É no coração do concelho de Rio Maior, mais propriamente em São João da Ribeira, que encontramos A Casa da avó Rosa. A dirigir o negócio está Rita Montez, que, no final de 2016, colocou o jornalismo em pausa e passou a dedicar-se inteiramente à criação e gestão da guesthouse.
A experiência em jornalismo económico que foi adquirindo ao longo dos últimos 25 anos tem sido essencial para o crescimento do projeto, que este ano foi distinguindo com o prémio Guest House of the Year for Portugal – Ribatejo do Travel & Hospitality Awards. Apesar de o negócio prosperar, Rita Montez não esconde o desejo de regressar de forma mais ativa ao mundo do jornalismo. Para a empreendedora, o próximo desafio passa por arranjar fundos suficientes para aumentar a capacidade da guesthouse.
Como é que uma jornalista se transforma em empreendedora?
Existem características que nascem connosco e que, ao longo da vida, assumem ou peso maior ou menor nos nossos caminhos. Desde muito cedo quis ter muitas profissões diferentes, mas a escrita e o desejo de partilhar informação acabaram por falar mais alto e levaram-me ao jornalismo com apenas 19 anos. Ainda assim, esta vontade de fazer acontecer e de forma diferente sempre me acompanharam: aos 9 anos já fazia pequenos jornais impressos em folhas A4 para tentar vender aos vizinhos e, já na idade adulta, fui estando ligada à criação de inúmeros projetos. Quando saí da Visão no final de 2016, contava com 23 anos de jornalismo e uma vontade imensa de experimentar coisas diferentes. Existem alturas da vida em que arriscamos ou é tarde demais. Achei que aos 42 anos era o momento.
Como surgiu a ideia de negócio?
Nos últimos anos fui pensando em imensos negócios, que acabei por nunca concretizar. A Casa da avó Rosa nasceu para complementar uma atividade que acabou por ainda não sair do papel – experiências nas aldeias, com o rio e as serras como pano de fundo – e é hoje o projeto que me absorve quase por completo. A ideia surgiu a partir de reportagens que fui realizando nos últimos anos no interior do país, sobretudo nas aldeias. A desertificação é hoje uma palavra na moda, mas, apesar de existirem inúmeras políticas para a combater, agrava-se de ano para ano. Escrever sobre esta realidade e o impacto que tem nas pessoas e comunidades custa, mas o pior era perceber que nem assim esta realidade muda.
Foi então que criei, com um grupo de amigos, a Quarto Crescente, uma associação sem fins lucrativos vocacionada para trabalhar em áreas menos apoiadas, como a perda de memórias das aldeias ou o crescente isolamento social e desemprego nas faixas etárias situadas entre os 30 e os 50 anos. Para o fazer, quisemos criar negócios que sustentassem estes propósitos. Em vez de viver de subsídios, iríamos gerar as nossas próprias receitas de forma a cumprir os nossos objetivos. Entendemos que trabalhar na área do turismo sustentável era uma excelente solução: dinamizamos a economia local, divulgamos o património, aumentamos a procura nestes territórios e ainda partilhamos parte dos nossos lucros em projetos de recolha e divulgação das memórias locais.
“Conseguir ver um sonho transformar-se em realidade é uma sensação indescritível. Receber a licença, os primeiros hóspedes, os primeiros elogios, as primeiras críticas. Tem sido um ano de aprendizagem enorme!”
Por que razão escolheu a localidade de São João da Ribeira para começar o seu negócio?
A casa onde hoje funciona a guesthouse está inserida na propriedade que foi construída pelos meus bisavós maternos nos anos 20. Além da ligação afetiva e de também esta aldeia estar a sofrer imenso com a desertificação, o facto de podermos adaptar parte da propriedade para alojamento local, sem ter de investir na aquisição ou aluguer de uma casa, foi um incentivo enorme para por de pé o projeto.
O negócio é gerido à distância ou mudou-se para São João da Ribeira?
Há um ano, quando arrancámos com a exploração da guesthouse, mudei-me com o objetivo de só ficar durante o verão e regressar apenas aos fins-de-semana durante a época baixa. Mas a procura ultrapassou todas as expectativas e habituei-me de tal forma a viver no campo que decidi não regressar à cidade.
