Setembro chegou e representa, para muitos jovens, o início da vida profissional, constituindo um verdadeiro desafio quer para estes jovens estagiários, quer para os líderes seniores que os recebem.
Se tem um papel de liderança na sua empresa, acredito que concordará que receber os novos membros, de braços abertos e com espírito “arejado”, é fundamental para reter talento e fazer com que os “benjamins” que acaba de receber se tornem peças integrantes da sua equipa vestindo “a camisola”.
Se, por outro lado, é estreante nestas “lides laborais”, saiba que é fundamental ter uma boa dose de humildade, de resiliência e de perspicácia para, rapidamente, apreender a cultura e o espírito da empresa que vai integrar. Relembro, novamente, que o sucesso profissional não está, de todo, alicerçado em excelentes competências técnicas pois essas, no século XXI, são “um dado adquirido”: é a capacidade de nos relacionarmos com os outros e de nos transformamos em camaleões comunicacionais que fará com que construamos uma carreira de sucesso.
Como a moeda tem sempre duas faces, este artigo é apresentado em duas perspectivas: para si, querido leitor, que se está a estrear na vida profissional; e, claro, para o meu estimado leitor, com todo o suor e resiliência que correm nas veias, que será uma inspiração para jovens talentos.
Apresento, assim, três regras de etiqueta profissionais que estagiários/juniores e líderes devem cumprir, religiosamente, para que o barco chegue a bom porto.
Vestidos para trabalhar
Se, no século XXI, o hábito pode (não) fazer o monge, a verdade é que continua a ser fundamental para que o reconheçamos como tal.
Finda a pandemia, o regresso ao trabalho presencial parece ter ditado uma cultura mais flexível e aligeirada. Falando dos setores tradicionais e conservadores, as gravatas e o fato completo tendem a ser reservados para ocasiões formais ou sempre que a circunstância do momento assim o exija. Há, assim, cada vez mais flexibilidade para que, “de acordo com as regras de bom senso”, nos possamos apresentar, devidamente, no local de trabalho.
Contudo, esta “liberdade” assente no bom senso é, como me confessava um cliente, “uma das maiores dores de cabeça” no seio empresarial atual.
Se, outrora, os limites estavam bem claros, a flexibilidade exigida pós-pandemia e pela cultura de Silicon Valley faz com que, cada vez mais, seja difícil manter uma imagem de coerência que espelha o espírito da empresa.
Têm, nesta matéria, especial importância os departamentos de recursos humanos que, ao recrutar “os benjamins”, lhes devem transmitir as linhas orientadoras a seguir. Deixar esta matéria “ao critério e bom senso” dos novos colaboradores, revelar-se-á “um tema”.
Se é estreante na vida profissional e nada lhe foi dito sobre as regras de vestuário (que inclui, obviamente, acessórios e maquilhagem), deixo-lhe dois conselhos:
- Pergunte! Não há nada pior do que estar no “limbo” da ignorância e não se sentindo confortável por não saber o que vestir ou se a roupa que escolheu estará adequada à sua empresa. Este tema é particularmente relevante no primeiro dia de trabalho em que ainda não se proporcionou um ambiente para “analisar”, meticulosamente, o ambiente da empresa. Se não teve oportunidade de perguntar — ou não ficou particularmente esclarecido com a resposta — relembro a regra de outro: na dúvida, aposte em peças mais formais: “aligeirar” o vestuário é simples… mas inventar uma gravata quando não existe só está ao alcance do poder divino.
- Não tome o exemplo dos sócios/chefias como um exemplo a seguir. “Se o meu chefe está de ténis, então também posso vir trabalhar de ténis”. Este pensamento, muito comum na camada jovem nos primeiros dias de trabalho, é particularmente sensível em setores tradicionais. Um estagiário, por mais dotado e brilhante que possa ser, jamais poderá ser equiparado a um membro sénior da organização. Este tem controlo (quase) absoluto da agenda podendo, assim, gerir o que vestir em função da tipologia de clientes e parceiros com os quais se vai reunir e/ou tendo um local privado onde guarda um fato completo, gravata e sapatos com atacador para, numa emergência, poder alterar o traje com que foi trabalhar. Por outro lado, um estagiário, não tem qualquer controlo sobre a sua agenda; nunca saberá quando poderá ser incumbido de, ao cair da noite, se deslocar a casa de um cliente conservador para entregar ou recolher um documento fundamental para o processo.
