O Produto Interno Bruto (PIB) é uma das ferramentas que melhor nos permitem traçar o retrato da economia de um determinado país, através do cálculo do valor monetário de toda a produção nele feita durante um ano. No entanto, os economistas britânicos que criaram o conceito há mais de 70 anos, James Meade e Richard Stone, só contaram com produtos e serviços que podiam, efetivamente, ser vendidos e comprados. De fora deixaram todo o trabalho não pago, ainda que essencial à sobrevivência de famílias e comunidades, e de que são bons exemplos cuidar de crianças ou de familiares doentes, cozinhar, assegurar as tarefas domésticas ou cultivar alimentos para consumo familiar. E esta tem sido uma constante nas últimas 7 décadas, sempre que se calcula a riqueza gerada pelos Estados, sejam eles países em vias de desenvolvimento ou ricos e industrializados.
O facto de ser muito difícil quantificar este tipo trabalho tem sido um dos argumentos apresentados para que tal não aconteça. Se não há uma troca de dinheiro por um serviço, se não é gerado valor real e direto para a economia, como (e porquê) fazê-lo?
“Trabalho de mulheres” não entra nas contas
Em 1941, Phyllis Deane, uma jovem de 23 anos contratada por Meade e Stone para calcular o PIB nas (então) colónias britânicas da Zâmbia e Malawi, chegou à conclusão de que era um erro não incluir o trabalho não pago nos cálculos do PIB. E observou que ele era desconsiderado da lista de atividades geradoras de valor por ser visto como “trabalho de mulheres”, como lembra o historiador Luke Messac num artigo para o site The Conversation. Na perspetiva da jovem, se os governos quiserem criar políticas para promover o aumento global do rendimento e uma distribuição mais equitativa da riqueza, teriam que ter em conta todos os produtores, inclusivamente as mulheres das comunidades rurais africanas. Mas, apesar de terem chamado a atenção de alguns académicos, as recomendações de Phyllis não têm sido levadas em conta nos cálculos de PIB.
Nos últimos anos, porém, a discussão em torno desta ideia tem despertado o interesse de organismos internacionais e de investigadores. A economista neozelandesa, Marilyn Waring propôs que se usasse um indicador alternativo para atribuir um valor quantificável às tarefas não pagas: o tempo. “Este é um investimento que todos temos que fazer”, disse. As suas pesquisas de campo, no Quénia, demonstraram que eram as mulheres que ficavam responsáveis pelas tarefas que mais o consumiam, consideradas entediantes, de baixo status social e que, por isso mesmo, se tornavam “invisíveis” em termos económicos.
Segundo números atuais da ONU, as mulheres fazem cerca de 67% do trabalho não remunerado em todo o mundo. O estudo “Women’s economic empowerment in the changing world of work”, publicado pelo Conselho Social e Económico da ONU em dezembro de 2016, estima que o valor total de trabalhos não pagos de assistência a crianças, doentes ou idosos possa corresponder a 10% de todos os bens e serviços produzidos mundialmente, e as tarefas domésticas a 39%, “podendo representar uma contribuição maior para a economia do que os setores da indústria, comércio e transportes.”
Outras pesquisas de economistas sobre a assistência não remunerada estimam que, na Argentina, o seu valor possa corresponder a 7% do PIB, enquanto na Tanzânia os valores chegam aos 63%. E na Suíça representa quase tanto como a contribuição do setor da Banca e Seguros, diz a UN Women.
Os tempos estão a mudar
“Este trabalho é o que faz mexer a sociedade e a economia”, diz Shahra Razavi, coordenadora do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento Social das Nações Unidas, num vídeo para a UN Women. “Em muitos aspetos, ele pode ser visto como o alicerce sobre o qual assentam as indústrias, serviços, escolas e universidades. Sem ele seria muito difícil pensar sequer numa sociedade que funcionasse.” Mas não só não é valorizado em termos de cálculos do PIB, como também é penalizado, porque quem ocupa a maior parte do seu tempo em tarefas não remuneradas, não consegue ter um salário decente para se sustentar ou descontar para uma pensão futura. Esta é, aliás, uma das razões pelas quais as mulheres têm maior risco social que os homens depois dos 65 anos.
Mas não é só a ONU que parece empenhada numa mudança a este respeito. Recentemente, lembra ainda o historiador Luke Messac, o Banco Mundial observou que o PIB só mede fluxos de rendimento, mas não nos diz se os cuidados de saúde, a educação ou o ambiente (e as matérias primas que ele nos providencia) estão a desenvolver-se ou a perder qualidade. A revista The Economist também diz que são precisas novas métricas para os cálculos do PIB, que incluam “trabalho doméstico não pago, como a assistência a familiares.”
“Os estados podem fazer muito, certificando-se que existem serviços públicos de assistência de qualidade”, observa Shahra Razavi. “Mas seria bom que se repensassem as expectativas sobre as normas sociais, de forma a que homens e mulheres pudessem dividir essas tarefas de forma mais equilibrada. Com mais políticas chegaríamos à conclusão de que podemos fazer mais a esse respeito, sem darmos a desculpa de que isso é um assunto para ser resolvido internamente pelas famílias — esse trabalho irá recair inevitavelmente sobre as raparigas e mulheres.”