Os homens são brilhantes, as mulheres são produtivas

É assim que os dois sexos são geralmente catalogados nas cartas de recomendação para bolsas de pós-doutoramento. Descubra as diferenças que isso implica na carreira.

As cientistas recebem classificações menos elogiosas do que os colegas.

Um artigo publicado esta semana na revista Nature Geoscience revela um cenário de discriminação de género nas cartas de recomendação para bolsas de pós-doutoramento. Na área da Geociência, onde as mulheres representam 40% dos doutorados, apenas 10% se tornam professoras. A disparidade na contratação de mulheres cientistas nas universidades motivou uma equipa da Universidade de Columbia a analisar as cartas de recomendação à procura de pistas.

O estudo Gender Differences in Recommendation Letters for Postdoctoral Fellowships in Geoscience, liderado por Kuheli Dutt, revela que as mulheres têm metade das probabilidades de receber uma carta de recomendação “excelente” por comparação com os seus colegas homens. Depois de analisar mais de mil cartas de recomendação em todo o mundo durante cinco anos, os investigadores perceberam que apenas 21% das cartas recomendavam alguém como “excelente”. A questão é que nas cartas de recomendação de cientistas masculinos 24% conseguiram essa classificação, mas apenas 15% das cartas de candidatas femininas a exibia.

Estas diferenças afetam as mulheres numa fase crítica das suas carreiras.

O estudo considerou como “excelentes” as cartas que incluíssem descrições como “líder científico”, “cientista brilhante” ou “pioneiro”. Já no grupo de cartas classificadas como “boas”, os adjetivos usados foram “muito produtivo”, “muito conhecedor” ou “com bom conjunto de skills”. Kuheli Dutt, cientista social da Universidade de Colúmbia, alerta que desta forma as mulheres são vistas como menos competentes do que os homens, ou pelo menos, como menos brilhantes, porque os homens são descritos de forma mais entusiasta e elogiosa. Esta diferença faz com que as mulheres sejam descriminadas num momento crítico da sua carreira.

Discriminação endémica

A existência real de preconceitos e percepções distorcidas em relação às capacidades das mulheres na ciência é a conclusão a que chegaram estudos similares noutras áreas como a biologia, química, física e medicina. Todos eles apontam uma tendência para a utilização de adjetivos mais elogiosos em relação a homens do que a mulheres, independentemente do género de quem escreve a carta de recomendação. Outros estudos mostram que até o nome próprio do candidato a uma posição académica, se é masculino ou feminino, pode determinar um processo de recrutamento. Num artigo publicado na Nature, em 2015, a investigadora Meg Urry sublinha o grau “endémico” da discriminação de género no universo da investigação científica, que se aplica não só à obtenção de fundos de financiamento e recrutamento, mas também na creditação autoral, na citação de papers, orientação científica, etc.

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