Natural dos Países Baixos, Wendeline Van Der Feltz, atualmente executiva de inovação e desenvolvimento do Princess Margriet Fund da Cruz Vermelha, iniciou a sua vida profissional no banco ABN AMRO nos Países Baixos, emprego que deixou para ir para o Brasil, apenas com um agenda de contactos na bagagem. “Foi provavelmente um dos meus maiores saltos de fé”, avalia. De regresso à Europa, escolheu Portugal por causa do The Lisbon MBA|Católica Nova. Neste entrevista sobre as lições da expatriação, os objectivos que a levaram a fazer o MBA e o impacto decisivo que esta formação teve na sua carreira, afirma que “além de oportunidades profissionais, amizades queridas surgiram neste ano tão especial!”, o programa conjunto da Católica e da Nova deu-lhe “mais confiança para dar novos saltos de fé”.
Quais foram os principais passos do seu percurso profissional?
Tenho um bacharelato em Relações Internacionais e Organizações, com especialização em Resolução de Conflitos e Boa Governança (Universidade de Groningen, Países Baixos); um mestrado em Economia Política da Energia (Universidade de Amesterdão, Países Baixos); e um MBA no programa The Lisbon MBA Católica|Nova.
Creio que os principais passos que dei começaram na equipa de inovação corporativa de um grande banco comercial dos Países Baixos, o ABN AMRO, onde mergulhei em negócios com propósito. A unidade de Corporate Venturing foi incumbida de utilizar o conhecimento financeiro do ABN AMRO e combiná-lo com propostas de valor impactantes, com um resultado financeiro, mas também socioeconómico, positivo. Assim, desenvolvemos ferramentas de gestão de dívida para famílias endividadas, uma plataforma de crowdfunding para empreendedores sociais, melhorámos o acesso ao financiamento de mulheres em setores económicos vulneráveis, entre outros projetos. Essa experiência colocou no meu sangue o bichinho do desenvolvimento de negócios e inovação, e isso estender-se-ia ao longo das minhas experiências seguintes, seja no Brasil (Symnetics), em Portugal (Edulog) ou novamente na Holanda (FMO e Cruz Vermelha).
A possibilidade de criação, de testar os limites do meu conhecimento, e de recombinar as peças de um puzzle para criar algo novo, que responda a uma necessidade ou resolva um problema, foi o que me empolgou em cada desafio profissional que assumi. Em todos os cargos tenho-me esforçado para melhorar estruturalmente a realidade socioeconómica e/ou ambiental – esta é provavelmente a motivação central em que baseio as minhas escolhas profissionais, juntamente com a perspetiva de crescimento intelectual e profissional.
Foi consultora sénior de inovação da Symnetic, em São Paulo, no Brasil. O que o levou a aceitar este desafio?
A transição do ABN AMRO nos Países Baixos para o Brasil foi provavelmente um dos meus maiores saltos de fé, pois deixei o meu emprego no banco e parti para o Brasil à procura de um emprego. Na sua essência, procurava o meu crescimento profissional e, embora pudesse encontrar isso noutros cargos no banco, eram funções muito comerciais e limitavam o meu campo de ação. Além disso, o ABN AMRO estava a passar por um momento difícil, com a fusão com o banco Fortis, e o clima não estava propício para a inovação e o crescimento, mas sim para o controlo de custos. Eu estava ansiosa por ter uma experiência internacional e o Brasil sempre me fascinou.
Depois de ter ativado a minha rede de contactos e de partir para o Brasil, rapidamente recebi três ofertas de emprego (o Brasil vivia um bom momento económico em 2011), e aceitei a oferta da Symnetics, como consultora de estratégia e inovação, o que representava uma continuação tranquila do meu perfil de inovação. A Symnetics é uma consultora boutique de inovação, não muito grande, muito próxima dos clientes, com as mãos na massa e especializada em estratégia e inovação que nessa altura já tinha mais de 25 anos. O facto de São Paulo ser o coração económico do Brasil significava que havia muitos clientes interessantes para trabalhar, em media, saúde, investimento de impacto, governo… A Symnetics tem presença nacional, e eu sempre fui grata pela oportunidade de conhecer o país tão bem durante os quase quatro anos que trabalhei para eles.
Que principais lições trouxe desta expatriação?
