Começou a compor músicas no quarto, aos 14 anos, e aos 16, o DJ Pete Tha Zouk – um dos maiores nomes nas pistas de dança nacionais – já passava um original seu: assim rezam as crónicas (ainda recentes) da carreira de Von di Carlo. Nascida Evelina Almeida há 22 anos, já dá cartas na música eletrónica de dança, com colaborações no currículo ao lado de nomes grandes da cena artistica como Buraka Som Sistema, Branko, D’Alva, Blaya ou Karetus. Mas ela também é uma jovem empreendedora que regressou a Portugal depois de acabar o bacharelato em Engenharia Áudio na londrina School of Audio Engeneering (SAE), instituto ligado à Middlesex University, para criar o seu estúdio próprio e trabalhar como produtora musical.
Abrir horizontes em Londres
Aos 16 anos ofereceram-lhe um curso de produção de som na escola Pro DJ, em Lisboa, que lhe revelou por onde seria o caminho. “Comecei a fazer o upload das minhas músicas na internet e por essa altura comecei a receber propostas de promotores em Lisboa para atuações.” Precisou de mais de um ano até conseguir permissão materna para se estrear ao vivo como DJ. Ainda se lembra da primeira atuação: “Foi na discoteca Kapital… e estavam cinco pessoas. Adorei!”, conta entre risos. “No primeiro dia estava a abrir para um DJ muito conhecido, o [canadiano] Félix Cartal, que estava a tocar no piso debaixo. Mas os promotores gostaram de mim, voltei na semana seguinte e já atuei para 500 pessoas.”
Enquanto estive em Inglaterra dediquei-me apenas a estudar e, quando não estava a fazê-lo, aproveitava os excelentes estúdios da SAE.
Finalizado o ensino secundário, ainda entrou no IADE mas a vocação musical falou mais alto. “Gosto muito de design, mas achei que o meu caminho era mais a música. Escolhi a SAE, que se revelou uma escola muito mais técnica do que eu esperava. Isso também me permitiu aprofundar mais os meus conhecimentos e sair de lá com uma visão diferente e mais abrangente.” O curso ensinar-lhe-ia sobre gravação de bandas, captação de som, composição de música para filmes e sobre os meandros mais técnicos do ofício. “Abri os horizontes, definitivamente. Para além do conhecimento, o que de melhor retirei do curso foram os contactos que fiz lá e as pessoas que conheci, que ao partilharem estúdio comigo e ensinando-me, me permitiram ver a música de outra maneira. Enquanto estive em Inglaterra dediquei-me apenas a estudar e, quando não estava a fazê-lo, aproveitava os excelentes estúdios da SAE. Tentei tirar o máximo proveito deles. Vinha a Lisboa, eventualmente tocava cá, e regressava a Inglaterra para estudar.”
Faço as minhas próprias músicas, é importante referir. Não as compro e ninguém as compõe por mim.
Ganhar o respeito da indústria
Hoje, a DJ Von Di Carlo atua maioritariamente em pistas portuguesas mas também já se apresentou em Espanha. As suas atuações vivem de “toda a música que faça as pessoas mexer”, privilegiando os seus estilos musicais preferidos: house, pop, bass e eletrónica. Mas há outros projetos em marcha. Tem um programa mensal de música de dança na rádio Mega Hits há quase três anos. Enquanto produtora, compõem e produz os seus originais. “Faço as minhas próprias músicas, é importante referir. Não as compro e ninguém as compõe por mim.” Para além de colaborações com artistas no Reino Unido, está a produzir uma artista espanhola e a trabalhar no lançamento dos seus próprios originais — estarão para breve, em formato digital, faltando decidir se a edição será feita em versão EP (extented play) ou em vários singles lançados independentemente. Também faz parte do portfolio de artistas ‘The Books’, agência sediada em Londres e especializada na contratação e divulgação de DJ femininas, responsável pelo booking e o brand management da jovem portuguesa. “Eles trabalham em vários pontos do mundo como Los Angeles ou Hong Kong.” Locais onde a DJ sonha atuar em breve, com a internacionalização da carreira por objetivo.
