Conheceram-se em Angola, onde estavam ambas a trabalhar e rapidamente se tornaram amigas. O facto de terem regressado a Portugal na mesma altura e de terem passado pelas mesmas indecisões profissionais levou a que Ana Ferreira e Ana Costa estreitassem os laços e a que a ideia da Baseville surgisse. Mas a decisão de avançar não foi imediata, porque as duas amigas quiseram primeiro salvaguardar que a relação profissional não poria em causa a amizade e fizeram-no da forma que os advogados mais experientes não se cansam de recomendar. “Só depois de estatutos muito bem definidos e de ambas nos sentirmos confortáveis e com todas as questões asseguradas, nos sentimos confiantes a dar este passo em conjunto”, contam.
Ana Ferreira é licenciada em Economia, tendo feito um percurso sempre ligado à gestão estratégica em projetos no setor público e no setor privado nas áreas de Engenharia (Oil & Gas), Aviação e Banca. Ana Filipa formou-se em Engenharia do Ambiente, desempenhou cargos de coordenação e direção em vários setores e acredita que o ADN verde da marca terá vindo da sua formação. Parte do investimento foram buscá-lo ao IEFP e o resto a capitais próprios. Em Abril de 2017 estavam reunidas as condições para darem os primeiros passos. Mas devido ao bom momento que a indústria têxtil portuguesa atravessa não foi fácil encontrar um fornecedor disponível para apostar numa pequena produção, como a que precisavam para lançar o conceito. Valeu-lhes o apoio do CITEVE – Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e Vestuário de Portugal, local onde ainda hoje estão incubadas, para lhes abrir algumas portas. As duas sócias são responsáveis pela direção criativa da marca – identificam os modelos e escolhem as malhas -, mas o design e a produção de fichas técnicas são feitos pelo departamento de moda do CITEVE. A produção é exclusivamente nacional: desde as malhas, passando pela confeção e pelas etiquetas. “Tudo feito por empresas nacionais do Vale do Ave”, dizem com orgulho.
Atualmente a prepararem uma nova coleção da Baseville, Ana Ferreira e Ana Costa não têm mãos a medir. É preciso fazer um bocadinho de tudo – desde emails, envio de encomendas pelo correio, follow-up de vendas e contatos comerciais com o retalho, bem como a gestão da estratégia de comunicação (redes sociais, SEO). São os ossos do ofício de quem está a dar os primeiros passos como empreendedora.
Os pilares da marca assentam na qualidade, na consciência ambiental e na inovação, sendo que todos os detalhes foram pensados de raíz de forma a ter uma marca sustentável a 360º.
O que é que o vosso produto traz de novo?
A Baseville é uma marca que nasce em contraciclo: numa era fast-fashion a nossa proposta é voltar ao essencial do guarda-roupa, peças básicas, de qualidade premium, passíveis de complementar e conjugar de forma fácil com tudo o que já possuímos. As nossas peças foram pensadas ao pormenor para maximizar a versatilidade no uso: não têm uma estação definida de uso e são adequadas quer a ocasiões formais, quer com jeans. O objetivo foi desenhar peças simples também para ajudar na eterna questão “não ter nada que vestir”, uma vez que são conjugáveis com qualquer outra peça que já tenhamos, sempre com a certeza de que “estamos bem”.
Os pilares da marca assentam na qualidade, na consciência ambiental e na inovação, sendo que todos os detalhes foram pensados de raíz de forma a ter uma marca sustentável a 360º. Para que todo este objetivo seja concretizável é necessário estabelecer uma relação de confiança com as clientes, para que comprem, e voltem a comprar, pois só assim conseguimos fechar o ciclo da sustentabilidade e ser verdadeiramente uma marca com futuro.
E a quem se destina?
Pessoas que procurem individualidade, que procurem “telas em branco” que lhes permita criar e conjugar o guarda-roupa de forma a ter um estilo próprio, em detrimento de terem peças e looks que sejam iguais a qualquer outra pessoa.
A Baseville, pelo seu ADN verde, com produção 100% nacional, pretende também chegar aos clientes que procuram ou se preocupam com o seu impacto no planeta, que valorizam o comércio justo, produtos biológicos, produção nacional. Pessoas para as quais o selo da sustentabilidade seja sinónimo de garantia de que os seus hábitos não estão a colocar outras pessoas ou habitats em causa. Os novos consumidores valorizam (e estão dispostos a pagar) por esta garantia. São pessoas com mais informação que as gerações anteriores e que acreditam que as suas escolhas de consumo são atos com impacte global.
Como surgiu a ideia?
Começou por necessidade. Sentíamos que existia uma lacuna no mercado no que diz respeito a uma marca 100% portuguesa (com o know-how e expertise da produção nacional), que se dedicasse inteiramente a básicos, a peças essenciais ao dia-a-dia, simples, mas que nunca conseguíamos encontrar. Uma marca com uma linha contínua, onde se pode encontrar e voltar a comprar as nossas peças de eleição, independentemente da estação do ano, ou da coleção.
Que passos deram antes de avançar?
Ana Filipa Costa – Depois de 4 anos a viver e a trabalhar em Angola no sector do O&G o nascimento do meu segundo filho fez-me querer mudar de vida. As constantes viagens entre Lisboa e Luanda não se coadunavam com dois filhos pequenos. Aproveitando o Programa de Apoio ao Empreendedorismo e Criação do Próprio Emprego (PAECPE) do IEFP para receber antecipadamente o subsídio de desemprego, apresentei a ideia à Ana Ferreira para me apoiar no desenvolvimento do plano de negócios. Quando percebemos a viabilidade da empresa, submeti o plano de negócios ao IEFP. A vontade e a crença no projeto era tão grande que mesmo antes da aprovação, avancei com o branding para definir a marca e registá-la.