Em empresas com ambientes informais, este tema não tem tanta expressão. Contudo, relembro que por mais informal que a sua empresa possa ser, não deixa de ser o seu local de trabalho. Evite, assim, calças de ganga “rasgadas”, ténis, decotes proeminentes e/ou transparências, roupa demasiado curta (com o famoso “umbigo à mostra) e peças que possam ter logótipos, imagens ou frases ofensivas e inapropriadas para o contexto laboral.
Saber tratar e dar o devido tratamento
Embalados na cultura americana que se faz sentir globalmente, fruto da influência das empresas “disruptivas” de Silicon Valley, a cultura da informalidade na forma de tratamento também se tem, paulatinamente, instalado. Tratamento informal significa que, cada vez mais, há espaço para deixar de utilizar títulos académicos, em particular internamente.
Assim, em Portugal, a utilização de títulos académicos está reservada para contextos formais e/ou quando as organizações assim o determinam.
Não confundamos, contudo, a “estrada da Beira com a beira da estrada”… Tratamento informal não significa que tratemos os nossos colegas com o grau de proximidade que temos com os nossos amigos, nomeadamente tratamento na segunda pessoa do singular (isto é, “tu”). Cabe ao elemento hierarquicamente superior dar o mote e indicar os mais jovens como pretendem que o tratem: pode tratar-me por Dr.ª Ana Rita Pinho vs pode tratar-me por Ana Rita.
Se nada lhe for indicado, mais uma vez, não caia na tentação de colocar em prática a tão falível técnica do “achismo”… “Achei que podia tratá-la por Ana Rita. Ouvi o João referir-se a si assim…”.
Se não sabe, repito, pergunte! Substitua a fórmula clássica temerosa — que tantas vezes ouvi (ouço) — “É para a tratar por Dr.ª ou sem Dr.ª?” recorrendo a esta fórmula “mágica”: “Como pretende que a/o trate?” ou “Como gostaria que o/a tratasse?”
Partilho uma duas últimas notas quanto a este tema: se a cultura da sua empresa se pautar pela informalidade e não se utilizarem títulos académicos, tal não implica que se refira, perante terceiros, a um colega com a mesma informalidade que pauta a relação interna na empresa. Ou seja, dependendo do interlocutor que tem à sua frente, o Francisco (ou “Kiko” como é, diariamente chamado), diretor jurídico da sua empresa, transformar-se-á em Dr. Francisco Cabral quando o seu interlocutor for, por exemplo, um elemento do departamento de contencioso de outra empresa ou uma entidade oficial.
Excepção a esta regra será quando, expressamente, a sua empresa determinar que não deverão ser utilizados títulos académicos em qualquer relação com a empresa, quer interna, quer externamente.
Por fim, não caia na tentação de pautar as outras empresas pela cultura da sua empresa, sob pena de “ferir egos” e causar feridas difíceis de sarar… ou dito por outras palavras, se, na sua empresa, está implementada uma cultura informal, não assuma que a empresa de um fornecedor, parceiro ou cliente com o qual trabalhará se pauta pela mesma cultura. Se o seu interlocutor faz questão de ser tratado por “Dr. / Eng. / Arq.” não faça deste assunto um tema. Trate-o como gosta de ser tratado e conseguirá comunicar, empaticamente, com o seu interlocutor.
(Aqui entre nós, relembro-lhe que quanto mais inseguro for o seu interlocutor — quer tecnicamente, quer pessoalmente — mais questão fará de ser tratado pelo título académico. Afinal, continuamos a assistir, diariamente, à “provinciana” e errada fórmula de auto-apresentação “Sou a Dr.ª Isabel Vai com Deus” e a ler assinaturas de e-mail com “Dr. Ricardo Pintas”…
Respeitar, dando-se ao respeito
O respeito é, em termos simbólicos, a linha vermelha que está sempre presente em toda e qualquer relação que, quando ultrapassada, nos transporta para o caminho do abismo.
Respeitar o outro pode parecer um “chavão” ou, pelo contrário, algo tão abstrato que é difícil de colocar em prática.
Quer seja estreante na vida profissional, quer seja responsável pela integração de jovens estreantes, relembro-lhe os sete comportamentos que jamais poderão ter lugar:
- Tecer comentários sobre a aparência física do outro, salvo quando a observação é feita em privado e com intuito de orientar o outro para a necessidade de adaptar boas práticas de higiene e de apresentação face ao esperado pela cultura da empresa.
- Tecer comentários sobre a opção religiosa, política ou orientação sexual ou vida pessoal. As opções filosóficas, religiosas, políticas ou sexuais são parte integrante da esfera da vida privada de cada um não sendo, como tal, temas a abordar na esfera laboral.
