Há um ano, Maria Potes Barbas não poderia prever que estaria hoje a liderar a mudança e a abrir um precedente notável, o do acesso ao ensino superior de jovens com dificuldades intelectuais. Já estava no topo da carreira, como Professora Principal Coordenadora da Escola Superior de Educação de Santarém, e a finalizar a coordenação de um projeto europeu, que trabalhava as competências em novas tecnologias e no turismo de 31 jovens com síndrome de Down, quando foi “desafiada” a ir mais longe e desenvolver um plano de formação. Primeiro por Pilar, a sobrinha com síndrome de Down que sonhava continuar a estudar, e depois pela ministra da Presidência e pelos ministros da Educação e do Ensino Superior.
É fundamental acreditar que aquilo que faço virá beneficiar a sociedade local, nacional e internacional.
Maria Potes Barbas, à frente da investigação do Instituto Politécnico de Santarém, tinha coordenado já inúmeros projetos comunitários, e avaliado outros tantos, na área da Educação e da Ética. Mas este “Literacia Digital para o Mercado de Trabalho” não será como nenhum outro. É que vai responder “a uma lacuna na oferta formativa em Portugal, minimizando a falta de formação profissional adaptada”, ou seja, abrir caminho. Desde Outubro último que 11 jovens com um grau de incapacidade igual ou superior a 60% – um grupo em que apenas três são do sexo masculino -, estuda em ambiente digital. Fazem-no ao abrigo desse programa inovador e solidário, que lhes vai criar saídas profissionais – como as de guia ambiental, tutor de monumentos, colaborador em empresas de ecoturismo e ecocampismo, entre outras. Sem querer ficar por aqui, Maria Potes Barbas, a coordenadora do curso pioneiro, quer estendê-lo a outras zonas do país. “É fundamental acreditar que aquilo que faço virá beneficiar a sociedade local, nacional e internacional” diz.
A sua experiência internacional e de trabalho em rede, tornou tudo mais fácil. Tal como o seu papel de “embaixador e-Skills for Jobs”, iniciativa da UE baseada na colaboração entre empresas e instituições de ensino, actores públicos e privados, para a promoção do emprego jovem. Ou mesmo a investigação que fez sobre comunicação, mídia, ambientes digitais e virtuais, que a levou a colaborar com o Centro de Ricerca della Sapienza per la Tutela della Persona del Minore (Universidade La Sapienza, Roma, Itália) e no Imagens do Grupo de Pesquisa, Palavras e Ideias (GIPI) na Faculdade de Humanidades da Universidade de Alcalá.
Igualmente fundamental foi a “descoberta” de um curso com a mesma natureza, ministrado há quase uma década na Universidade Autónoma de Madrid, que acabou por inspirar os autores do programa português. Nas aulas no nosso país, que se vão estender por quatro semestres, começaram já a ser implementadas unidades curriculares semelhantes às de Madrid, mas adaptadas e testadas agora numa instituição de ensino portuguesa. A questão, para a equipa liderada por Maria Potes Barbas, é a de preparar os jovens para a realidade portuguesa, e para alguns setores em transformação e expansão, como o turismo.
Trabalhar com pessoas com ideias diferentes das minhas dá mais trabalho. Mas chega-se ao fim e percebe-se que houve um ganho incrível.
A formação agora em curso no Instituto Politécnico de Santarém, é da autoria de Maria Potes Barbas, Isabel Piscalho, Cristina Novo, Helena Luís, Carla Bastos, Nádia Lopes e Mário José. “Já vem de trás a descoberta que trabalhar com pessoas com ideias diferentes das minhas dá mais trabalho. Mas chega-se ao fim e percebe-se que houve um ganho incrível” defende.
Depois da meta cumprida, a ambição continua a mesma: “Sempre foi claro para mim, o que quero é ensinar, antes de mais. São os alunos que me dão a alma de conseguir inovar”. E talvez por isso, Maria Potes gosta de integrar os alunos na prática dos seus projetos, o que também sucedeu neste “Literacia Digital para o Mercado de Trabalho”. Para além dos 16 docentes, 40 voluntários, alguns deles alunos de Maria Potes Barbas, tornam possível esta formação “fora da caixa”, em ambiente académico, que não atribui grau ou título mas é reconhecida e certificada. No segundo ano do curso os alunos vão fazer estágios, remunerados, em empresas. A Deloitte, o Banco Santander e a Câmara de Santarém, estão entre as organizações que vão receber formandos.
A ligação da universidade à sociedade civil foi outra das grandes proezas do programa. O Politécnico conseguiu atrair voluntários e inúmeros apoios, como da SIVA, que irá disponibilizar transportes para os alunos vindos de Lisboa.
Olhando para trás, a especialista em ensino a distância e elearning identifica um marco claro na sua carreira. “O Doc foi importante no meu percurso. Comecei a ser mais solicitada como conferencista, aumentaram os convites para participar em projetos comunitários. E penso que beneficiei das quotas e das questões do género, que a Comissão Europeia segue atentamente”.