Teresa Ferreira: O céu é o limite

Para Teresa Ferreira, diretora do setor do Espaço da GMV em Portugal, o setor do Espaço tem um impacto significativo na economia e na educação. "Por ser inspirador, é um fator de atração de novos talentos para o campo das ciências. Gera emprego altamente qualificado, é exportador e tem um dos maiores retornos de investimento para o país."

Teresa Ferreira é diretora do setor do Espaço em Portugal da GMV.

Quem nunca esteve deitado, à noite, sem luzes a olhar as estrelas, dificilmente terá sentido a vontade de imaginar o que provoca o espaço negro pontuado por um número infinito de luzes, que tremem, ou não. Para Teresa Ferreira, diretora do sector do Espaço em Portugal da GMV, grupo empresarial tecnológico que fornece serviços e produtos a diversos sectores da economia, incluindo a aeronáutica e o aeroespacial, o espaço foi sempre um desafio à imaginação. Mas também um fator de inspiração. Mais ainda porque “tem reflexo no dia a dia das pessoas, na mobilidade, na comunicação, na sustentabilidade do planeta ou no uso de novas soluções para gerir os territórios”.

Licenciada em Telecomunicações pelo Instituto Superior Técnico (IST), desempenhou funções de engenheira de software e de sistemas na Skysoft Portugal, até ingressar na multinacional GMV, como engenheira de GNSS (Global Navigation Satellite System). Hoje assume a responsabilidade no nosso país pela área mais importante do grupo. Um dos projetos no qual está a trabalhar é o HERA, da NASA e Agência Espacial Europeia, que tem como objetivo desviar um asteroide de embater no planeta Terra, mas está também envolvida em projetos como o Galileo. Em entrevista à Executiva, defende que Portugal deu passos muito importantes com a criação de uma lei e a elaboração de uma estratégia nacional para o Espaço.

O sector do Espaço e a utilização de tecnologias, sistemas e dados espaciais em Portugal evoluíram substancialmente desde que o nosso país se tornou membro da Agência Espacial Europeia, no final de 2000. O que é necessário fazer para ir ainda mais longe?

O setor do Espaço tem um impacto significativo na economia e na educação. Por ser inspirador, é um fator de atração de novos talentos para o campo das ciências. Gera emprego altamente qualificado, é exportador e tem um dos maiores retornos de investimento para o país. Os investimentos feitos em Espaço têm um efeito elevado de arrastamento tecnológico para outros setores. Só para dar um exemplo nacional, a GMV está agora a certificar tecnologia de aviónica desenvolvida na área do Espaço para o setor aeronáutico.

As aplicações e os produtos provenientes da atividade espacial geram hoje a maior fatia do negócio relacionado com o Espaço. A economia atual está absolutamente dependente de sistemas de navegação por satélite, como o GPS norte-americano ou o Galileo europeu, que controla sistemas energéticos, dita as sincronizações das bolsas financeiras e guia-nos no mar, na terra ou no ar. Usamos satélites para observarmos a Terra para fins científicos, mas também para monitorizar as alterações climáticas, dar apoio à agricultura e gestão de água e florestas, cartografar o território e prestar serviços de segurança marítima, só para dar alguns exemplos.

As nações espaciais fomentam a implementação de um mercado local que possibilita a criação, o crescimento e uma maior competitividade das empresas.

A participação de Portugal na Agência Espacial Europeia (ESA) permitiu criar, no nosso país, um ecossistema focado no desenvolvimento tecnológico, aumentar a maturidade tecnológica da oferta nacional, progredir na cadeia de valor e reter alguns dos melhores talentos nacionais. Os próximos passos estão ligados à consolidação da nossa oferta e ao aumento da sua competitividade no mercado.

As nações espaciais fomentam a implementação de um mercado local que possibilita a criação, o crescimento e uma maior competitividade das empresas. Neste campo, Portugal deu passos muito importantes com a criação de uma lei do Espaço, a elaboração de uma estratégia nacional para o Espaço e a instituição de uma agência para implementá-la. As ambições nacionais são grandes e estamos entusiasmados e empenhados neste trabalho coletivo para o seu futuro sucesso.

Como é que se interessou por esta área?

Na realidade é um interesse adquirido! Formei-me em telecomunicações e aterrei nesta área por acaso. Comecei por trabalhar no processamento de sinais de GNSS — sistemas globais de navegação por satélite — e, a partir daí, a envolvi-me nos desafios do Espaço. Embarquei no foguetão GMV e cá estou a navegar na exploração das suas múltiplas aplicações e serviços.