- Tecer comentários sobre a gestão financeira e logística particular. Este é um tema particularmente sensível para os estagiários/juniores que, estando no início de vida, são “convidados” a fazer verdadeira ginástica com o vencimento mensal. Abordagens como “A sério que vais almoçar na copa com as secretárias? Trazes almoço de casa?” ou “Nunca vens almoçar fora… assim não te integras no grupo” não podem ter lugar. Não sabemos — nem temos de saber — como é a gestão financeira e logística de cada família. Como tal, observações inoportunas que deixem o outro desconfortável, jamais deverão ter lugar.
- Não cumprimentar ou cumprimentar de forma incorreta. Se é estagiário, saiba que as regras de protocolo determinam que cabe ao superior hierárquico, independente de ser homem ou mulher ou de ser mais novo ou mais velho, indicar o cumprimento físico que apresenta (ou se o apresentará, de todo). Assim, não se apresse em estender a mão ao seu superior… ou poderá ficar com ela pendurada… Se estiver num lugar de chefia, saiba que tem um papel educacional na vida do seu “benjamim”. Assim, se este lhe estender a mão, tenha a cortesia de o cumprimentar. Afinal, saber estar é deixar o outro confortável, mesmo quando este “não sabe as regras do jogo”. Se se aperceber que não sabe as regras de protocolo aplicáveis ao cumprimento, ensine-o! Afinal, todos nós estamos sempre a aprender e, provavelmente, também aprenderá muito com o seu estagiário.
- Utilizar vocabulário inapropriado. Se o “jargão” pode fazer parte da cultura do Porto e de determinados ambientes sociais, relembre-se sempre que o vocabulário que utilizará o/a definirá contribuindo para causar uma boa/má impressão. Utilizar adjetivos pejorativos, não articular bem as palavras não será a melhor forma de causar e de sedimentar uma boa primeira impressão.
- Não bater à porta. Se, outrora, bater à porta antes de entrar era uma regra básica transmitida no seio familiar, hodiernamente parece que a mesma tem de ser ensinada no contexto laboral. Jamais se entra numa sala fechada sem, previamente, bater à porta e aguardar pela indicação para entrar. Se um “benjamim” entrar no seu gabinete sem bater à porta e sem pedir licença, peço-lhe que respire fundo três vezes e resista à tentação de “explodir”! De seguida, ensine-lhe, de forma pedagógica e assertiva, que jamais poderá entrar num gabinete bater à porta e, de seguida, pedir licença! (Já agora: como é prática recorrente trabalhar em gabinetes com a porta aberta, ensine os mais jovens — e alguns “menos jovens” — a pedir licença para entrar, mesmo estando a porta aberta. Uma porta aberta é para estar à vontade, e não “à vontadinha”)
- Não se despedir. O final do dia chegou. Outrora, não seria necessário relembrar que, antes de sair, se deve despedir dos seus colegas. E, neste tema, não sejamos “mais papistas que o Papa”. Creio que resultará claro do espírito do tema que não é expectável que se despeça de todos os colegas, individualmente. Contudo, uma saída “à francesa”, não é, de todo, apropriada. Se está no papel de estreante na vida profissional, antes de sair, pergunte ao seu superior ou aos colegas que integram a sua equipa se necessitam de algo mais. Se a resposta for negativa, despeça-se com um simpático e empático “Até amanhã”. Se está investido com as vestes de liderança, não se esqueça de se despedir da sua equipa, antes de sair. Afinal, um empático e sincero “Até amanhã” pode parecer uma gota no oceano, um insignificante pormenor, mas demonstra, em segundos, o quão se importa com os outros… afinal, é um líder ou um chefe?
Joana Andrade Nunes é consultora de protocolo, etiqueta e comunicação, membro da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo, colaboradora no programa “Praça da Alegria”, na RTP 1 e autora da rubrica “Etiqueta Profissional”, na Executiva. Mestre e Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, iniciou a carreira profissional como docente universitária nesta instituição e, até 2017, conciliou a atividade de docência com a prática de advocacia de negócios. Em 2014, foi distinguida com Menção Honrosa no âmbito do V Prémio Wolters Kluwer de Artigos Jurídicos Doutrinários. O seu livro Quatro Gerações à Mesa foi considerado o melhor livro de culinária de Portugal, pelos Gourmand World Book Awrads (2016) e o 3.º melhor do mundo, pelos gourmand World Book award, 2017. Desenvolve a atividade de consultoria e formação junto de prestigiadas equipas e organizações.
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