No dia 10 de Outubro de 2013, a engenheira química Cristina Rodrigues dirigiu-se apressadamente para o n.º 32 da Johan de Wittlaan, em Haia, na Holanda, onde funciona o escritório da OPCW – Organization for the Prohibition of Chemical Weapons (Organização para a Proibição das Armas Químicas), instituição fundada em 1997 para dar cumprimento à Convenção Internacional para a Proibição de Armas Químicas, assinada a 13 de Janeiro de 1993. Era chefe do Departamento de Assistência e Proteção, responsável por programas de assistência e proteção para os Estados-membros, e pela mobilização de recursos para a assistência em caso de uso de armas químicas de países dadores ou agências internacionais. Nos dias anteriores estivera fora, num exercício conjunto do Office for the Coordination of Humanitarian Affairs (OTCHA) e da International Humanitarian Partnership e, por isso, mal se sentou à secretária, abriu o mail. Não levou muito a sério a mensagem do colega norueguês: “ouvi dizer que vão ganhar o Nobel”. Afinal, não era a primeira vez que circulava o rumor. Mas ele insistiu: “Desta vez é certo. Daqui a 5 minutos vai ser anunciado.”
O comité executivo estava reunido com a situação da Síria na agenda. Sem conseguir falar por telefone com a organização laureada, o comité norueguês socorreu-se do Tweeter. Na sexta-feira de manhã, haviam deixado mensagem ao OPCW para que contactasse os seus escritórios e, mais tarde, como não obtivera resposta, o Comité “tweetou”: “Are you out there?”
Trivia
Em 2013 o Comité Nobel deparou-se várias vezes com dificuldades em contactar os vencedores. A Academia Sueca deixou mensagens no telefone da canadiana Alice Munro, vencedora na categoria de Literatura, e o vencedor da Física, Peter Higgs, que se dizia estar algures na Escócia, foi contactado por e-mail. Ambos tardiamente.
Quando Cristina Rodrigues desceu, o diretor-geral estava ao telefone a receber a boa notícia. “Toda a gente ficou louca de satisfação. É uma organização muito importante no desarmamento e que merece receber esta prémio nesta altura”, justifica a portuguesa. “Foi merecido. Deve-se ao trabalho fantástico que os meus colegas têm feito na Síria. Foram raptados, libertados, retidos no hotel”, exemplifica.
A OPCW foi criada com o objetivo de destruir os arsenais de armas químicas e todas as fábricas. Ao contrário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, o acordo constitutivo da OPCW impõe obrigações idênticas para todos os seus estados-membros. Potências como os Estados Unidos, a Rússia ou a China têm de se sujeitar às mesmas inspeções que o Burkina Faso ou o Irão. Apenas seis Estados em todo o mundo não assinaram o tratado: Israel, Myanmar, Coreia do Norte, Egipto, Sudão do Sul e Angola. O incentivo para que os Estados se comprometam com este acordo internacional é a formação que recebem para lidar com ataques e incidentes que envolvam produtos químicos de uso pacífico.
Cristina Rodrigues viajou para mais de 70 países, para fazer trabalho no terreno: dar formação e fazer exercícios de simulação. “Treinamos instrutores, dos bombeiros, da emergência médica, ou da polícia para que possam depois treinar o seu próprio pessoal. Nada me dava mais alento do que saber, por exemplo, que no incêndio de uma escola de um pequeno país, muito pobre, nenhum bombeiro sofreu com os ácidos que lá existiam, porque sabiam o que fazer”, exemplifica.
Fiz investigação em laboratório, mas não era feliz, pois não via o impacto do meu trabalho na melhoria da vida das pessoas.
Depois do ataque com armas químicas contra a população síria, em 21 de Agosto de 2013, a organização que conseguiu já a destruição de 82% de todo o arsenal químico, foi encarregada pelo Conselho de Segurança da ONU de supervisionar a destruição do arsenal químico daquele país, trabalho que justificou o Nobel. “As armas químicas, tal como são definidas dentro da convenção, vão ser erradicadas”, antevê Cristina Rodrigues. A portuguesa terminou o seu mandato de sete anos, após o qual qualquer quadro deve abandonar a organização, pelo que regressou a Lisboa, à área da segurança alimentar da ASAE.
Desde muita pequena que queria ser cientista. Aos cinco anos o pai ofereceu-lhe um estojo de química e Cristina gostava de pôr a casa a cheirar a enxofre e correr atrás da avó e da tia com os tubos mal-cheirosos. Depois da licenciatura em Química Aplicada, fez investigação no laboratório do INETI, “mas não era feliz, pois não via o impacto do meu trabalho na melhoria da vida das pessoas”. O trabalho que desenvolveu na organização internacional dá sentido aquilo que procurou desde que sonhava em fazer ciência e ganhar um Nobel: “ter uma aplicação prática, sentir que estava a ajudar o mundo. Mas eu gosto muito de praia, dos amigos e de festas. E para se ganhar um Nobel a fazer ciência é preciso não se gostar tanto disso”, diz dando uma gargalhada. Assim, ganhou o Nobel da Paz. Melhor: 1/500 (o total do staff da OPCW) do Nobel da Paz, especifica.
Uma carreira feita na área da química
Desde 2014: Técnica de Segurança Alimentar na ASAE.
2007-2013: Chefe e alto funcionário no Departamento de Assistência e Proteção da OPCW – Organization for the Prohibition of Chemical Weapons (Opac – Organização para a Proibição das Armas Químicas), em Haia, na Holanda.
2003- 2006: Membro do Secretariado Técnico e Científico da Autoridade Nacional da Convenção para Proibição das Armas Químicas e no grupo de trabalho para “Novas Emergências em Saúde Pública”.
1992- 2006: Investigadora na área de Química Organometálica, Síntese química, Química orgânica analítica, Segurança em Laboratórios, Armas químicas, Emergências NBQ.
1989-1992 e 1997-1998: Professora do Ensino Secundário na área de Ciências Naturais, Química e Matemática.