Empreender não é fácil, surgem sempre muitas dúvidas pelo caminho, que nem sempre é linear. Questões simples de ultrapassar podem tornar-se obstáculos muito duros para quem ambiciona uma concretização célere.
Quais as fases mais importantes na concretização deste negócio?
Ana Filipa Costa – A apresentação da ideia e do projeto à Ana Ferreira foi essencial, bem como a aprovação do plano de negócio pelo IEFP. Ambos “validaram” a ideia e deram a confiança que por vezes tende a esvanecer-se. Empreender não é fácil, surgem sempre muitas dúvidas pelo caminho, que nem sempre é linear. Questões simples de ultrapassar podem tornar-se obstáculos muito duros para quem ambiciona uma concretização célere. Ter alguém ao lado para partilhar os dias maus e as ideias e “projetos falhados” ajuda muito a desdramatizar e a seguir em frente.
Qual o investimento inicial e como se financiaram?
O investimento inicial foi de 32 000€, sendo que 12 000€ foram incentivo do PAECPE. Tudo o resto foram capitais próprios.
Quais as principais dificuldades que têm enfrentado enquanto empreendedoras?
Como temos uma aposta clara num produto de qualidade superior – malhas confortáveis, duradouras, peças de bom corte e com acabamentos de exceção -, foi muito importante identificar os melhores fornecedores, não só que cumprissem com os padrões de qualidade pretendidos, mas também que nos permitissem ir um pouco mais além e perceber as condições de trabalho, as políticas sociais, os compromissos ambientais. Estando a indústria do têxtil e do vestuário portuguesa a passar uma fase muito boa, de reconhecimento mundial, com contratos significativos com marcas internacionais de relevo, a maior dificuldade foi encontrar quem quisesse apostar na 1.ª edição de uma marca portuguesa com uma produção pequena. O CITEVE – Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e Vestuário de Portugal, local onde estamos incubadas, foi essencial para abrir portas, identificar empresas e responsáveis e fazer a influência positiva que não tínhamos por sermos novas no mercado.
É importante dar tempo à marca, à empresa, para se posicionar e ganhar o se espaço no mercado.
Qual o principal erro que cometeram e o que aprenderam com ele?
Existem duas questões muitos interessantes que percebemos que não demos a devida atenção. A primeira está relacionada com a ideia, e a segunda com as pessoas que nos rodeiam.
Inicialmente, quando surgiu a ideia da Baseville era para nós tão óbvio que tínhamos acertado que não considerámos a hipótese que a necessidade poderia estar mal identificada. Os pressupostos de vendas considerados no plano de negócios, embora conservadores, foram olhados como facilmente atingíveis e ultrapassáveis num curto período de tempo. A verdade é que se trata de uma marca, cuja simplicidade, falta de cor e com uma mensagem tão “séria”, tem de ser trabalhada, tem de ser comunicada da forma certa e nos locais-chave, tem de criar empatia – um “clube de fãs” e seguidores que está a demorar mais tempo a criar do que o que tínhamos idealizado. É importante dar tempo à marca, à empresa, para se posicionar e ganhar o se espaço no mercado.
A segunda falha está relacionada com as pessoas que nos estão mais próximas. Desde que o projeto teve início, embora tenhamos partilhado a ideia, os valores, e as diferentes formas de concretização, não partilhámos o suficiente para que família e os amigos se tornassem embaixadores da Baseville. Todos nós temos um círculo de amigos com muitas dimensões e com inúmeras possibilidades de alcance. Se tivéssemos partilhado mais cedo a ideia e a apresentássemos de forma clara, num evento dedicado, acreditamos que também os nossos amigos se envolveriam em apresentar-nos às pessoas certas e a divulgar a marca.
O que gostariam de ter sabido no início deste processo e que ninguém vos disse?
Que não ia ser fácil. Que íamos ligar a muitas pessoas que não nos iam devolver chamadas, que muitos emails não seriam lidos e que muitos seriam e que não haveria resposta. Um simples Sim, ou um simples Não.
Como têm evoluído enquanto empreendedoras?
Estamos muito mais comerciais do que éramos no início.
Quando tiveram a certeza de que estavam no caminho certo?
Ainda não temos. O nosso plano inicial é revisto com frequência e vários planos de contingência vão sendo delineados para conseguirmos chegar aos objetivos identificados inicialmente. Percebemos que não podemos ser demasiado rígidas e que temos de nos ir adaptando. Improvisar por vezes é um verbo muito mais adequado do que imaginávamos.
Onde se comercializam as vossas peças?
As peças da Baseville estão disponíveis na loja online, na loja d’O Antigo Talho, em Lisboa, e no Hotel do São Lourenço do Barrocal, em Monsaraz. Os preços variam na 1.ª edição entre os 25,50 € e os 49,90€.
Quem gostariam de ver com uma t-shirt Baseville?
A atriz Ema Watson, pela geração que representa, com uma voz mais ativa, mais consciente, com maior preocupação pela sua pegada ecológica. Pela forma como divulga a mensagem da sustentabilidade e por todos os projetos que apoia internacionalmente e que pretendem aumentar a consciencialização do impacte da moda na sociedade (em termos ambientais). Também pela “validação” que já falámos anteriormente, se alguma dia a Ema Watson usar Baseville, aí sim teremos a certeza que estamos no caminho certo, que a nossa mensagem está a chegar onde queremos, e que a nossa sustentabilidade enquanto marca estará assegurada.
Qual o passo seguinte da Baseville?
Avançar para o complemento da nossa 1.ª edição, a Edição 1.1, que terá disponíveis peças mais “cool”, mais tendência, que complementam as silhuetas femininas da 1.ª edição. Outro grande objetivo a curto prazo é iniciar a internacionalização da marca.