Marta Carvalho Araújo é administradora da Castelbel.
“Há quem diga que, por cada “sim”, é preciso dizer “não” a alguma coisa. No meu caso, decidi inverter a ordem e criar espaço para “sins” futuros começando por um “não” muito importante no presente: no início deste mês, comecei a gozar uma licença sem vencimento.
“– Fê-lo porque podia!”, ouvi no dia em que anunciei a decisão. Claro! Porque podia e porque queria. Porque me deixaram. Porque estava disposta a arcar com as consequências, incluindo a de passar a viver com menos (ou mais, dependendo da perspetiva…).
Escolhi parar de trabalhar para ganhar tempo, conhecimento e qualidade de vida. Para estudar, redefinir prioridades e ser mais feliz.
E porque ainda me lembro do bem que me fez parar há uns anos, quando consegui recuperar de um esgotamento nervoso (e praticamente renascer das cinzas) com a ajuda da minha família.
Foram precisas semanas a fluoxetina, a adormecer todas as noites a chorar, para finalmente ter a coragem de dizer “não” àquele projeto.
COSTA VICENTINA, FÉRIAS DE VERÃO DE 2006: enquanto o resto da malta ia para a praia ou entretinha o miúdo numa micropiscina insuflável montada na varanda do apartamento alugado, eu passava as tardes entre quatro paredes, a ler e a escrever (ah, o cheiro pesado a papel antigo da biblioteca municipal!…).
Naquele ano, terminei uma licenciatura atribulada com um bebé ao colo e, ainda antes de fazer os últimos exames, aceitei o convite de uma editora para escrever um livro de Química para o Ensino Secundário. Ao fim de pouco tempo – estava bom de ver – dei o tilt.
Recriei a imagem usada por uma amiga para descrever o que um colapso mental a tinha feito sentir: “Sempre que me mexia, parecia que o cérebro abanava dentro do crânio. Como se houvesse imenso espaço vazio entre uma coisa e outra.” E foram precisas semanas a fluoxetina, a adormecer todas as noites a chorar, para finalmente ter a coragem de dizer “não” àquele projeto.
Parei, passei a pasta e, com muita calma e total compreensão de quem também conhecia o meu lado solar, acabei por regressar à vida ativa. Juntos, esperámos pelo fim da tempestade que trouxe a bonança: as dores de cabeça amainaram, voltei a contar piadas e, passados 6 meses, comecei um doutoramento.
Warren Buffett garante que “a diferença entre as pessoas com sucesso e as pessoas com muito sucesso é que as segundas dizem não a quase tudo.” Não pretendo ser uma destas, mas acredito na importância de fechar algumas portas para abrir muitas janelas.
Desta vez, a motivação é diferente e não requer medicação. Talvez por isso mesmo – por não ser uma emergência médica – esteja a exigir-me ainda mais força de vontade. Porque querer é diferente de precisar.
Parar de trabalhar quando se está apaixonado pelo trabalho é muito difícil. Mesmo que sejamos capazes de reconhecer que já não nos faz tão bem como no princípio. É como “pedir um tempo” ao namorado de longa data que adoramos, mas ao lado de quem, por um motivo ou por outro, passámos a viver mais momentos maus que bons. (Ou, pior ainda: quando o amor é recíproco e o namorado até nos trata muito bem, mas é um menino da mamã… e a mamã é uma sogra que resolveu dedicar a vida a infernizar a nossa!)
Por vezes, pode ser melhor fazer uma pausa do que continuar a empurrar o mundo com a barriga e a permitir que aquele amor eventualmente se transforme em ódio. Que a sede permanente de realização profissional nos faça beber tanta água que acabemos por afogar-nos. E que comece a custar-nos sair da cama de manhã.
Warren Buffett garante que “a diferença entre as pessoas com sucesso e as pessoas com muito sucesso é que as segundas dizem não a quase tudo.” Não pretendo ser uma destas, mas acredito na importância de fechar algumas portas para abrir muitas janelas. De dar um passo atrás para seguir em frente. E de parar para pensar, recuperar energia e ganhar vontade para reabrir aquela porta de casa que tanto custou a encostar.
Leia mais artigos de Marta Carvalho Araújo aqui.