Para sobreviver como empreendedora jovem é preciso querer o suficiente e lutar por isso todos os dias. As minhas dificuldades são as mesmas de toda a gente: pagar contas e andar para a frente.
No seu meio profissional há muita competição, admite; por isso há que mostrar serviço e não descansar o trabalho criativo. “O trabalho do produtor é agarrar na música, tratar dela a nível de composição e organizar tudo, fazer com que tudo soe bem e encaixe, no final. ‘Escondo-me’, às vezes durante muito tempo, no estúdio para depois mostrar as minhas coisas de uma vez. Ultimamente, as minhas músicas têm sido mais experimentais. Acho que foi por isso que comecei a ganhar mais respeito dentro da indústria. Antes as minhas músicas não tinham uma assinatura bem marcada; hoje ela já se nota mais. Mas acho que só consegui isso porque devo ter passado 300 dias dentro do estúdio, em 2016.” Tempo passado a compor, a experimentar e a ouvir muito som novo.
Para sobreviver como empreendedora jovem “é preciso querer o suficiente e lutar por isso todos os dias. Sempre fui eu que tratei da maioria das minhas coisas, que fiz os meus designs, que fiz o projeto acontecer. As minhas dificuldades são as mesmas de toda a gente: pagar contas e andar para a frente.”
Acho que, quando sabem que o DJ é uma mulher, já não ouvem da mesma maneira — partem do princípio que ela só está ali para mostrar a imagem.
Poucas mulheres na produção
O meio artístico em que se move ainda é marcadamente masculino, diz, apesar de já irem aparecendo mais mulheres DJ. “Eles são muito mais que nós. Diria mesmo que uns 90% contra 10% de mulheres… acho.” Mas para ela, essas estatísticas não são um problema. “Talvez até seja uma vantagem. Não conheço mais mulheres a produzir em Portugal, talvez tenha sido das poucas.” Faz falta uma voz feminina neste ramo? “Acredito que sim. Os meus colegas homens sabem que essa voz sou eu… mas não sei se lhe querem dizer isso. Acredito que tenho uma sensibilidade diferente, sim, mas não sei se é por ser mulher.”
A jovem salienta a camaradagem com os seus colegas do sexo masculino. “Das pessoas que mais me abriram os horizontes da música em Portugal e me fizeram avançar, foram o Branko e a dupla Karetus. E são rapazes. Para serem DJ as mulheres, à partida, também têm que ‘vender’ mais a imagem que os homens. Para mim essa não é uma postura confortável, por isso é que me empenhei na produção o suficiente para garantir que era tão boa ou melhor do que os homens à minha volta. Desde o início quis escolher um nome profissional mais neutro para que as pessoas não se deixassem influenciar pelo género. Acho que, quando sabem que o DJ é uma mulher, já não ouvem da mesma maneira — partem do princípio que ela só está ali para mostrar a imagem. Pelo menos era essa a perceção que tinha quando eu era mais nova, por aquilo que lia na Internet e nos fóruns. Se tivesse um nome profissional mais ‘neutro’, eu seria como uma entidade que fazia músicas. Gosto que as pessoas ouçam a minha música e não estejam à espera de que seja uma mulher.”
Vim para Portugal, mas continuo a pensar no resto do mundo porque acho que a minha música tem qualidade para isso e vai um pouco além do que se faz por cá.
Na sua área encontra referências femininas nas produtoras Uniiqu3, Kito e Maya Jane Coles, embora saliente que “grande parte das DJ optam por uma linha mais techno, que não é bem a minha. Mas os meus favoritos são Friendly Fires, Deadmause e Clavin Harris.”
Apesar de se ter estabelecido em Portugal, a produtora e DJ não enjeita a possibilidade de voltar ao Reino Unido. “Quero ir – e vou — mas não será para já. Em Londres o custo de vida é mais elevado. Regressar a Lisboa permitia-me criar o meu estúdio, ter as minhas datas e agenda de atuações. Vim para Portugal, mas continuo a pensar no resto do mundo porque acho que a minha música tem qualidade para isso e vai um pouco além do que se faz por cá”, afirma sem falsas modéstias.