenharia Física, uma centena de finalistas do secundário seguiam as suas palavras com atenção. O percurso desta cientista é o sonho de muitos, mas a sua concretização é só para alguns.
Depois da licenciatura, Cristina M. Oliveira decidiu deixar Portugal com o namorado e foi doutorar-se em Astrofísica na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Vive há 20 anos nos Estados Unidos e trabalha há oito no Space Telescope Science Institute. Começou como consultora, depois como membro do corpo científico, até que há dois anos surgiu o convite para liderar uma equipa de 20 cientistas que asseguram a calibração de dois dos quatro instrumentos científicos a bordo do Hubble: o Espectógrafo das Origens Cósmicas e o Espectógrafo de Imagem do Telescópio Espacial. Apesar do objecto do seu trabalho estar no espaço, a cientista passa a maior parte do tempo em frente ao computador ou fechada em reuniões.

Como surgiu esta oportunidade?
Estava no local certo à hora certa. Mas o meu doutoramento em Astrofísica, da Johns Hopkins University, e as inúmeras experiências que fiz, quando me licenciei em Portugal, com sistemas de vácuo e deposição de filmes finos em películas, deram-me preparação para trabalhar no desenvolvimento de um telescópio que ia ser lançado no espaço e que era totalmente desenvolvido e controlado pela universidade. Nessa altura procuravam alguém com experiência neste tipo de sistemas, e entrei.

Nos Estados Unidos a competição vem de todo o mundo

O recrutamento nos Estados Unidos é mais exigente do que em Portugal?
Não é fácil. São necessários exames específicos americanos, a que nós não estávamos habituados e a competição vem de todo o mundo.

O que é o Espectógrafo das Origens Cósmicas com que trabalha agora?
Em termos muito simples, é um instrumento que permite separar as diferentes cores da luz e medir as propriedades das estrelas e galáxias.

Então, está sempre de olhos no espaço…
Não, estou sempre de olhos no computador! Infelizmente não tanto no espaço.

Como é o seu dia?
Sou responsável por uma equipa de 20 pessoas, mista, de várias nacionalidades (infelizmente, sem um único português), formada por juniores acabados de sair da faculdade, e colegas com doutoramentos. Somos responsáveis por dois dos instrumentos do Hubble. Portanto, a minha vida é passada em reuniões para decidir o que fazer e como calibrar os instrumentos, ou passada ao computador.

A sua profissão ocupa-lhe muito tempo?
Sim, mas sei separar bem as coisas. À excepção das alturas em que há anomalias e tenho de as resolver de imediato. Como o que aconteceu o ano passado, quando estava de férias em Veneza e o telefone tocou a meio da noite para comunicar uma anomalia no Hubble. Tive de iniciar de imediato uma série de telefonemas para dar resposta ao problema. Mas isso não acontece muitas vezes.

Uma mulher que fale alto é considerada histérica. Num homem isso é sinal de que é assertivo e determinado

Por que há tão poucas mulheres a fazer ciência?
Há muitos preconceitos que levam a comportamentos quase inconscientes, que até têm sido tema de debate nos Estados Unidos. Muitos estudos provam que, em momentos de selecção, quando o sexo dos candidatos é desconhecido as classificações são iguais entre sexos. Mas quando se percebe que é uma mulher, a classificação baixa. Outro exemplo, é que quando uma mulher fala alto é considerada histérica, mas se o homem fala alto é considerado assertivo e determinado. Infelizmente, ainda é assim, o que pode afastar candidatas.

Na sua carreira também foi alvo destes preconceitos?
Sim e tenho sentido isso várias vezes! Por exemplo, numa reunião uma mulher não consegue apresentar uma ideia até ao fim, pois é quase sempre interrompida por um homem que lhe tenta acabar a frase ou diz outra coisa por cima. Ou então uma mulher dá uma ideia e ninguém liga nenhuma, mas passados cinco minutos um homem diz a mesma coisa e todos pensam que aquela ideia partiu dele!

Infelizmente já aprendi que temos de ser um pouco agressivas

E como reage nessas situações?
Como estou muito ciente deste problema, quando o vejo tento remediar dizendo: “o que você acabou de afirmar foi exactamente aquilo que ela disse” ou “ainda bem que disse isso, mas repare que ela já tinha dito isso mesmo há uns minutos”. Infelizmente já aprendi que temos de ser um pouco agressivas. E digo directamente “isso é exactamente o que eu estava a dizer”, ou então começo a falar mais alto.

Como vê o mundo da ciência vs o empresarial?
O meu trabalho, apesar de ser desenvolvido num centro da NASA e ser em muitos aspectos parecido com o ambiente de investigação académico, tem muitas semelhanças com as empresas. Por exemplo, tenho de anotar diariamente o número de horas adjudicadas a cada projeto, o meu salário é proporcional aos objetivos traçados no início do ano e o período de férias é escolhido de acordo com as circunstâncias da equipa.

Pensa regressar a Portugal?
Não. O que faço seria muito difícil de fazer em Portugal. Se bem que eu gostasse, sei que tenho de olhar para o aspecto prático da vida. Talvez tivesse de mudar radicalmente de carreira, e não estou preparada para isso.

 

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