O papel da tecnologia nos novos modelos de liderança, a necessidade de trazer mais mulheres aos lugares de topo das organizações e a experiência profissional de quem está à frente de grandes empresas nacionais foram os grandes temas que dominaram a 2ª Grande Conferência de Liderança Feminina. A iniciativa, organizada pela Executiva com o apoio da Liberty Seguros, BIG, Accenture, Grupo Your e da Católica Lisbon, decorreu na manhã de ontem, dia 23 de novembro, na Universidade Católica, em Lisboa, e levou ao auditório Cardeal de Medeiros 12 personalidades ligadas ao mundo empresarial e à academia, para refletirem sobre os novos paradigmas da liderança.
As boas vindas foram dadas pela diretora do Executiva.pt, Isabel Canha, que falou da importância de mostrar às jovens mulheres que é possível chegar a lugares de topo, fundamento para a criação do site e revista Executiva. “Rapidamente passámos para outras plataformas onde pudéssemos concretizar esta missão; estas conferências são só uma delas.”
Novos desafios sob o signo da tecnologia
A primeira mesa redonda, “Liderança 4.0 – o mindset do novo líder” foi moderada pela diretora-geral da Informa D&B, Teresa Cardoso de Menezes, que lançou o mote: “A tecnologia conduz as mudanças nas nossas vidas, obrigando-nos a mudar a forma como olhamos o mundo, como nos relacionamos e planeamos a vida das nossas empresas.”
“A automação vai substituir alguns postos de trabalho com tarefas rotineiras. As equipas devem estar focadas em tarefas mais estratégicas e o gestor tem que estar desperto para acompanhar este processo e estar sempre à frente das tendências tecnológicas”, Carla Baltazar, senior manager Accenture
Para Carla Baltazar, senior manager da Accenture, as mudanças tecnológicas já estão a tornar necessário que as empresas se reinventem, mesmo a nível do core business. “Elas já estão em curso e serão maiores ainda nos próximos 5 ou 10 anos, sobretudo no que diz respeito à automação, que vai substituir alguns postos de trabalho com tarefas mais rotineiras. As equipas devem, por isso, estar focadas em tarefas mais estratégicas e o gestor tem que estar desperto para acompanhar este processo e estar sempre à frente, no que diz respeito a tendências tecnológicas.” A rapidez no fluxo de informação e na forma como é veiculada, também obriga a uma alteração de paradigma e a uma preparação constante, diz ainda a senior manager.
À frente da WeDo Technologies, líder mundial em soluções de Revenue Assurance, Rui Paiva acredita que a adaptação contínua aos novos desafios deve ser a atitude de qualquer geração de líderes, visão também partilhada por Marta Alarcão Troni, administradora da Liberty Seguros. “Temos que nos vocacionar para a liderança e a inovação, pensando como é que a empresa se reinventa todos os dias e estimula os colaboradores para a mudança. Por isso, falar em novo mindset de liderança faz-me alguma confusão — para nós, isso é intrínseco desde sempre.” A administradora acrescentou ainda que a qualificação técnica das novas gerações de profissionais deve ser complementada pela aprendizagem de competências humanas.
“A retenção de talento é um dos principais desafios e a maneira de gerir a comunicação com as pessoas é essencial.” Sara do Ó, CEO do grupo Your
Para Isabel Viegas, docente da Católica Lisbon, o que mudou nas lideranças foi, claramente, a maior formação técnica dos colaboradores. “Temos hoje pessoas muito mais qualificadas do que tínhamos há 10 ou 20 anos, mas continuamos a liderá-las como se não o fossem. Hoje, nas organizações, mudam mais depressa os liderados do que os líderes — que aprenderam a sê-lo com os líderes que eles próprios tiveram. Esta qualificação traz a necessidade de gerir as pessoas de forma diferente. O que fica para o líder? Coisas muito importantes: tem que inspirar, definir uma visão, ilusionar as pessoas na direção do sonho, incluir pessoas diversas.”
