José António de Sousa é gestor aposentado depois de quatro décadas na liderança de multinacionais.
“Uma notícia particularmente chocante para mim foi a que chegou ao meu telemóvel, enviada pelo Observador, neste domingo 21 de Março. Relatava a história de uma heroína (não há outra palavra para descrever essa Senhora com plena justiça), que a poucas semanas de ficar efetiva num restaurante, onde era assistente de cozinha, tinha perdido o emprego. Tem agora que alimentar uma família de 5 pessoas com o que lhe entra mensalmente via subsídio de desemprego: 400 euros ! Diz que passam fome, à noite só há sopa para a família enganar o estômago, até para as crianças, que deveriam estar a alimentar-se com as proteínas e vitaminas que as ajudem a vencer na escola.
Coincidiu que neste mesmo preciso domingo, um dia lindo (mas gélido) de início da Primavera, decidi calcorrear as ruas do Restelo / Ajuda à procura dos terrenos em que a Câmara de Lisboa pretende construir umas favelas verticais com 17 andares, semelhantes às famigeradas Torres do Aleixo no Porto, construídas numa zona com vistas soberbas sobre a Foz do Douro, onde a droga e a criminalidade andavam à rédea solta, sem que nem sequer a polícia se atrevesse a entrar para policiar… Aí aparentemente irão agora ser construídas de raíz urbanizações de luxo!
Não encontrei os terrenos. No entanto encontrei não uma, mas sim várias favelas (as do Rio de Janeiro são bairros de luxo comparadas com as nossas) alcandoradas em escarpas altíssimas naquilo que deve ter sido anteriormente uma pedreira, e que só porque Deus é grande ainda não vieram por ali abaixo numa noite de chuvada torrencial, ou num qualquer sismo dos que periodicamente abalam a região de Lisboa.
Fiquei horrorizado. Estamos ali a talvez uns 5 a 7 quilómetros da Avenida da Liberdade, onde o metro quadrado de construção pronta pode chegar a 12 / 15.000 (mais?) euros. Mas o mais chocante de tudo foi que a poucos metros de uma favela encontrei (e fotografei) numa esquina recôndita umas 10 embalagens daquilo que parecia ser lasanha, perfeitamente acondicionadas, e largadas no chão. Que iguaria teria sido para aquela familia de 5 que só tem dinheiro para sopa… Fiquei emocionalmente de rastos, e maldisse quem o fez, e mais ainda quem permite que estas coisas aconteçam no nosso país.
Em Portugal, bem entrados no século XXI, mais de 45 anos depois de uma Revolução que restaurou a democracia, e nos fez sonhar com níveis de vida europeus (…) abunda a falta de oportunidades para os filhos das populações pobres, que impede que o tal “elevador social” lhes permita subir aos andares de cima da sociedade, melhorando a sua situação em relação à dos pais.
Em Portugal, bem entrados no século XXI, mais de 45 anos depois de uma Revolução que restaurou a democracia, e nos fez sonhar com níveis de vida europeus, quase 40 anos (mais de 1 geração!) depois de aderirmos à UE, após desperdiçarmos milhares de milhões de euros de subsídios a fundo perdido recebidos dessa UE, grassa a fome vil, a pobreza e a miséria aumentam a olhos vistos, e abunda a falta de oportunidades para os filhos das populações pobres, que impede que o tal “elevador social” lhes permita subir aos andares de cima da sociedade, melhorando a sua situação em relação à dos pais. A situação é de tal ordem que hoje que, a não ser por um milagre proporcionado por Nossa Senhora de Fátima, da qual sou devoto, um filho ou uma filha dessa pobre gente apenas consegue descer às caves mais fundas do subsolo, regredindo socialmente, e perpetuando a pobreza mais cruel, e dificilmente ascende socialmente.
Tenho vergonha, e sou responsável. Tanto quanto todos os cidadãos em idade de votar em Portugal. Não posso sequer tentar reduzir a culpa que me envergonha, dizendo que estive emigrado durante 25 anos, durante os quais só podia votar para as Presidenciais, e não para as Legislativas e Autárquicas. Não importa, regressei há quase 20 anos a Portugal, e sei que devia ter feito mais para mudar o status quo. Não podemos continuar a deixar que os partidos do regime que temos hoje, e que já não são legítimos herdeiros dos ideais com que foram fundados há mais de 45 anos, continuem a envenenar a vida dos portugueses, e a destruir os sonhos e ambições que temos para o futuro dos nossos filhos.
