Marta Graça Rodrigues: A mulher da minha vida

Marta Graça Rodrigues, partner da sociedade de advogados Garrigues e administradora não executiva da Novabase, presta homenagem à mulher que marcou a sua vida.

Marta Graça Rodrigues, partner da Garrigues e administradora não executiva da Novabase.

Marta Graça Rodrigues é partner da sociedade de advogados Garrigues e administradora não executiva da Novabase. Logo no início da carreira fez três IPO em apenas um ano e meio o que a levou a especializar-se em Mercado de Capitais. Partner da Garrigues desde 2011, é também, desde 2018, administradora não executiva da Novabase. 

 

“Hoje e sempre, gostava de falar de uma das mulheres da minha vida, na realidade da “miúda da minha vida”, a minha irmã Catarina, daquilo que ela foi para mim e para tantos, da criatura que eu tanto fiz por influenciar e que acabou por me influenciar para sempre. A Catarina era a minha irmã 6 anos mais nova que eu. Apesar da diferença de idades, desde muito cedo que nos tornámos muito próximas. Para isso terá certamente contribuído o facto de partilharmos o quarto, quando a minha outra irmã, um ano mais velha do que eu, teve direito a ocupar um quarto sozinha. Muito cedo a minha irmã Catarina se habituou a ver-me estudar com afinco, e tornou-se ela também uma aluna aplicada, tendo tido excelentes resultados desde os primeiros anos de estudo. Já na escola primária a professora levava para casa para ler ao marido as composições que ela escrevia, impressionada com a capacidade de expressão de uma menina tão nova. Dona de um pensamento sempre organizado, a partir daí foram sempre a somar os seus sucessos académicos, tendo sido a melhor aluna do curso de Medicina de 2001-2007 na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e tendo-se especializado em Gastroenterologia no Hospital Fernando da Fonseca, a sua primeira opção. Acabou por se diferenciar em doença inflamatória do intestino e na técnica de ecoendoscopia, uma técnica ainda dominada por poucos em Portugal. Num dos dias que se seguiram ao exame da especialidade e completamente esgotada pelo período de estudo, foi realizar, a convite do Hospital de Santa Maria, um exame de ecoendoscopia com transmissão ao vivo para um auditório com uma assistência repleta de colegas, alguns bem mais velhos e experientes que ela. Sem qualquer tempo para se preparar, pois a anestesia ao paciente atrasara, entrou em direto mal tinha acabado de introduzir o aparelho, mas isso não impediu de realizar com mestria o exame, ao mesmo tempo que explicava o procedimento à plateia. Nesse dia contou-me o que tinha sentido: “Nasci para isto”!

As irmãs Marta e Catarina Graça Rodrigues.

Na realidade nasceu para se dedicar aos outros, para salvar vidas de uma forma generosa, apaixonada e desinteressada. Quando lhe perguntava porque não se dedicava mais ao privado para, pelo menos, ganhar mais com o que sabia fazer tão bem e para o que se tinha preparado tanto, respondia-me que não podia dizê-lo em voz alta, mas seria um desperdício, no público salvam-se mais vidas! Foi o que ela fez e a que se dedicou durante pouco mais de uma década. Com uma dedicação extrema aos casos sobretudo mais complicados, trabalhava as horas que fossem necessárias em dois hospitais, levava os processos de pacientes para casa, continuava a estudar para se manter atualizada e cada vez se diferenciar mais nas áreas da sua especialidade, escrevia artigos de investigação, participava ativamente em diversos fóruns de discussão de doenças do intestino, do pâncreas, etc. Tudo isto sem descurar o tempo indispensável para a família e os amigos e ser uma excelente mãe de dois filhos encantadores, boa colega e amiga dos seus amigos.

A Catarina adoeceu no dia 26 de maio deste ano tendo-lhe sido diagnosticado nos dias seguintes um linfoma fulminante e quase sem pré-aviso veio a falecer no dia 2 de julho, sem que ninguém pudesse fazer por ela o que ela fez por tantos, salvar-lhe a vida. E por muita dor que traga recordar esses dias e o que lhe aconteceu, uma coisa é certa, não deixarei que a breve mas rica passagem da minha irmã por este mundo fique esquecida. Nunca me cansarei de gabar as qualidades e os feitos dela que foram tantos e que tantos colegas, professores, chefes, pacientes e amigos já tiveram a oportunidade de exaltar nas diversas homenagens que lhe têm feito.

Quanto mais penso na minha irmã e recordo tudo o que vivi com ela e tudo o que sei dela (designadamente através de mensagens que me vão fazendo chegar diversos dos seus pacientes que não conheço testemunhando que a minha irmã lhes mudou a vida), mais me dou conta que ela sempre foi uma miúda especial e apesar de ter vivido apenas 36 anos a forma intensa e dedicada com que viveu permitiu-lhe deixar um legado que pouca gente deixa, mesmo vivendo muito mais anos. E nós, aqueles que se cruzaram com ela e tiveram oportunidade de lhe conhecer e reconhecer o brilhantismo e simplicidade, só temos de nos sentir uns privilegiados e nos deixar influenciar pelo seu exemplo, para sempre.”

Catarina Graça Rodrigues na cerimónia de entrega do prémio Professor Manuel Machado Macedo pela distinção como melhor aluna do curso de Medicina, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa 2001-2007, entregue por Marcelo Rebelo de Sousa. em julho de 2007.

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