Sara do Ó, que começou a liderar aos 26 anos, depois de uma arrojada decisão de fundar a sua própria empresa, acredita que o tema da liderança deve provocar reflexão contínua. “A retenção de talento é um dos principais desafios e a maneira de gerir a comunicação com as pessoas é essencial. Acho que deve haver reuniões informais, temas livres e uma aproximação clara do líder ao terreno. A prioridade do líder devem ser as pessoas e a sua gestão, retirar o melhor delas para as fazer brilhar.”
“O natural é que as empresas possam espelhar, em todos os seus níveis, aquilo que é o mercado, onde quem compra são homens e mulheres.” Isabel Viegas, docente da Católica Lisbon
O desafio de ter mais mulheres na direção das organizações não foi esquecido no painel, com Teresa Menezes a lembrar que, apesar de muitas empresas serem hoje criadas e lideradas por mulheres, quando elas não são acionistas apenas 10% chega a cargo de liderança. “O que tem sentido é que se tratem as pessoas de igual para igual”, disse Rui Paiva. “As mulheres têm que se preocupar em serem supercompetentes e inteligentes e assim tomarão o seu lugar naturalmente.” Isabel Viegas contrapôs, observando que as mulheres têm de provar mais ainda do que os homens para lá chegarem. “As empresas definem objetivos para tudo; porque não definem objetivos para uma situação que é irregular? O natural é que as empresas possam espelhar, em todos os seus níveis, aquilo que é o mercado, onde quem compra são homens e mulheres.”
Dois maestros à conversa
Se as empresas devem ser como uma orquestra bem afinada, é nos seus líderes que têm a figura de um maestro. No segundo painel da manhã, “Dueto de Líderes”, Isabel Vaz, CEO da Luz Saúde, e Filipe de Botton, chairman da Logoplaste, mostraram como debater assuntos sérios e vastas experiências de liderança, sem filtros ou moderador, com humor e cumplicidade. Uma conversa informal que passou por temas diversos como a difícil conciliação entre a vida familiar e progressão na carreira. Isabel Vaz partilhou a sua experiência. “A verdade é que tive dois filhos e evoluí na mesma. O que foi uma admiração até para mim — escondi a segunda gravidez até aos 5 meses porque ia passar a chefe de projeto e achei que isso não aconteceria se percebessem que estava grávida. Essa é uma pressão que, de alguma forma, todas sentimos. Nunca descurei a minha vida familiar e quando tive que fazer escolhas difíceis, fiz pela vida familiar, de forma completamente consciente.”
“Tipicamente, as mulheres têm melhores competências comportamentais, como a negociação e a conciliação. Elas estão sempre a negociar e a gerir equilíbrios, e isso é essencial nas estruturas das empresas.” Isabel Vaz, CEO Luz Saúde.
As quotas de género nas empresas voltaram ao debate na voz dos dois líderes. “O tema das quotas chama a atenção e é importante, mas para mim, a inclusão de pessoas com deficiência é mais relevante ainda. A diversidade nas empresas é muito mais alargada do que o tema do género”, disse o chairman da Logoplaste. Filipe de Botton lembrou ainda que a diferença de pagamento entre homens e mulheres existente em Portugal não se põe em países do norte da Europa, mas em algumas empresas portuguesas ela “é marcante e preocupante. Um estudo indica mesmo que, se as mulheres não estivessem a trabalhar em cargos de responsabilidade das empresas, estas perderiam 8% do seu valor.”
Os dois líderes falaram ainda sobre critérios prioritários de contratação e diferentes aptidões, em ambos os géneros. “Tipicamente, as mulheres têm melhores competências comportamentais, como a negociação e a conciliação”, disse Isabel Vaz. Estas aptidões colaborativas são hoje essenciais para a agilidade de resposta das empresas, segundo a CEO. “Olho para os meus grupos e mais de metade são liderados por mulheres. Elas estão sempre a negociar e a gerir equilíbrios, e isso é essencial nas estruturas das empresas. Os homens têm muito mais a pressão de se afirmarem individualmente, de mandarem e serem líderes.”
