Catarina Pedroso faz sapatos com cereais e fibras de maçã

A preocupação com os animais e a natureza levaram Catarina Pedroso a criar uma marca de calçado vegan, consciente e sustentável. Apesar de ainda só ter lançado duas coleções, a Ballūta já foi selecionada para o Emerging Designers da MICAM, a maior feira de calçado do mundo.

Catarina Pedroso, fundadora, CEO e diretora criativa da Ballūta.

Nascida no seio de uma família com tradições tauromáquicas, desde cedo Catarina Pedroso se apercebeu de que queria defender os animais. Hoje fá-lo através da Ballūta, uma marca de calçado portuguesa que reflete o compromisso com a sustentabilidade, respeitando animais, natureza e pessoas.

Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, trabalhou na área de maquilhagem, quer enquanto freelancer, quer enquanto coordenadora de diversas marcas no panorama nacional, em campanhas publicitárias e em produções de várias revistas de moda. Apesar da experiência que foi adquirindo, não sentia que aquele fosse o caminho certo pois faltava-lhe “liberdade de expressão e o sentimento de realização total, de lutar por algo que sentisse como verdadeiro”. Foi o marido e sócio, Ricardo Duarte, que a incentivou a criar uma marca de sapatos… vegan. Por maior que a criatividade fosse, faltava-lhe conhecer os meandros do ofício, por isso decidiu tirar um curso de Design de Calçado na Lisbon School of Design, para perceber como funcionava o processo da produção de sapatos.

Ao mesmo tempo, ao pensar na opção de se tornar vegetariana e em ter uma marca de sapatos vegan, Catarina Pedroso quis que o nome escolhido para a marca refletisse a sua ligação à natureza. Já tinha registado outro nome, mas continuou a pesquisar palavras que se relacionassem com a paisagem do Ribatejo, onde a sua família paterna tem um terreno. Entre vários termos, encontrou o ‘sobreiro’. “É o exemplo perfeito de sustentabilidade porque produz cortiça, recolhida a cada nove anos, sem que isso afecte a sua sobrevivência”, conta. “O fruto do sobreiro é a bolota e quando comecei a ler sobre ela apareceu-me o termo ‘ballūta’, que é a origem arcaica da palavra. Senti imediatamente que era o nome certo, pelo significado e pelo apelo internacional da palavra”, revela.

Com apenas duas coleções lançadas, a Ballūta é atualmente uma das 12 marcas selecionadas para o “Emerging Designers” da MICAM, a maior feira de calçado do mundo, que irá realizar-se este ano, em Milão.

Como é que nascida numa família com tradições tauromáquicas se torna vegan?
Desde sempre a minha reação à tourada foi visceral: de rejeição absoluta. Lembro-me de ser muito pequena e sentir um desconforto enorme com algo que parecia estranhamente tão natural nos ambientes em que me encontrava. O meu amor e respeito pelos animais e pela natureza foi uma constante ao longo da vida, mas, acima de tudo, sempre me preocupou a justiça. Não considero justo que se usem animais para seja qual for o fim, eles devem ter o direito de viver a sua vida. Tornei-me vegetariana mais tarde, com cerca de 20 anos. Sinceramente, não sei dizer se já muito consciente do que ser vegan/vegetariano significava a todos os níveis, mas deixei de comer carne. Até hoje.

Como e quando surgiu a ideia de criar a marca?
A ideia de criar uma marca de sapatos partiu do meu marido e sócio, Ricardo Duarte. Há cerca de três anos e meio perguntou-me, a meio de uma conversa sobre o futuro, porque não criávamos uma marca de sapatos. Achei que estava absolutamente enlouquecido mas, aos poucos e em silêncio, a pergunta começou a fazer-me muito sentido. Sendo licenciada em Belas-Artes, sempre tinha imaginado que o meu percurso profissional incorporaria a criatividade. Sempre fui muito curiosa em relação às diversas técnicas de pintura.

Em adolescente, fiz graffiti e diversos cursos de pintura e desenho, mas aos 24 anos, num editorial de moda da revista Máxima, onde trabalhava como assistente de styling, deparei-me com o potencial criativo da maquilhagem como técnica e decidi especializar-me, frequentando um curso de maquilhadora profissional. Essa decisão levou-me aos bastidores da Moda Lisboa, do Portugal Fashion, a produções de moda, campanhas publicitárias e deu-me a conhecer os bastidores da indústria da moda. Acabei por seguir essa área, na qual trabalhei durante cerca de cinco anos como freelancer e após os quais me tornei coordenadora de marcas de maquilhagem a nível nacional. Marcas pequenas, mas que me permitiram adquirir alguma experiência comercial e de gestão.

No entanto, nunca senti que esse fosse o caminho, faltava-me liberdade de expressão e o sentimento de realização total, de lutar por algo que sentisse como verdadeiro, como essencial.

