Ela está em dieta todos os dias. Acorda de manhã e diz que é dia de começar o seu regime alimentar. Horas depois, desiste e come tudo aquilo que não é suposto comer. Sim, Ela adora comer. Ela adora viajar. Ela está na casa dos 40 anos, tem filhos, trabalha e tem um blogue: o Casal Mistério. “A Ela sou eu, mesmo, sem tirar nem pôr”, afirma. “O que lêem nos meus textos sou eu”.
Mas quem é Ela? Ninguém sabe, exceto os filhos, que foram os únicos que souberam desde o primeiro minuto e, até hoje, são “os maiores guardiões deste segredo”. Ela e Ele formam o Casal Mistério e é tão misterioso que revelarem-se “está fora de questão”. O anonimato é aquilo que mais gozo lhes dá e para Ela é “o segredo do sucesso do blogue”.
Enquanto Ele fala dos restaurantes, Ela trata dos hotéis, das viagens e dos roteiros… Uma aventura misteriosa que começou há cinco anos e que conta já com dois livros publicados e uma presença assídua na NiTfm.
Como surgiu a ideia do Casal Mistério?
Surgiu numa conversa. Estávamos juntos num restaurante, num centro comercial, e serviram-nos um salmão muito seco, sem graça nenhuma. O restaurante nem sequer era muito barato. Adoramos comer, viajar, e sempre passámos muito tempo em restaurantes e hotéis. Começámos a pensar “e se contássemos as nossas experiências? O bom, o mau, o péssimo. Tudo o que nos acontece”. Mas contar de uma forma isenta, anónima, porque só assim seríamos atendidos como qualquer cliente. Achámos que poderia ter graça. O blogue começou como uma brincadeira, começámos os dois a escrever e, de repente, foi uma bola de neve porque tivemos um sucesso de que não estávamos à espera. Tudo a propósito de um salmão seco [risos].
Porque consideraram importante manter o anonimato?
Para nós é fundamental porque só nos faz sentido fazer crítica “mistério” se formos tratados como clientes normais. Se formos como vão os jornalistas ou os críticos gastronómicos, que são convidados e cujo trabalho respeito, temos um tratamento diferenciado. Os chefs, os empregados ou os donos de restaurantes e hotéis sabem que estão a receber pessoas que depois vão falar sobre eles e é por esse razão que dão atendimento especial ou que capricham na comida. Nós preferimos ser anónimos e tratados como qualquer cliente para depois relatarmos exatamente o que se passou, tal como outros clientes seriam tratados normalmente.
“As pessoas gostam daquilo que escrevemos exatamente porque somos genuínos e autênticos. Dizemos a verdade sem dizer nada a ninguém. Temos esse ‘à vontade’ para escrever exatamente o que nos vai na alma e as pessoas esperam isso de nós. “
Qual considera ser a grande mais-valia deste projeto?
Para o público acho que a grande mais-valia é que as pessoas gostam daquilo que escrevemos exatamente porque somos genuínos e autênticos. Dizemos a verdade sem dizer nada a ninguém. Temos esse “à vontade” para escrever exatamente o que nos vai na alma e as pessoas esperam isso de nós. Além disso, acabou por se tornar útil. Por vezes as pessoas não sabem onde é que vão almoçar ou jantar, por isso vão ao blogue e escolhem um restaurante. Acho que acabou por se tornar útil porque as pessoas seguem as nossas sugestões e já sabem onde as encontrar. Nesse aspecto acho que a mais-valia é quase ser um serviço público de lifestyle. Pelo menos gosto de pensar assim, porque já que nos dá tanto trabalho, ao menos seja útil para as pessoas.
Para nós dá-nos imenso gozo pessoal. Gostamos de ver o nosso bebé crescer e dar frutos e de receber milhares de mensagens e críticas das pessoas, a pedir mais, a dar-nos os parabéns e satisfeitas com o nosso trabalho.
Quais os momentos mais marcantes do Casal Mistério desde a sua criação?