“Com a minha mãe aprendi que ser bom e generoso é de borla e dá imensos dividendos.” Filipe de Botton, chairman Logoplaste
Filipe de Botton admitiu ainda que, apesar de não ter líderes de referência, grande parte da sua postura de liderança foi influenciada pelos ensinamentos dos pais. “Com a minha mãe aprendi que ser bom e generoso é de borla e dá imensos dividendos.”
CEO partilham experiências de liderança
A mesa redonda que juntou Ana Paula Rafael, CEO da Dielmar, Susana Carvalho, CEO da J. Walter Thompson, e a presidente da BIG Serviços Financeiros, Ana Rita Gil, moderada por Soledade Carvalho Duarte, managing partner na Invesco Transerch, centrou-se nas suas ricas experiências enquanto líderes e seus principais marcos, das conquistas profissionais aos momentos difíceis que ultrapassaram.
Para Ana Paula Rafael, chegar à liderança depende da força “do querer e de muito treino”. A CEO da Dielmar deu como exemplo o seu próprio caso, em que nem os problemas de saúde nem as dificuldades da vida a impediram de ter uma carreira e conseguir conjugá-la com a vida pessoal.
“Apesar de ter ambição, ser CEO não fazia parte dos meus planos”, confessou Susana Carvalho. “A liderança é uma aprendizagem contínua — aprendo todos os dias e cada vez aprendo mais. Ainda hoje penso muitas vezes sobre se sou uma boa líder. Dar o exemplo, assumir o compromisso e a responsabilidade são outras atitudes necessárias à liderança. Estou sempre lá para dar a face pelas minhas equipas — depois, claro, dou-lhes na cabeça, refletimos e resolvemos as coisas, mas é preciso formar um bloco frente a situações difíceis. Um líder também tem de ser um curioso e estar muito atento.”
“É muito difícil convencer os detentores de capital de que não são as melhores pessoas para gerirem certos departamentos.” Ana Paula Rafael, CEO da Dielmar
Ana Rita Gil partilhou também a sua visão e experiência. “Penso que algo necessário à liderança é estar fisicamente junto à equipa, liderando por exemplo e incentivando-os, no dia a dia, a perceber como se faz. Aprendo muito com as gerações mais novas, que trazem outro background, e tento manter essa atitude de aprendizagem contínua. Uma característica que acho muito importante é a capacidade de tomar decisões fundamentadas, assumindo os riscos.”
As oradoras lembraram ainda as vitórias profissionais que mais gozo lhes deram, bem como os momentos mais difíceis dos seus percursos profissionais — que para as três líderes passaram por restruturações nas suas empresas, em que precisaram de despedir gente. Mas o saneamento na empresa familiar liderada por Ana Paula Rafael, tomou contornos mais pessoais e implicou despedir familiares. “É muito difícil convencer os detentores de capital de que não são as melhores pessoas para gerirem certos departamentos. Os líderes têm que saber tomar decisões difíceis, mesmo quando lhes podem causar alguns dissabores, porque o importante é a continuidade das empresas.”
“As mulheres são pouco ousadas; temos que estar mais voltadas para fora e fazer mais networking— algo que trabalhamos mal, em comparação com os homens.” Ana Rita Gil, presidente da BIG Serviços Financeiros
Soledade Carvalho Duarte quis ainda saber quais as estratégias mais eficazes para trazer mais mulheres para cargos de liderança. “Nós próprias temos que mudar”, observou Ana Rita Gil. “As mulheres são pouco ousadas; temos que estar mais voltadas para fora e fazer mais networking — algo que trabalhamos mal, em comparação com os homens.” Susana Carvalho acredita que as novas formas de trabalho, com maior flexibilidade de local e horários, bem como evoluções tecnológicas, farão surgir necessariamente novos tipo de liderança, mais colaborativas.
“Não se pode ter medo”, disse Ana Paula Rafael. “É preciso treinar muito para o perder, para ganhar espaço e competências. As mulheres têm muito medo de falhar, mas falhar muitas vezes é sinónimo de aprender.”