Não era daqueles sonhos que enchem a infância, qual balão que sobe, à espera do lugar ideal para se concretizar. Enquanto as noites da jovem Filipa Geraldes mergulhavam nas aulas para completar o 12.º ano, a oportunidade de trabalhar com crianças acabou por se tornar realidade nas horas livres que sobravam durante o dia. “Ingressei na equipa da creche onde o meu sobrinho tinha andado, porque, na altura, a minha irmã soube que estavam a precisar de uma pessoa para fazer algumas horas”, recorda. “Se não tivesse sido aquela primeira experiência profissional”, diz mesmo, o mais provável é que tivesse optado por estudar Gestão ou Psicologia, as áreas que mais a atraíam, na altura.
“Acaso” tornado vocação, a escolha pela Educação de Infância não se fez, porém, “em cima do joelho”. Depois do bacharelato na Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich, concluído logo após ter obtido o diploma do ensino secundário, o percurso académico de Filipa Geraldes culminou, mais tarde, numa pós-graduação na Escola Superior de Educação João de Deus e na licenciatura no Instituto Superior de Educação e Ciências.
Filipa Geraldes encarou o desemprego como o início de um novo caminho trilhado por sua própria iniciativa.
Décadas volvidas a ensinar “sempre na mesma creche”, em Lisboa, a educadora de infância viria a aprender a maior lição da sua carreira quando a instituição onde trabalhava entrou em declínio, em 2007. Atualmente já encerrado, foi quando “as coisas começaram a correr mal” que Filipa Geraldes se viu na iminência de abandonar o colégio que até aí fora como “uma segunda casa”. Profissional “com muitos anos de experiência”, longe de o ver como o fim da linha, a agora empreendedora encarou, contudo, o desemprego como o início de um novo caminho trilhado, daí em diante, por sua própria iniciativa.
Um mal que veio por bem
“Isto até pode soar um bocadinho mal, mas, por um lado, foi bom que as coisas não tivessem corrido bem nesse colégio, onde já estava um pouco acomodada”, admite. Acalentando o “objetivo” de avançar com o seu próprio projeto “desde os tempos de faculdade”, a saída forçada foi o impulso que faltava para que Filipa Geraldes abrisse uma escola. Em nome próprio, literalmente – ou não tivesse batizado a creche que fundou no Lumiar, em novembro de 2007, como a Escolinha da Pipas.
Abrindo-nos as portas do espaço que hoje acolhe 32 crianças com o mesmo sorriso pronto a que miúdos e graúdos já se habituaram, a educadora de infância conta como também foi risonho o nascimento da Escolinha, em poucos meses. “Felizmente tudo correu muito bem, quer com a atribuição da licença por parte da Câmara Municipal de Lisboa, quer com o Centro de Emprego, que garantiu parte do financiamento, quer com a Segurança Social.”
A empreendedora aproveitou a experiência que já tinha para tentar melhorar tudo o que achava que não estava bem.
Os “bons alicerces” da creche ajudam a explicar que “não tenha havido razão para que se lhe colocassem entraves”, assegura Filipa Geraldes. “Fiz questão de elaborar o projeto de forma muito clara e escrupulosamente de acordo com a lei, pelo que foi rapidamente aprovado.” E dos erros que viu serem cometidos no colégio onde leccionou previamente procurou ainda retirar ensinamentos, acrescenta. “Aproveitei a experiência que já tinha para tentar melhorar: tudo o que achava que não estava bem, não perdi a oportunidade de fazer de forma diferente.”
De “aprendizagens” se fez também a única altura em que o negócio “enfrentou algumas dificuldades”, fruto da conjuntura de crise que assolou o País, como relata a empreendedora. “Porque os pais ficaram no desemprego, houve algumas crianças que saíram e foram seis meses em que tive de colocar dinheiro, para que tudo funcionasse bem.” Momentos de tempestade que não obstaram, no entanto, à bonança. “Além do financiamento inicial do Centro de Emprego, tive que fazer um empréstimo pessoal para abrir a escola e, felizmente, consegui reaver o investimento ao fim de quatro anos”, adianta.
Envolvimento a 100%
Na creche que compreende três salas divididas por idades – berçário, sala de um ano e sala dos dois anos – Filipa Geraldes desmultiplica-se nas mais variadas tarefas e é esse o segredo do sucesso: “o envolvimento a 100%”, que é sinónimo de disponibilidade para “fazer de tudo um pouco”. Na qualidade de gestora e diretora, a nossa protagonista responsabiliza-se por “toda a parte administrativa”, mas é enquanto educadora de infância “na sala dos mais crescidos” que mais se realiza. O “papel principal” do qual se recusa a prescindir, por ser o que sempre lhe deu “mais prazer”, mesmo que isso implique necessariamente “mais trabalho”. As prioridades, todavia, estão bem definidas: “as crianças estão sempre em primeiro lugar”.
Nunca fui tão feliz como agora, sublinha Filipa Geraldes.
Timoneira de uma equipa que inclui, além de si própria, mais seis funcionárias, Filipa Geraldes faz um balanço “o mais positivo possível” da experiência que tem sido liderar a Escolinha da Pipas nestes quase nove anos. “Não voltava atrás de maneira nenhuma”, garante. Decidida a continuar a ver a creche que deu os primeiros passos com apenas cinco alunos a crescer, a empreendedora deixa um repto a outras mulheres que também estejam a pensar lançar o seu próprio projeto, “seja ele em que área for”: “empenhem-se e avancem!”. Ter um negócio próprio representa “trabalho e responsabilidades acrescidas”, mas o que fica para a história é a grande recompensa: “nunca fui tão feliz como agora”, sublinha.