Alguns modelos da coleção l-a-n-d, a primeira da marca. Fonte: Facebook/Ballūta

Quais as fases mais importantes na concretização do negócio?
São muitas. A decisão de avançar e o sentir que esta era uma opção sustentada numa necessidade do mercado e, acima de tudo, possível para nós, enquanto indivíduos, casal, pais e profissionais. Depois de decidirmos avançar, o Ricardo, que tem uma enorme sede de saber, descobriu um curso de Design de Calçado na Lisbon School of Design. Inscrevi-me porque, apesar de ser criativa, não conhecia o processo envolvido na produção de sapatos, que de simples não tem nada. Enquanto frequentava o curso, fomos fazendo telefonemas para fábricas cujos contactos íamos descobrindo na internet e visitei feiras internacionais de calçado e materiais. Pesquisámos muito.

Um dia marcante foi quando reunimos pela primeira vez na fábrica e voltámos para Lisboa com um parceiro para o nosso projecto. Ou a primeira vez em que vi os protótipos dos meus desenhos, em que um projecto que estava na minha cabeça há tanto tempo se materializava. Outro foi o dia do lançamento em maio passado. Isto apenas até o projecto estar cá fora, no mundo. A partir daí, felizmente, temos tido muitos dias muito bons e que validam o que fazemos.

Qual foi o investimento inicial e como se financiou?
Até ao momento investimos sensivelmente 80 mil euros de capitais próprios.

Quais as vantagens de ter lançado este negócio só com o seu marido?
Não estive sozinha neste projecto em nenhum momento. Começou por ser uma “loucura” a dois (o meu marido e eu) e, recentemente, tivemos entrada de uma sócia, a Susana Gomes da Costa, alguém com muita experiência na área financeira e que já era nossa advisor desde o início, o que em muito valoriza o projecto porque é alguém que com o tempo se foi apaixonando pela Ballūta e partilha a 100% a nossa missão. Além da Susana, trabalhámos com uma agência digital para criação do branding e website, onde conhecemos a Catarina Venâncio, a nossa creative strategist, alguém com muito talento e que conhece absolutamente a identidade da Ballūta.

“Pensei que a Ballūta seria possível porque percebi que, se eu andava à procura de calçado vegan, sustentável e com design apelativo, haveria outras mulheres na mesma situação.”

Como define o conceito das suas peças?
Não sei se têm um conceito definido ou fechado. Pensei que a Ballūta seria possível porque percebi que, se eu andava à procura de calçado vegan, sustentável e com design apelativo, haveria outras mulheres na mesma situação. A minha ideia foi criar colecções em que houvesse modelos que se adaptassem a todos os momentos na vida de uma mulher contemporânea, urbana, activa, on-the-go.

Os meus interesses em arte, moda, música e natureza revelam-se nos desenhos e essa é a parte da qual não abdico e que me serve de motor: poder pensar e conceptualizar colecções de algo muito real, objetos, produtos. A arte, quando a fiz, paralisava-me sempre pela indefinição do tempo. Aqui tenho prazos, objetivos, toda uma cadeia de processos e pessoas envolvidas. Embora seja um desafio, é fascinante trabalhar em equipa e sentir que cada um tem uma imagem da Ballūta, que todas elas têm validade e que, através da colaboração, conseguimos desenvolver uma marca que faça sentido a todos.

Que materiais usa nos seus sapatos e como os procura?
Usamos materiais sem origem animal, sem terem sido testados em animais e produzidos na Europa. No início, não conhecendo nem fornecedores nem tendo a marca lançada, era difícil validar contactos porque não nos levavam muito a sério. Agora com duas colecções já lançadas, site, instagram, imprensa a falar de nós, as portas já se abrem com mais facilidade e conseguimos, ouvindo nomes aqui e ali, desenvolver uma rede de representantes de marcas italianas, espanholas e alemãs que fornecem os materiais que temos utilizado. Pesquiso também muito online e já descobri alguns materiais sustentáveis muito interessantes.

Neste momento estamos a desenvolver o contacto com o produtor de um material semelhante ao couro, mas inteiramente feito de fibras de maçã. O nosso forro é feito de cereais, os saltos em algumas colecções são feitos de cortiça revestida a madeira e iremos usar madeira sólida no futuro. Enfim, fazemos o compromisso de continuar a nossa pesquisa por materiais sustentáveis, sabendo que um sapato é feito de muitos componentes e que é difícil sermos perfeitos. Mas procuramos, experimentamos e não desistimos de lutar por aquilo em que acreditamos: que é possível calçar sapatos edgy com consciência.

“Os sapatos são feitos à mão segundo processos tradicionais e onde nos asseguramos de que os trabalhadores envolvidos na produção têm condições de trabalho dignas e justas, com salários, férias, fins-de-semana, pausas, etc.”

Quais os desafios de produzir este tipo de sapato?
São vários. Os materiais não têm a mesma elasticidade ou resistência ao calor (algo importante na fase de moldagem da forma), os requisitos a nível das colas (que não podem ter sido testadas em animais) e, de uma forma geral, uma preocupação com a sustentabilidade como um todo, não só a nível de materiais, mas também a nível social e económico, o que faz com que não queiramos, por exemplo, produzir na China ou em países de terceiro mundo e que tem impacto a nível do preço dos nossos sapatos. Também não existe tanta opção em acabamentos porque o leque de escolhas é mais limitado, mas trabalha-se com o que há e esta limitação talvez me ajude a ser mais criativa. Adoro desafios.