Destaco algumas lições importantes. Primeiro, saber ouvir é talvez uma das competências mais importantes, e por vezes o que não é dito é mais importante do que o que é dito. A procura constante pelo fortalecimento da empatia, sendo humilde em reconhecer o que não sabe, mantém a mente aberta para aprender, com a situação e com os outros. Em segundo lugar, (quase) tudo é político – e não digo isto num sentido necessariamente negativo. Deve-se levar em conta como os outros se sentem acerca de determinados tópicos, entender a sua agenda e prioridades e juntar essa manta de retalhos num objetivo comum. Em terceiro lugar, encontrei exemplos impressionantes e surpreendentes de liderança feminina. Com um sorriso, elegância inata e determinação férrea, as líderes e executivas brasileiras abrem o caminho para todos, homens e mulheres. Eles não trabalham com murros na mesa, mas com determinação e sorrisos elegantes. Finalmente, que se pode planear apenas até um certo nível e cada plano (mesmo que pensado com todos os detalhes) é um plano que ainda não falhou. Não podemos saber tudo e é preciso permanecer flexível para nos adaptarmos às mudanças das circunstâncias.
Do Brasil regressou à Europa. Porque escolheu Portugal?
Primeiro foi o meu desejo de voltar para a Europa. Muito simplesmente, eu queria estar mais perto da minha família e amigos, pois estava muito longe quando, de repente, percebi que os meus pais envelheceram e que tive de perder o casamento de amigos queridos. Em segundo lugar, precisava de construir uma ponte, uma transição. Queria criar uma forte rede de contatos profissionais, que criasse oportunidades profissionais interessantes. Adicionalmente senti a necessidade de reforçar os meus conhecimentos empresariais e financeiros, e essas razões levaram-me a fazer um MBA.
E porque escolheu o The Lisbon MBA Católica|Nova?
O The Lisbon MBA Católica|Nova é um MBA de elevada cotação, que está perto de “casa” e tem a duração de um ano, em vez de dois. Na altura eu acreditava, e hoje tenho certeza, que era um ótimo custo-benefício. Além disso, os alunos do The Lisbon MBA Católica|Nova são relativamente mais velhos do que se fizesse um MBA, digamos, nos Estados Unidos. Na minha opinião, não há escolaridade que substitua a experiência da vida real e, considerando que se aprende muito com os colegas durante o ano de MBA, foi muito importante para mim que os meus colegas de MBA também tivessem uma experiência profissional significativa.
Para muitas mulheres, a falta de tempo é o maior obstáculo para conseguir um MBA. Como superou esse desafio?
A minha situação pessoal na época não era diferente da dos homens, pois não era casada, nem tinha filhos (como suponho que é por isso que afirma “para muitas mulheres”), portanto, não senti o desafio da falta de tempo.
Trabalho de MBA leva a recrutamento pela Sonae
Como entrou na Edulog?
Durante uma das apresentações do curso, tivemos um júri, composto por líderes do setor e especialistas, que nos avaliariam. Entre eles estava o Sr. Luís Reis, CFO da Sonae. Na altura, o saudoso Eng. Belmiro de Azevedo, fundador da Sonae, queria criar um think tank para a Educação, como legado para Portugal, que mais tarde se tornou na Edulog. Fui “caçada” pelo Sr. Reis, e convidada a realizar entrevistas com a equipa de recrutamento e, finalmente, com o próprio Sr. Belmiro de Azevedo, que partilhou a importância que a Educação teve para o seu sucesso, e que Portugal precisava de um think tank para reforçar as políticas públicas baseadas em dados e informação. A perspectiva de criar algo completamente novo, de poder desenvolver de raiz um portefólio de investigação e parcerias, e de concretizar o sonho do Sr. Belmiro de Azevedo convenceu-me a aceitar este desafio, pelo que me mudei para o Porto para uma nova vida.
Entre um think tank para a Educação (Edulog) e um banco de desenvolvimento (FMO) há uma grande diferença. O que o levou a aceitar este desafio?
Depois de alguns anos no Edulog, já tínhamos desenvolvido a estratégia, estabelecido novas parcerias de investigação e equipas de projeto. Tornou-se cruise-control e não tinha muita margem para inovação ou crescimento de portefólio. A situação estava programada para permanecer assim pelos próximos 3 a 5 anos, o que parecia muito tempo para mim, além de que faltaria o estímulo intelectual que eu achava tão emocionante na fase inicial do Edulog. Isso levou-me a uma nova procura de emprego. Portugal não é generoso (nos salários) para os que trabalham no setor do negócio de impacto social. Reconheço que isso me frustrou e, portanto, expandi a minha área de pesquisa, incluindo a Holanda.
A equipa de Capacity Development do banco de fomento holandês FMO tinha uma vaga para a equipa de Instituições Financeiras para os mercados da América Latina e Caribe, o que me pareceu bastante interessante. O FMO, enquanto banco holandês de desenvolvimento empresarial, tem como missão capacitar empreendedores em regiões do mundo onde a development finance tem mais impacto, em última análise contribuindo para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Eu estava muito curiosa para aprender mais sobre financiamento do desenvolvimento, para entender as tendências, dinâmicas e impacto pretendido. A combinação de uma abordagem de impacto mais do setor privado e o facto de que a equipa de capacity development também tinha um mandato para inovar as propostas de valor para os clientes levaram-me a escolher o FMO.