Quais as vantagens e desvantagens dessa nova vida?
Os afetos e a vida ao ar livre são, sem dúvida, as conquistas que mais nos deixam felizes com esta mudança. Claro que nem tudo é fantástico. Estamos a menos de uma hora de Lisboa, mas faltam médicos e os transportes são deficientes. Falta-me “mundo” e falta-me o mar, que antes estava a dez minutos de casa. Mas são opções. Por agora estamos bem aqui. Vou a Lisboa e à Foz do Arelho com frequência. E recebo pessoas de todo o mundo, com experiências e histórias maravilhosas.
Quais foram as fases mais importantes da concretização do negócio?
As obras de adaptação foram dos maiores desafios pelos quais passámos. Os orçamentos não eram grandes e muito do que está aqui foi conseguido graças ao esforço de amigos e dos membros da associação. Trabalhámos dias e noites sem fim, mas divertimo-nos imenso. Conseguir ver um sonho transformar-se em realidade é uma sensação indescritível. Receber a licença, os primeiros hóspedes, os primeiros elogios, as primeiras críticas. Tem sido um ano de aprendizagem enorme!
Como o desenvolveu?
Comecei por trabalhar o conceito com um amigo, que acabou por seguir outro percurso. Depois, outro amigo foi importantíssimo para perceber como fazer preços, planear a gestão, pensar no marketing… Uma amiga ajudou-me com a imagem. Li imenso sobre gestão, finanças e alojamento. Tenho a sorte também de contar com a ajuda de amigos experientes e gosto de ouvir os seus conselhos antes de tomar decisões. Pelo meio fiz formações em gestão de negócios sociais e marketing digital.
Depois entrámos nas plataformas de reservas e hoje, felizmente, já somos procurados para estabelecer parcerias com estas empresas. Conseguimos estar presentes nas maiores – Airbnb, Expedia, Booking, Homeaway – e também nos pacotes de oferta da Odisseias, o que nos permite chegar a públicos como os clientes da FNAC.
Desde muito cedo comecei a estabelecer parcerias e o trabalho em rede. Na aldeia, todos os comerciantes têm ofertas e serviços especiais para os nossos hóspedes, mas também os municípios, as juntas de freguesia e as empresas na área do turismo têm hoje acordos de parceria assinados connosco.
Qual o montante investido e como financiou esse investimento?
Já investimos mais de 15 mil euros neste ano e meio. Deste montante, uma grande parte é proveniente de empréstimos realizados à associação e, os restantes, das receitas geradas.
“O Ribatejo é ainda um destino com pouca notoriedade. Tive de imprimir mapas de estrada, escrever roteiros. Fiz-me à estrada e andei a percorrer aldeias até ao concelho de Porto de Mós, Vila Nova da Barquinha, Alpiarça e andei junto dos locais a conhecer os segredos dessas aldeias.”
Quais têm sido os seus principais obstáculos e desafios? Como os ultrapassou?
O Ribatejo é ainda um destino com pouca notoriedade face aos seus vizinhos, como o Alentejo ou, mais recentemente, o Centro. A região está ainda muito associada aos campinos e às touradas. Nos eventos, a Feira do Cavalo e a Feira da Gastronomia são os mais conhecidos. Não existe sequer um mapa do concelho de Rio Maior. Tive de imprimir mapas de estrada, escrever roteiros. Fiz-me à estrada e andei a percorrer aldeias até ao concelho de Porto de Mós, Vila Nova da barquinha, Alpiarça e andei junto dos locais a conhecer os segredos dessas aldeias.
Muitos pontos de interesse estão fechados a maior parte do tempo e não existe uma cultura do turismo. A maioria dos portugueses nem sabe que existem cascatas na Serra de Aire e Candeeiros ou praias lindíssimas ao longo do Tejo. As histórias e o património cultural estão a desaparecer. E é preciso registá-lo e divulgá-lo.
Os nossos hóspedes ficam surpreendidos e maravilhados com o que aqui encontram e as sugestões de roteiros que lhes dou. Está ainda muito por fazer, o que torna o trabalho mais difícil, mas com um potencial de crescimento enorme.