Um dos projetos mais entusiasmantes que temos a decorrer neste momento é na área de defesa planetária. A HERA é uma sonda da Agência Espacial Europeia, que irá analisar um asteroide cuja órbita será desviada pelo impacto da sonda DART da NASA. Cabe à sonda da Agência Espacial Europeia registar e analisar a cratera criada pelo impacto, o desvio da trajetória do asteroide e o nível de sucesso da missão conjunta. A GMV está a liderar uma componente decisiva para a missão: o sistema de controlo que executará as diferentes manobras nas imediações dos asteroides e o nível de autonomia (partilha de decisões entre a Terra e a Bordo da sonda).

Qual a parte mais aliciante do seu trabalho?

O Espaço é um fator de inspiração e foi sempre um desafio para a nossa imaginação. Deparamo-nos diariamente com desafios novos e, aqui, somos levados a empurrar os limites do que conhecemos. É verdadeiramente aliciante saber que o nosso trabalho tem um reflexo direto no dia-a-dia das pessoas, na mobilidade, na comunicação, na sustentabilidade do planeta ou no uso de novas soluções para gerir o território. Mas, para mim, o mais importante é fazer parte de uma equipa extraordinária, dinâmica e motivada.

De que forma é que a sua formação escolar, académica e ao longo da vida a tem ajudado a construir o seu percurso?

É, foi, e continuará a ser fundamental, porque a área do Espaço explora um campo multidisciplinar e altamente tecnológico. A formação académica é, sem dúvida, uma base importante e é sobre ela que assentam todas as aprendizagens e experiências que tive a sorte de ter no meu percurso profissional, junto dos meus colegas, clientes e parceiros.

A área de Espaço enfrenta uma revolução tecnológica e de negócio contínua, que implica enquadrar equipas altamente especializadas em processos de aprendizagem contínua, para responder às necessidades e prioridades dos clientes.

Em que consistem as suas funções, enquanto diretora de Espaço da GMV?

As minhas funções têm duas componentes principais. Uma delas é a definição da estratégia da empresa face aos desafios de um mercado cada vez mais exigente e o desenvolvimento do negócio em ligação com associações, universidades, centros de I&D ou entidades institucionais, onde se destaca a agência espacial portuguesa — a PTSPACE. A outra componente é o seguimento e apoio às operações.

Hoje a GMV trabalha, em Portugal, em áreas relacionadas com o segmento terrestre e processamento de dados, segmento espacial, deteção remota, navegação por satélite e fornecimento de serviços e aplicações. Durante o confinamento, por exemplo, fornecemos serviços de identificação de depósitos ilegais de lixo em áreas urbanas em várias cidades europeias.

Quais as competências mais importantes para exercer este cargo?

Visão integral do negócio, liderança das equipas e gestão de processos de mudança, assim como aprendizagem, comunicação e estabelecimento de relações de confiança. É preciso ter disponibilidade para uma resposta pronta às necessidades de um mercado em rápida evolução e para um estreito relacionamento com os seus vários atores. A área de Espaço enfrenta uma revolução tecnológica e de negócio contínua, que implica enquadrar equipas altamente especializadas em processos de aprendizagem contínua, para responder às necessidades e prioridades dos clientes.

 Qual é, para si, o papel da líder em relação à gestão e desenvolvimento do negócio e à gestão e envolvimento das pessoas da sua equipa nos projetos?

Do meu ponto de vista, uma parte central deste papel é a partilha de informação quanto à estratégia e o posicionamento da GMV e, sobretudo, o de saber ouvir, ouvir, ouvir. Nem sempre estaremos de acordo, mas o contraditório e a transparência são muito importantes.

A razão do sucesso da GMV são as pessoas. Em Portugal, empregamos mais de 100, sobretudo técnicos especializados, muitos deles saídos das universidades portuguesas. São o corpo da nossa organização, cuja atividade principal está centrada na elaboração e execução de projetos de pequena e média dimensão. Devido à complexidade daqueles em que estamos envolvidos, porque trabalhamos com tecnologia de ponta, no limiar do desconhecido, chefe de projeto tem, aqui, um papel nuclear e dispõe de grande autonomia na sua ação.

Neste contexto, a liderança na GMV é feita pelo exemplo e consiste na definição de processos e partilha de experiências, para garantir que cada interveniente tem condições para se afirmar, exceder e alcançar os resultados pretendidos.

A GMV integra as equipas que dão resposta às ativações de estados membros em casos de emergência, tais como incêndios, cheias ou desastres naturais. Usamos informação de satélites para mapear áreas ardidas para as entidades de proteção civil, ajudamos Organizações Não Governamentais (ONG) a confirmarem que o dinheiro coletado foi usado na construção de uma determinada escola ou entidades de ajuda humanitária a coordenarem as suas operações em cenário de catástrofes, tais como operações de busca e salvamento ou identificação dos acessos às áreas mais afetadas em caso de sismo.