Trabalhar por uma boa causa na Cruz Vermelha
Mais recentemente, em janeiro de 2019, ingressou na Cruz Vermelha Holandesa, com responsabilidades pela Administração do Fundo Princesa Margriet. O que o atraiu para o terceiro setor?
Eu não estava necessariamente atraída pelo terceiro setor, mas mais pelo que o Fundo Princess Margriet da Cruz Vermelha Holandesa (PMF) pretendia alcançar: investir na prevenção de desastres, alavancando financiamento de impacto, inovação e parcerias.
Na sua essência, o PMF quer dar um forte impulso estrutural à ação humanitária na prevenção de desastres, aumentando o seu impacto. Isso inclui inovação na programação, através da implementação de programas integrados de restauração de ecossistemas, em que aproveitamos o poder protetor da natureza (ou seja, soluções baseadas na natureza), ou, por exemplo, restauração de mangais para proteção costeira. Também inclui a procura por mecanismos de financiamento inovadores, como créditos de carbono, obrigações de catástrofe e seguros paramétricos, para diversificar as nossas fontes de financiamento. Fiquei muito entusiasmada ao perceber o potencial de inovação e a visão estratégica que a Cruz Vermelha Holandesa, e o PMF em particular, tinham como ideais, por isso decidi aceitar este desafio.
Quais são as vantagens e desvantagens de trabalhar para uma entidade como a Cruz Vermelha?
Tendo trabalhado em dois bancos, uma consultora, um think tank, chego à conclusão de que, como entidades organizacionais, todos eles e a Cruz Vermelha têm mais semelhanças do que diferenças. No entanto, acredito que uma das principais vantagens de trabalhar para a Cruz Vermelha é a clareza do propósito; está 100% claro qual o seu “porquê” e “por que faz o que faz”: para prevenir e aliviar o sofrimento humano. Trabalha para os mais vulneráveis nas suas horas mais difíceis. A Cruz Vermelha Holandesa também oferece bastante flexibilidade e espaço para a inovação e iniciativas relevantes. A cultura organizacional é informal e a hierarquia é bastante “achatada”, mas isso também é uma característica da cultura holandesa.
Uma desvantagem é que a burocracia pode ser bastante onerosa; organizações como a Cruz Vermelha são mais escrutinadas acerca da forma como alocam os seus recursos do que muitas empresas. Não é incomum termos mais de uma auditoria para o mesmo projeto, simplesmente porque cada financiador tem a sua própria empresa de auditoria. Esta é uma carga bastante pesada para as equipas de projeto, do país e da sede; e uma oportunidade perdida de dedicar recursos a atividades mais relevantes. Uma desvantagem final pode ser o facto de que a cultura é bastante soft e não “ousamos” confrontar colegas com erros ou em assuntos em que estamos em desacordo. No final, creio que isso leva a mais ineficiência e oportunidades perdidas de aprendizagem.
Quais são os principais desafios e qual é sua a missão neste trabalho?
Como principais desafios poderia citar os eventos disruptivos durante a implementação do nosso programa. Trabalhar no setor humanitário significa, naturalmente, que de vez em quando terá um terremoto (Haiti), agitação política (Mali), tufões (Filipinas), entre outros eventos que vão interromper o seu programa, pois a equipa precisa de se adaptar à nova situação. Temos um “dever de cuidado”, o que significa que devemos cuidar das nossas equipes, evacuá-las a tempo, garantir a sua segurança. Este provou ser um grande desafio, mas que precisa de ser abordado com gestão de risco e não com a retirada dessas regiões mais difíceis do mundo. Outro desafio é que este setor tem uma elevada rotatividade de profissionais, o que leva à perda de conhecimento e descontinuidades.
Como o The Lisbon MBA Católica|Nova a ajudou a definir e implementar o seu propósito e atingir os seus objetivos profissionais?
Acredito que o The Lisbon MBA foi fundamental para a oportunidade de trabalho pós-MBA, tal como o foi na valiosa rede de profissionais que mantenho até hoje. Além de oportunidades profissionais, amizades queridas surgiram neste ano tão especial! O MBA certamente deu-me tempo para refletir mais amplamente sobre as minhas escolhas futuras e deu-me mais confiança para dar novos “saltos de fé”. Desmistificou temas complexos e estabeleceu as bases para construir uma carreira mais intencional.
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