Já foram tantos… Quando começámos a fazer vídeos, algo que também nos deu imenso gozo, penso que foi um salto qualitativo porque já não tínhamos apenas posts escritos com fotografias. Quando começámos com o programa na Rádio Comercial também foi muito divertido porque fazíamo-lo via Skype e ninguém sabia quem éramos. Foi uma loucura saudável [risos]. E agora esta última loucura em que nos metemos, que foi fazer o BrunchVilla. Ninguém imagina o que foi fazer um evento daquela dimensão. Só duas pessoas de toda a organização conheciam a nossa identidade, que é a nossa produtora e a pessoa que nos representa oficialmente junto das marcas. Andámos por lá anónimos e a própria organização não sabia quem nós éramos. Foi muito divertido e marcante porque foi o salto para sair do digital e entrar na esfera pública.
Como acreditam que este projeto irá evoluir?
Não sei. Temos muitos projetos para 2019. Neste momento temos um programa de rádio na NiTfm, vamos lançar o nosso terceiro livro no princípio do ano, estamos no Meo Canal e queremos ver se evoluímos ainda mais na área da televisão, com um canal próprio. E estamos a apostar muito no eventos. Provavelmente vamos ter um novo BrunchVilla este ano.
“Nos restaurantes, estamos sentados à mesa e atrás estão pessoas a comentar “eu vim aqui porque o Casal Mistério recomendou”. Estão a falar de nós e não fazem ideia de que estamos ali sentados ao lado.”
Quais os critérios para selecionarem os locais que recomendam?
Essencialmente estamos atentos ao que há de novo. Procuro sempre restaurantes ou hotéis novos para irmos, mas tem muito a ver com a nossa escolha pessoal, com o que gostamos. Aliás, acho que as pessoas que nos seguem já conhecem o tipo de restaurantes de que gostamos. Não precisa de ser “da moda”, pode ser barato, sofisticado, pode ser sushi, italiano, tradicional português, de tudo um pouco. Basicamente é o que me apetece, o que é novo e o que queremos experimentar. Umas vezes corre bem, outras vezes corre mal… e nós limitamo-nos a descrever as nossas experiências. Os critérios são um bocadinho intuitivos, mas estamos atentos às noticias, seguimos os instagrams dos chefs e vemos o que é que eles estão a lançar.
Quando fazem uma crítica “má” a um restaurante, por exemplo, regressam algum tempo depois, para dar uma segunda oportunidade, ou simplesmente “riscam” o restaurante do mapa?
Claro que voltamos, a não ser que tenha sido um desastre absoluto. Nesse caso, francamente, não somos masoquistas. Mas temos a perfeita noção de que, por vezes, erros e azares acontecem, e há percalços facilmente corrigíveis. Por isso, sim, voltamos lá e ficamos muito contentes quando corre bem.
O blogue é a vossa ocupação principal ou é uma atividade paralela?
Para um de nós é uma atividade paralela e para o outro é dedicação a 100%, mas se calhar este ano vamos trocar. Como ambos temos profissões liberais, dá para ir tentando conjugar a vida profissional com o blogue, mas até hoje é uma atividade paralela. Hoje em dia janto às 22h, 23h. Chego a casa e ainda vou trabalhar para o blogue durante cinco ou seis horas. Todos os fins de semana também têm sido assim.
Em que áreas trabalham na “vida real” e como conseguem conciliar as diferentes atividades?
Não posso dizer em que área trabalho para não dar pistas sobre a minha identidade, mas posso dizer que escrevemos muito. Conciliamos como uma loucura. Tentamos trabalhar no blogue só em casa.
“As pessoas acham que é um trabalho muito glamoroso porque passamos a vida em hotéis, restaurantes e a fazer receitas. É claro que não nos queixamos porque adoramos ir para os hotéis, a bons restaurantes (e a maus também!), mas é muito cansativo porque estamos sempre a tirar notas e quando chegamos a casa ainda temos de escrever.”
O que vos dá mais gozo no Casal Mistério?