O nosso maior desafio agora passa por obter fundos para aumentar a nossa capacidade de dois para cinco quartos e fazer uma intervenção de fundo na propriedade. Precisamos de perto de 150 mil euros e para entrar nesta segunda fase muito provavelmente vamos autonomizar este projeto e vou assumir o risco sozinha.
Em que medida as suas experiências profissionais anteriores a têm ajudado enquanto gestora do seu próprio negócio?
Mantenho ainda hoje muito presente aquilo que fui aprendendo com os empresários que tenho conhecido ao longo destes 25 anos de jornalismo económico. Sempre escrevi sobre turismo, o que me ajuda imenso e também por isso tenho estado à frente do projeto.
“Já contava com dificuldades, mas senti-las é sempre diferente. Achava que o facto de conhecer e ser conhecida no meio seria uma mais-valia para ser ouvida, mas enganei-me. Quantos conhecidos me ouviram, adoraram a ideia e nunca mais responderam ou atenderam o telefone.”
Quais as lições que tem aprendido enquanto empreendedora?
Sempre ouvi que até uma ideia de negócio dar certo, muitas outras ficam pelo caminho. E, mesmo quando estamos no caminho certo, muitas portas se fecham antes de conseguirmos entrar em velocidade de cruzeiroJá contava com dificuldades, mas senti-las é sempre diferente. Achava que o facto de conhecer e ser conhecida no meio seria uma mais-valia para ser ouvida, mas enganei-me. Quantos conhecidos me ouviram, adoraram a ideia e nunca mais responderam ou atenderam o telefone. Às vezes só queria um orçamento para trabalharmos juntos. Quantas pessoas acharam que era uma loucura ter um projeto de turismo em São João da Ribeira… O caminho não é fácil, mas cada passo dado tem um sabor único. E sentir que fazemos a diferença na vida das pessoas é fantástico.
Quantas pessoas já passaram pela Casa da avó Rosa?
Não tenho um número exato, mas ultrapassa a centena seguramente.
Quem é o vosso público-alvo? Mais estrangeiros ou mais portugueses?
Felizmente estamos a conseguir um equilíbrio no perfil dos nossos clientes e, depois de no ano passado termos tido um peso maior de estrangeiros, hoje trabalhamos de forma equilibrada entre estrangeiros, portugueses de férias, lisboetas que procuram fugir da cidade e empresas que têm funcionários que precisam de se deslocar à região. Com esta diversificação evitamos ficar dependentes de um só mercado e reduzimos a sazonalidade.
A Casa da avó Rosa venceu recentemente o prémio Guest House of the Year for Portugal – Ribatejo do Travel & Hospitality Awards. O que representa este prémio?
A notícia do prémio chegou-nos por telefone ao início da manhã e, num primeiro momento, pensei que seria brincadeira até comprovar por email que era real. Sabia que estávamos nomeados, mas nunca acreditei que o pudéssemos ganhar. Sentir o reconhecimento do nosso esforço é fantástico. Sabemos que nesta distinção são avaliados não apenas os comentários, mas também a filosofia do projeto. E esse reconhecimento incentiva-nos a querer ir mais longe.
Pensa regressar ao jornalismo?
Acho que vou ser jornalista até morrer. É um pouco como os mineiros que, mesmo longe das minas, estão sempre de coração lá. As redações hoje estão muito diferentes daquelas onde trabalhei no início dos anos 90. Dessas não tenho saudades. Mas da escrita, da curiosidade, da informação, essa está cá sempre e, ao longo do próximo ano, pretendo regressar de forma mais ativa com a escrita de algumas reportagens e entrevistas.
Que conselho deixaria a uma jovem empreendedora que está a pensar mudar de carreira?
Ser jovem, mulher e empreendedora é um desafio gigante ainda no nosso país. Além das dificuldades habituais de um negócio que está a começar, temos de conseguir manter-nos firmes e resistir a inúmeros obstáculos, incluindo o preconceito que ainda existe entre muitos homens, que olham para nós como menos capazes, mais facilmente enganadas ou assediadas. Também aqui, como nos outros desafios, é importante não desmoralizar. Mostrar a nossa segurança, mesmo quando ela parece estar a desaparecer, e pedir ajuda. Ouvir conselhos, querer sempre conhecer mais e trabalhar em rede. Quando alcançamos os nossos sonhos, tudo o resto é minimizado!