Prestes a licenciar-se em Medicina, Catarina Forra já tem planos para o futuro: quer especializar-se em Oncologia, fazer cuidados paliativos com doentes terminais, mas também investigação. E gostava de um dia poder falar numa TED Talk sobre o processo de morrer e a aceitação da morte.
Mas o que a trouxe à TEDx da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa foi uma conversa sobre o poder que o erro e o fracasso podem ter na transformação das nossas vidas. “Não seria a vida muito mais extraordinária se errar nos trouxesse esperança e entusiasmo? E se, sempre que falhássemos, tivéssemos a certeza de que algo de melhor estava para vir?” Em 2013, Catarina tinha acabado de chumbar o segundo ano do curso logo no primeiro semestre. Habituada a ser a melhor aluna e a ter classificações excelentes, o fracasso levou-a a ponderar toda a sua vida. Ia ter pela frente oito meses inteiros sem poder voltar a matricular-se e resolveu ir até à Irlanda para uma viagem que a fizesse pôr tudo em perspetiva, saindo da rotina. Mas ao fim de dois meses sem conseguir trabalho, a única hipótese foi começar a trabalhar na câmara frigorífica de uma fábrica de carne pré-cozinhada congelada. Ao fim de poucos dias já queria desistir e regressar a casa, mas acabou por não o fazer. E essa acabou por ser uma das maiores lições e experiências da sua vida.
O que é que o fracasso desse semestre lhe ensinou? Afinal, o que se estava a passar para ter chumbado?
Eu estudava dias e noites inteiras e não conseguia reter a matéria, chegava aos exames e parecia que estava a ver aquilo pela primeira vez. Foi um fenómeno mesmo curioso. Chocou-me chumbar. Acredito que estas coisas acontecem por um motivo. Não me ia contentar em ficar em casa sem fazer nada. Como só chumbei cadeiras do primeiro semestre ia ficar oito meses, o 2º semestre e as férias de verão, sem fazer nada. Pensei que tinha que rentabilizar esse tempo e tentar perceber porque é que aquilo me tinha acontecido — é o que eu faço na vida quando me acontece algo do género, tentar perceber o que é que me está a escapar, o que é que aquela situação está a tentar ensinar-me e o que posso fazer melhor.
“Quando procuramos uma resposta e estamos fora da nossa zona de conforto, temos que entender que o caminho pode ser difícil. Pode até parecer que as coisas estão a correr muito pior, mas é só um processo de aprendizagem interna até as coisas começarem realmente a melhorar.”
Há uma receita para um erro dar certo?
Esta é só a minha experiência, pode haver muitas receitas. Em primeiro lugar, se percebemos que alguma coisa no nosso ambiente não está a correr bem e se sentimos a necessidade de sair dele, talvez devamos responder a essa necessidade. Se as mesmas coisas que sempre fiz não estão a dar resultado, tenho que mudar alguma coisa para ter resultados diferentes. Para mim, a resposta foi imigrar durante uns meses; para outras pessoas pode ser outra coisa. Quando procuramos uma resposta e estamos fora da nossa zona de conforto, temos que entender que o caminho pode ser difícil. Pode até parecer que as coisas estão a correr muito pior, mas é só um processo de aprendizagem interna até as coisas começarem realmente a melhorar. O último passo é sabermos reconhecer a bênção. Quando percebi que precisava de estudar menos e focar-me em outras coisas, em outras atividades, tive que confiar na minha resposta, apesar de ser diferente daquilo que estava a acontecer à maior parte das pessoas à minha volta.
O que a fez ficar numa fábrica de carne congelada durante cinco meses, sozinha num país distante?
Foi mesmo muito difícil porque nessa fase via colegas meus da faculdade irem de férias de Páscoa para Miami e eu estava às 4 da manhã a embalar carne. No dia seguinte a eu pensar em desistir mesmo daquilo, comecei logo a fazer amigos na fábrica. Achei que aquilo foi um sinal. Aquilo mudou-me. Tinha uma rapariga de 19 anos ao meu lado — menos 3 que eu — a montar caixas de cartão e começámos a partilhar histórias. Percebi que ela vinha da Lituânia e que já trabalhava há vários anos num país estrangeiro. Ainda demorei algumas semanas a ter a completa aceitação de que iria ficar ali mais uns tempos, mas não trocava esta experiência por nada porque hoje sou uma pessoa diferente.
Agora que está prestes a tornar-se médica, tem planos para a sua carreira?
Sim. Quero fazer prática clínica, mas também investigação. É uma ideia um pouco esotérica, mas quero saber se o tempo de internamento reduz se puser os doentes num quarto com mais sol, ou com óleos essenciais, por exemplo — ou seja, se mudar algo no ambiente. Ou se a meditação pode ser mesmo protocolo [de tratamento].