Dá-nos gozo comer, visitar os hotéis e ir a restaurantes. Mas sobretudo dá-nos gozo o sucesso que temos tido e os comentários simpáticos que recebemos. É algo que nos faz muito feliz. Também nos divertimos com um episódio que já se repetiu pelo menos três ou quatro vezes: nos restaurantes, estamos sentados à mesa e atrás estão pessoas a comentar “eu vim aqui porque o Casal Mistério recomendou”; estão a falar de nós e não fazem ideia de que estamos ali sentados ao lado. Isso diverte-nos imenso. O anonimato é uma libertação e uma liberdade, para nós, incríveis.
Já alguém ficou desconfiado de vossa identidade?
Já, claro. Quando entrámos na rádio, algumas pessoas reconheceram a minha voz e eu disse “que disparate, nem sei o que isso é”. Vamos negar sempre até à morte. O nosso principal objetivo é continuar no anonimato. Já algumas pessoas, não muitas, desconfiaram, mas não somos nem seremos nunca o Casal Mistério [risos].
“Já chegámos a ir a restaurantes em que conheço o dono, mas que não fazem ideia de quem sou e Ele faz a crítica como se fosse um restaurante qualquer. Separamos muito bem as águas e tentamos sempre fazer críticas construtivas.”
Qual a parte do vosso trabalho que ninguém imagina?
A estafadeira! [risos]. As pessoas acham que é um trabalho muito glamoroso porque passamos a vida em hotéis, restaurantes e a fazer receitas. É claro que não nos queixamos porque adoramos ir para os hotéis, a bons restaurantes (e a maus também!), mas é muito cansativo porque estamos sempre a tirar notas e quando chegamos a casa ainda temos de escrever. Há todo um lado de trabalho que as pessoas não tem nem noção, mas que fazemos com muito prazer. Começámos a fazer isto por piada, por graça e já vão cinco anos. Dá-nos muito gozo, mas há sempre um lado de profissionalismo. Ter um blogue é uma coisa muito dura e exige muito trabalho.
Quando começámos, há cinco anos, tivemos apenas uma visualização no primeiro dia e ficamos excitadíssimos. “Que espetáculo! Alguém está a ler o nosso texto!”, pensámos nós… Afinal era o informático do site a ver se estava tudo bem. Entrou no blogue, disse que achava a ideia muito engraçada e incentivou-nos a continuar. Mas ficámos felizes da vida porque tínhamos uma visualização! Hoje em dia temos um milhão de visualizações por mês. Sem dúvida que é outro campeonato e não temos sequer a noção dessa dimensão. Só quando as marcas vêm ter connosco e querem investir em nós é que nos apercebemos disso.
No Brunchvilla, quando percebemos que tínhamos 12 700 pessoas a querer ir ao evento, ficámos em pânico. A nossa expetativa era ter entre mil, duas mil pessoas. De repente tivemos de vender bilhetes porque não cabia toda a gente. Foi um risco que corremos, mas que acabou por correr bem. Obviamente existiram falhas que vamos tentar colmatar no próximo evento, mas tivemos de cobrar entradas senão ao fim de duas horas iria ser o caos.
Temos noção dos nossos números e de que somos muito lidos, mas quando lançamos um evento no Facebook e de repente temos 12700 pessoas a querer ir a um evento nosso, aí é que acordamos um bocadinho para a realidade e ficamos felizes por todo este sucesso.
Qual é o segredo do vosso sucesso?
Muito trabalho, muita persistência e não desistir. E também a isenção e a autenticidade que temos a escrever, acho que dão a credibilidade que os leitores esperam de nós e são alguns dos fatores de sucesso. Sinto que as pessoas quando leem uma crítica nossa sabem que é completamente isenta, honesta e que não estamos a ser influenciados. Já chegámos a ir a restaurantes em que conheço o dono, mas que não fazem ideia de quem sou e Ele fez a crítica como se fosse um restaurante qualquer. Separamos muito bem as águas e tentamos sempre fazer críticas construtivas.
Queremos é que haja muitos restaurantes e muitos hotéis com qualidade e acho que tem havido um aumento enorme da qualidade enorme em Portugal. Não sei se o aumento do turismo ajudou, mas atualmente temos restaurantes com muita pinta, que servem muito bem, com chefs de topo e hotéis igualmente muito bons. É bom termos um mercado assim, ficamos todos a ganhar.