Vivemos tempos desabridos, em que a nossa classe política pura e simplesmente espezinha valores e princípios que não são uma moda passageira, mas sim fazem parte da coluna vertebral, do DNA que sustenta uma sociedade, antiga, moderna ou mesmo futura. A verdade, a integridade, o mérito, a lealdade (inteligente, e não sabuja e cega), a transparência, a ética (ethos= caráter moral) nunca foram tão precisos, e nunca os vimos tão ausentes da nossa sociedade e, consequentemente, da nossa classe política.
Neste país haverá não mais de 5000 a 10 000 pessoas que realmente decidem a vida dos 10 milhões de residentes, enquanto se locupletam com a riqueza coletiva que o Orçamento de Estado lhes proporciona.
Não nos iludamos, neste país haverá não mais de 5000 a 10 000 pessoas que realmente decidem a vida dos 10 milhões de residentes, enquanto se locupletam com a riqueza coletiva que o Orçamento de Estado lhes proporciona (a famosa porca parideira do imortal Rafael Bordallo Pinheiro).
São os deputados que legislam, os advogados dos grandes escritórios, sobretudo de Lisboa, que lhes preparam os decretos de forma minuciosa, e com os alçapões apropriados para facilitar a vida aos seus clientes (os mesmos a quem antes criaram offshores, para ocultação de património) quando eles prevariquem, alguns empresários, os chamados de regime, que vão variando consoante a coligação no poder, que são os que têm acesso às grandes negociatas que os enriquecem imensamente, o suficiente para dezenas de gerações futuras das suas famílias não terem de trabalhar, mesmo que as empresas vão à falência, os controladores dos média tradicionais (jornais e canais de televisão), que hoje precisam de esmolas do Governo de turno para sobreviver, tal como um caminhante no deserto precisa de água para não morrer, e, claro está, os políticos de topo que coordenam esta sinfonia de má gestão da riqueza coletiva em benefício de uns quantos.
Há, como é óbvio, muito mais gente a viver muito bem em Portugal (profissões liberais, pequenos empresários, comerciantes, gestores e executivos, banqueiros, etc.) mas esses realmente nem decidem, nem influem nos destinos do país, pela distância ao poder. Vão-se lamentando do difícil que está a vida, dos impostos absurdos que pagamos para sustentar toda a corja de parasitas que nos sugam, do miserável Governo de turno (seja ele qual for), dos abusos e da arrogância dos funcionários públicos, mas quando chega o momento de votar, são dos 50 % de abstencionistas que foram à praia, à churrascada em casa do primo, “à bola” ver o jogo do dia (depois da pandemia…), ou ao shopping com os amigos.
Chegámos ao ponto em que 50 % dos portugueses em idade de votar, não o fazem. Eu até aceito que, não se revendo naquilo que estes partidos hoje representam (e dispenso-me de o caracterizar como gostaria, para não correr o risco de ser processado), as pessoas não queiram votar… neles.
Mas imaginem por um momento que esses 50 % dos que se abstém vão mesmo votar, e entregam o boletim de voto em branco, como eu faço hoje em dia nas eleições. No dia em que o “Partido do Voto em Branco” ganhar as eleições, estes energúmenos irão mesmo ter de mudar. Aliás devíamos arranjar o número de assinaturas suficientes para criar este partido, que logo nas primeiras eleições varreria os tradicionais do mapa !
É com horror e vergonha que constato que os países de recente incorporação na UE, sobretudo as repúblicas bálticas, que entraram em 2004, nos ultrapassaram já em termos de riqueza per capita.
Até lá, minha gente, bazuca ou não bazuca, vamos continuar a ver o nosso país a afundar-se no ranking europeu, em vez de nos aproximarmos da média europeia (para já nem sequer sonhar com o topo, uma utopia). É com horror e vergonha que constato que os países de recente incorporação na UE, sobretudo as repúblicas bálticas, que entraram em 2004, nos ultrapassaram já em termos de riqueza per capita.
Foi patético ver recentemente um dos dois partidos de regime, que está a ser destruído por dentro por má gestão, desesperadamente à procura de mulheres disponíveis para disputar as eleições autárquicas. É uma pena que as mulheres não se interessem mais pela vida partidária, e por disputar eleições. A verdade é que se o fizessem, muito do que ficou dito para trás se resolveria de melhor maneira para os nossos descendentes.
Eu não sei se com a idade ficamos mais descrentes. Eu continuo a acreditar que merecemos mais e melhor, e que cabe a todos nós deixar de falar tanto, e de agir mais no nosso círculo familiar e de amigos. Mudemos Portugal, para que não seja novamente uma Troika de má memória a mudar-nos forçosamente, e a mal ! Nestas eleições autárquicas votem bem, coloquem na urna um voto de protesto pela mudança … E bem hajam todos aqueles que o fizerem.”
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