Onde são produzidos?
Em Portugal, em São João da Madeira, numa fábrica familiar onde os sapatos são feitos à mão segundo processos tradicionais e onde nos asseguramos de que os trabalhadores envolvidos na produção têm condições de trabalho dignas e justas, com salários, férias, fins-de-semana, pausas, etc.

Vende mais em Portugal ou no estrangeiro?
A Ballūta foi lançada há sete meses e posso dizer que a primeira colecção foi mais vendida em Portugal, por uma questão de proximidade. Esta tendência já se inverteu com a segunda colecção, em que 90% das vendas online são para o estrangeiro.

Alpha, o modelo escolhido pela MICAM para integrar no seu catálogo.

Qual o perfil da vossa cliente-alvo?
A cliente Ballūta é uma mulher urbana, entre os 18 e os 45 anos, interessada em moda, mas com preocupações com a sustentabilidade, que prefere qualidade a quantidade, é activa nas redes sociais, exigente e tech-savyy.

Que mulher gostaria de ver com uns Ballūta?
Solange Knowles, FKA Twiggs, Rooney Mara, Natalie Portman, Marina Abramović.

Que caraterísticas tem que são fundamentais como empreendedora?
Sou persistente (há quem diga, ou pense, que sou chata).

Em que medida as suas experiências profissionais anteriores têm sido úteis neste novo projeto?
Olhando para trás, sinto que tudo acabou por confluir na criação da Ballūta: o meu interesse por arte, a licenciatura e cursos que fiz de pintura e desenho, o graffiti, a maquilhagem, a experiência de gestão como coordenadora de marcas de maquilhagem. Acredito que a marca é fruto de todas estas experiências, mas também da experiência do Ricardo, que trabalhou com imagem em canais de televisão ligados à economia, de onde bebeu muito conhecimento sobre a criação de startups, e que me ensinou a sonhar para além da realidade e a não desistir, a procurar e a nunca desvalorizar aquilo que faço.

Quais as principais aprendizagens que fez desde que se lançou como empreendedora?
A começar todos os dias de novo. Muitas vezes, enquanto estava sozinha a trabalhar na marca, senti que, se desistisse da Ballūta, ela desapareceria. Isso dava-me a sensação de estar a viver uma ilusão, um sonho. Agora é diferente. Há uma equipa envolvida e a marca já chegou a muita gente. Mas sem dúvida que a maior aprendizagem foi a de não baixar a cabeça e de recomeçar sempre e quando for preciso. Só falha quem tentou.

“É um bocadinho surreal termos sido escolhidos [para os Emerging Designers da MICAM] e começarmos a ver os vídeos da edição passada em que estava o Tommy Hilfiger a entregar os prémios e a Cindy Crawford entre os convidados para o desfile. É uma honra enorme e acreditamos que vai ser essencial para o processo de internacionalização da Ballūta.”

O que representa a nomeação da Ballūta para os Emerging Designers da Micam?
Representa uma validação extraordinária para um projecto tão recente. É um bocadinho surreal termos sido escolhidos e começarmos a ver os vídeos da edição passada em que estava o Tommy Hilfiger a entregar os prémios e a Cindy Crawford entre os convidados para o desfile. É uma honra enorme e acreditamos que vai ser essencial para o processo de internacionalização da Ballūta.

Por que razão os sapatos Alpha foram escolhidos pela Micam?
Óptima pergunta! A verdade é que não faço ideia, até porque não considero que sejam os sapatos mais representativos da colecção Colour Fields, uma colecção acerca de cor, de experimentação. Mas talvez por serem uma reinvenção, modernização, ou até uma brincadeira, com um sapato clássico.

Qual o próximo passo da marca?
Passará exactamente pela internacionalização junto de mercados que identificamos serem bastante fortes e promissores no sector de calçado vegan.

Qual é o seu sonho para a Ballūta?
Na verdade, já estou a viver o sonho. E isso é-me muito claro todos os dias, a sorte que tenho de poder ter tido tempo para me lançar neste projecto. Este tempo devo-o ao Ricardo, que “segurou as pontas” da outra empresa na qual somos sócios, e aos nossos familiares que nos têm dado uma ajuda preciosa com a nossa filha Francisca sempre que temos de estar no Norte, a estudar, em feiras. Lembro-me de visitar a MICAM há 2 anos e de dizer ao fundador de uma marca vegan que lá estava que daí a um ano iria lá estar com a minha. Afinal não foi um ano, foram dois, mas conseguimos.

Outro sonho que tinha era estar numa fashion week, que se vai realizar em março próximo, na Moda Lisboa, na qual vamos colaborar com um designer de Sangue Novo. Gostava que 2019 fosse o ano da internacionalização da Ballūta, gostava de estar num editorial da Vogue Itália, na Numéro, na I-D, de colaborar com um designer na London Fashion Week, de calçar mulheres artistas, de explorar acessórios… muitos sonhos, na verdade.

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