Em menina Madalena Tomé resolvia exercícios de matemática com o entusiasmo com que se fazem passatempos, por isso foi fácil escolher Matemática Aplicada quando chegou a altura de entrar para a universidade. O difícil foi as empresas perceberem as potencialidades da sua formação. Valeram-lhe as boas notas para entrar em consultoria, precisamente uma das áreas onde considera que nem sempre é fácil para as mulheres fazerem carreira. Há seis anos trocou a consultoria pela área industrial porque queria colocar ‘as mãos na massa’ e sentir a responsabilidade pela entrega de resultados. Fê-lo na PT com a criação do M40 e continua a fazê-lo, desde o ano passado, na SIBS, onde já lançou o MB Way.
Em que medida a formação em Matemática Aplicada influenciou o seu percurso?
A Matemática é uma paixão. Sempre gostei imenso da capacidade analítica, de pensar. Não me imaginava a fazer outra coisa. Para mim, fazer exercícios era quase como fazer passatempos. O desafio foi encontrar uma Matemática que me permitisse ter uma utilidade prática, daí ter saído para a consultoria que era a área que me pareceu mais abrangente. Como não tinha uma especialidade em Gestão, esta era a área onde eu poderia desenvolver a capacidade analítica e perceber onde poderia encontrar outras de maior interesse. Tem sido um desafio perceber que ao longo da minha carreira a matemática nos ensina a pensar e que é útil em qualquer área e praticamente em qualquer circunstância. Acho que foi uma aposta acertada.
Tenho tido o privilégio de encontrar ao longo da carreira desafios de grande responsabilidade.
A entrada na consultoria foi um passo natural?
Para mim foi, mas para as empresas nem tanto. Na altura o curso era ainda pouco conhecido e as empresas procuravam mais os cursos mainstream, como a Economia e a Gestão, e apesar do curso de Matemática Aplicada ser de uma faculdade reconhecida como o ISEG, era um curso menos conhecido e que tinha saídas muito direcionadas para grupos de estudo. Houve quase que fazer um marketing do curso, mas hoje é muito motivador perceber que depois da minha geração passou a ser um curso bastante mais procurado.
Eu própria sempre que posso procuro alunos de Matemática ou de Engenharia, porque acho que a capacidade de pensar e a capacidade analítica e de conceptualizar os problemas é muito importante.
Esta é a quinta empresa no seu currículo. O que a tem levado a mudar de emprego?
Não exatamente. Apesar de no meu currículo ter a Andersen, a Deloitte, a McKinsey, a PT e a SIBS, na verdade era consultora na Arthur Andersen quando a empresa integrou a operação da Deloitte. Por isso não mudei de empresa, a empresa é que se alterou.
Na minha carreira houve uma mudança marcada que foi a passagem da consultoria para o mundo industrial. Na consultoria tive oportunidade de aprender muito e de ter exposição a um conjunto muito alargado de setores e de áreas, mas faltava-me a responsabilidade operacional pelas componentes da entrega de resultados e pela motivação da equipa no dia-a-dia para essa entrega.
Esse foi o passo que me fez mudar da consultoria para a Portugal Telecom, uma empresa que na altura estava num rumo de inovação enorme, estava a afirmar-se num conjunto de mercados e, não sendo a maior empresa de telecomunicações da Europa, era uma das melhores e mais reconhecidas. Tive o desafio de ir ajudar a criar uma nova área de negócios e esse foi um desafio muito importante. Assim como o de aceitar a Presidência da Comissão Executiva da SIBS. Tenho tido o privilégio de encontrar ao longo da carreira desafios muito importantes, de grande responsabilidade, e também por causa disso de grande motivação, e tem sido isso que me tem feito dar esses passos.
A maioria das mulheres é insecure overachiever, temos sempre medo de não estar à altura.
Quando surgem estas novas oportunidades não hesita?
A maioria das mulheres é insecure overachiever, temos sempre aquele medo de não estar à altura, de não conseguir responder. Mas, em primeiro lugar, se alguém se lembra de nós, se o convite surge, é porque temos provas dadas de ser capazes de assumir o desafio. Por outro lado, não assumimos estes compromissos sozinhas, vamos liderar e orientar uma equipa, e isso é algo que nos ajuda a aceitar os desafios. A capacidade de inclusão mútua numa equipa é uma característica da liderança no feminino. Não vir com a perspetiva de sobrepor uma ideia ou uma visão, mas sim numa perspetiva de tentar perceber a realidade da equipa que temos a trabalhar connosco e como é que a vamos potenciar para fazer todos os dias mais e melhor.
Qual a sua missão na SIBS?
A SIBS, e o setor dos pagamentos em que se insere, está a passar por um processo de grande transformação tecnológica, mas também comportamental e social. Os hábitos de pagamento e de consumo estão a mudar a um ritmo muito rápido. A equipa da SIBS é uma equipa forte, com muito talento, muito preparada e com muito potencial, que nos últimos 30 anos construiu uma coisa absolutamente distintiva, que é o nosso MULTIBANCO. Neste momento, o grande desafio é gerir este processo de transformação, e garantir que a SIBS continua a ter capacidade de inovação, a agilidade e um time-to-market que lhe permita responder muito rapidamente aos desafios digitais, e com um conjunto muito alargado de soluções e de alternativas.
Estes 30 anos de grande sucesso dão-nos responsabilidade para outros 30 anos que não são garantia de sucesso. Esta orientação para o digital e para continuar a desenvolver soluções de valor acrescentado para os nossos clientes e a consolidar a nossa presença internacional são grandes desafios. E é preciso ter a equipa toda orientada para estes desafios, com objetivos e orientação para resultados muito bem definidos.
Qual o principal momento desde que está à frente da empresa?