Os seus maiores interesses incidem sobre o desenvolvimento de negócio e definição de estratégia na área do Espaço, assim como o acompanhamento e interação com os vários interlocutores a nível nacional. Quais os principais reptos da sua função?

Na vertente de desenvolvimento de negócio interessa-me integrar a estratégia nacional para o Espaço e o posicionamento de Portugal na Europa e no mundo. Depois, articular, dentro do grupo GMV, a resposta às ambições nacionais em coordenação com a nossa estratégia empresarial, reforçando e orientando o trabalho das equipas locais, sempre com olhos no Espaço enquanto mercado global. De facto, grande parte do nosso negócio incide no mercado comercial, a partir de uma forte estratégia de exportação.

Quais são os principais projetos que o sector que lidera em Portugal está a desenvolver no nosso país e no estrangeiro?

A GMV é reconhecida como uma das maiores empresas a nível europeu, a sétima empregadora na área do Espaço na Europa. Em Portugal, contribuímos para diversos projetos que envolvem serviços e soluções baseados em navegação por satélite e deteção remota, através da participação em grandes programas europeus como Galileo e Copernicus. Para dar um exemplo nacional, a GMV integra as equipas que dão resposta às ativações de estados membros em casos de emergência, tais como incêndios, cheias ou desastres naturais. Usamos informação de satélites para mapear áreas ardidas para as entidades de proteção civil, ajudamos Organizações Não Governamentais (ONG) a confirmarem que o dinheiro coletado foi usado na construção de uma determinada escola ou entidades de ajuda humanitária a coordenarem as suas operações em cenário de catástrofes, tais como operações de busca e salvamento ou identificação dos acessos às áreas mais afetadas em caso de sismo.

Uma das áreas de trabalho da GMV é o fornecimento de aplicações e produtos com base em tecnologia espacial ao setor de segurança. Também para o acompanhamento da atividade agroflorestal ou em sistemas de transportes inteligentes, como o serviço ecall para avisar as autoridades em caso de emergência. A GMV participa na implementação operacional deste último, em colaboração com operadores e autoridades nacionais de transporte.

Outra área de atuação da GMV é o apoio à decisão e verificação de cumprimento de diretivas europeias. Usamos informação de satélite, sensores in situ e modelos numéricos para, entre outros, extrair informação relacionada com o uso e ocupação do solo e do oceano, verificação de limpeza de florestas, identificação de plásticos nos oceanos e atividades ilegais de embarcações relacionadas com a pesca ou as migrações.

É essencial trabalharmos na educação e comunicação, sobretudo nas camadas mais jovens. O país precisa de profissionais nestas áreas e a oferta não chega.

Qual foi o momento mais desafiante da sua carreira?

No ano em que entrei para a GMV, comecei a trabalhar num projeto de desenvolvimento de um simulador de sinais de GPS e Galileo. Participei na fase final, na parte de testes e evoluções dos novos sinais de Galileo que estavam a ser definidos. Volvidos alguns meses pediram-me para apresentar o projeto e os resultados numa workshop na Agência Espacial Europeia, onde estavam muitos dos autores dos artigos que tinha estudado. Foi um momento muito desafiante, na altura, e foi muito marcante pelo que significou para mim. Fiquei impressionada com o ambiente de cooperação, debate e abertura das pessoas. Desde então, o meu trabalho tem sido pautado por desafios contínuos de complexidade crescente – que são o nosso dia a dia na GMV. A “paixão por desafios” faz parte do nosso ADN e é absolutamente necessária para integrar as nossas equipas!

Ainda poucas mulheres nesta área? Como se pode atrair e reter mais talento feminino para as tecnologias?

Sim, infelizmente ainda é um setor maioritariamente masculino. A maior parte dos perfis que procuramos estão relacionados com engenharias como eletrotecnia, telecomunicações, aeroespacial, informática e ciência de dados. Embora haja cada vez mais mulheres a estudar nestas áreas, a maioria ainda são homens. Ainda há um longo percurso a fazer para as atrair. É essencial trabalharmos na educação e comunicação, sobretudo nas camadas mais jovens. O país precisa de profissionais nestas áreas e a oferta não chega.

Que conselhos daria a uma jovem que quer fazer carreira neste sector?

Estudar, questionar e aventurar-se. Não existem setores inacessíveis e as oportunidades são muitas, mesmo vindo de países com menor expressão na área. Tendo interesse em matemática e física, aconselharia uma formação na área de engenharia, que oferece uma das maiores taxas de empregabilidade e grande ramificação de especialidades. Relembro ainda que o Espaço é um sector multidisciplinar e que abrange áreas da tecnologia, mas também de ciências básicas e da saúde.

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