O lançamento do MB WAY que é uma grande aposta no digital. A receptividade tem sido boa, embora os hábitos de pagamento demorem sempre algum tempo a mudar. Mas a verdade é que Portugal é um dos mercados com o sistema de pagamentos mais evoluído – tem a maior rede de ATM per capita, com um conjunto maior de funcionalidades, tem toda a rede de POS disponíveis, o que significa que na prática está já com hábitos de pagamentos muito enraizados. Nos primeiros seis meses, o MB WAY já tem mais de 100 mil aderentes e acreditamos que vai rapidamente transformar-se numa ferramenta muito utilizada, porque é a solução de pagamento móvel mais completa e moderna do mercado.
O meu ponto forte é a orientação para os resultados.
Que competências considera fundamentais para fazer uma carreira de sucesso?
É preciso ter uma paixão grande por aquilo que se faz. Fazer uma carreira exige trabalho, dedicação, perseverança, por isso considero muito difícil consegui-lo se não estivermos apaixonados por aquilo que fazemos. É preciso perceber o que gostamos de fazer, onde está a nossa paixão, o que nos faz felizes e procurar proactivamente essa realização. E depois ter uma grande capacidade de trabalho porque nada se faz sem trabalho, sem organização. Além disso, é fundamental conseguir perceber qual a melhor forma de usar e de potenciar os recursos que estão disponíveis – quer os recursos financeiros, quer os técnicos – mas também potenciar a equipa na sua capacidade de entrega. Não somos todos bons a fazer tudo. É preciso garantir que as pessoas desenvolvam os seus talentos de forma a que, em complementaridade e em equipa, se consiga um todo mais forte e mais completo.
E no seu caso, qual acha que é o seu ponto forte?
Acho que é a orientação para os resultados. Ao tentar ter claro o que são os principais drivers para conseguir obter aqueles resultados e ter um foco e uma perseverança grandes para os atingir. Mesmo que às vezes isso exija algumas decisões difíceis, mesmo que às vezes exija a opção de deixar outras coisas para trás, acho que é o mais importante.
Quais os marcos da sua carreira de que mais se orgulha?
Ter terminado o curso com destaque e ter ajudado a promovê-lo num conjunto de organizações por onde passei ou com que trabalhei é algo de que me orgulho. Na Portugal Telecom também acho que conseguimos fazer uma transformação grande naquilo que foi a convergência entre a oferta de pacotes móveis e a introdução do M4O. Foi bastante disruptiva, quer para o mercado, quer internamente, pois obrigou a um conjunto de alinhamentos de processos, de sistemas e de pessoas que não existia, e que foi árduo de montar. E agora na SIBS acho que o MB WAY é um produto inovador que vem marcar uma nova era da SIBS no mundo digital e isso é um motivo de grande orgulho.
Nenhuma destas realizações foi conseguida sozinha e isso é o mais importante. São realizações fruto do trabalho de equipa e que são sustentados em equipa, porque quer eu esteja ou não é importante que essas realidades se mantenham.
Se voltasse atrás mudaria alguma coisa no seu percurso?
Tenho sempre a dúvida se não deveria ter feito uma carreira internacional mais cedo. Mas foi uma opção pelo facto de ter filhos e de recear ter menos tempo para lhes dedicar e também o querer garantir que tinha uma rede familiar mais alargada para os apoiar. Isto e o facto de não ter sido bailarina, que era o meu projeto de infância.
São raras as ocasiões em que não aprendo nada com as pessoas com quem trabalho.
Tem alguma referência a nível profissional?
Ao longo do tempo fui tendo varias referências. Termos inspiração nas pessoas com quem trabalhamos é muito importante, estejam elas acima, abaixo ou ao nosso lado. São raras as ocasiões em que não aprendo nada com as pessoas com quem trabalho.
Houve algum conselho de carreira que a tenha marcado?
Há muito tempo uma executiva disse-me que para ter sucesso num mundo de homens é preciso parecer um homem. Foi um conselho que não consegui seguir. Acho que para se ser bem-sucedido temos de ser genuínos. Se tentarmos ser aquilo que não somos isso acaba por não passar. Foi um conselho que me marcou imenso porque achei logo que deveria haver outras formas de ter sucesso. E o tempo mostrou-me que eu estava certa. As pessoas têm de ter bom senso e estar minimamente enquadradas no que é o seu contexto cultural, social e organizacional. Mas acho que acima de tudo têm de ser genuínas.
Alguma vez se sentiu discriminada ao longo da carreira pelo facto de ser mulher?
Não. Mas não escondo que há profissões em que em determinados enquadramentos não é fácil ser mulher. Por exemplo, em consultoria o facto de termos de viajar muito não ajuda quando temos uma família, filhos pequenos, mas não entendo que seja uma discriminação explicita. É um contexto que não propicia uma presença feminina.
Tem procurado ajudar as mulheres a progredir profissionalmente na SIBS?
Curiosamente, a SIBS, sendo uma empresa tecnológica e tendo uma população oriunda de engenharia, tem muitas mulheres, seja em cargos de direção, como em cargos técnicos. Mulheres que há 30 anos já tinham um perfil de engenharia. A SIBS é uma empresa muito inclusiva nesse sentido. Não vejo que exista nenhum tipo de diferenciação de género, pelo contrário. Em qualquer circunstância, o que é necessário é que exista igualdade de oportunidades.
Qual é o seu próximo passo?
Neste momento estou completamente focada na SIBS e em garantir que daqui a dois ou três anos a SIBS tem uma presença digital mais forte, continua a ser reconhecida como um dos principais operadores europeus em eficiência e em inovação e que, durante este período, apresentou um conjunto de soluções de valor acrescentado aos seus clientes, particulares ou empresas, e consolidou a sua expansão internacional.