Sónia Matias,
cavaleira tauromáquica

Foi a primeira mulher a profissionalizar-se como cavaleira tauromáquica em Portugal. Quase a celebrar os 15 anos de Alternativa, Sónia Matias admite que já se sentiu discriminada pelos colegas, mas sempre bem aceite pelo público, numa profissão que exige muito trabalho. A sua dedicação acaba de ser recompensada com mais um prémio de carreira.

Sónia é licenciada em Gestão do Ambiente mas preferia ter feito Veterinária.

Já lá vai o tempo em que esta “menina de Lisboa” sentiu na pele o machismo e a discriminação de uma classe profissional povoada por homens. Hoje sente-se acarinhada por todos e, mais importante ainda, respeitada profissionalmente.

Sónia Matias é a primeira portuguesa a profissionalizar-se como cavaleira tauromáquica. O seu trajeto profissional foi recentemente reconhecido na Gala Femina 2015, organizada pela Matriz Portuguesa, divulgadora da “cultura matriz no estrangeiro e na Lusofonia”, com um prémio considerado dos mais importantes que a cavaleira já recebeu.

Além disso, Sónia Matias tem mais razões para estar contente: este ano também festeja os quinze anos de Alternativa. É a primeira mulher a tirar a alternativa de cavaleira, das poucas que toureia em Portugal, e faz parte de um grupo de quatro a fazê-lo de forma profissional.

Fiz um percurso distinto da maioria dos toureiros. Sou uma menina de Lisboa que aos 12 anos decidiu que queria ser toureira.

Ativa e inquieta, Sónia lançou entretanto novos desafios – na área do artesanato, com peças de bijuteria e vestuário. Trabalhos muito inspirados no mundo da festa brava onde entrou, por escolha própria, aos 12 anos, e que a fez mudar para o campo logo que completou a licenciatura em Gestão do Ambiente.

Como chegou a esta profissão?
Fiz um percurso distinto da maioria dos toureiros. Por norma, eles vêm de famílias tradicionalmente relacionadas com a festa brava. Eu sou uma menina de Lisboa que com apenas 12 anos decidiu que queria ser toureira. Os meus pais eram aficionados regulares, nada fanáticos, mas isso não impediu que me incutissem este gosto pelos cavalos, pelos toiros, por tudo o que pertencia a este mundo.

Vivia em Lisboa?
Sim, só me mudei para Alcochete depois de finalizar a licenciatura em Gestão de Ambiente. Era difícil ir diariamente a Samora Correia onde tenho os cavalos, por isso há uns anos mudei para Alcochete e estou mais próxima da quinta onde os tenho. Como vivia num apartamento em Lisboa não tinha as infraestruturas  necessárias aos treinos diários. Mas tive a sorte de ter uma família fantástica e com alguma capacidade económica. Sem isso seria impossível adquirir tudo o que é necessário para começar. Hoje tenho os meus próprios cavalos mas inicialmente comecei com um, depois dois, e consoante o número de espetáculos os cavalos também foram aumentando. Hoje tenho 12 – nem todos no ativo, pois temos sempre alguns cavalos que já estão mais do que veteranos e alguns em preparação.

Começou a tourear aos 12 anos?
Sim, e já montava a cavalo desde os seis anos. Mas aos 12 decidi que queria enveredar por esta profissão e comecei a participar em espetáculos de corridas onde normalmente só entravam amadores.

Para ser cavaleira é preciso ser destemida e gostar de lidar com este meio, que implica muito trabalho.

O que é preciso para se ser cavaleira tauromáquica?
Como cavaleira tauromáquica toureio a cavalo por isso é impensável começar sem ter as bases mínimas de equitação. Felizmente eu já sabia montar a cavalo. Mas diria que ser destemida, gostar de lidar com todo esse meio envolvente, e saber montar a cavalo, são as características mais importantes.

Como é esse meio?
É um meio de muito trabalho. Lidar com cavalos exige muito de nós para conseguirmos uma boa adaptação aos animais. E como não tinha ninguém na família no mundo da festa brava, a minha integração foi um pouco mais complicada. Este meio sempre esteva muito centrado nas famílias tradicionais que tinham criação de toiros.

Ainda hoje é assim?
As mentalidades começam a mudar. Quando comecei, o facto de eu ser mulher também me dificultou a entrada neste ambiente.

Era a única?
Havia seis senhoras a tourear em Portugal mas eu fui a primeira a profissionalizar-me. Elas participavam como amadoras e sairam antes de se profissionalizarem. A primeira começou a tourear há mais de 50 anos. Hoje há cerca de 10 senhoras a tourear em Portugal, quatro são profissionais.

O público sempre gostou muito da ideia de ver uma mulher a tourear. Eu era sempre muito bem recebida.

Sentiu-se discriminada?
Senti o machismo. Acredito que grande parte dos colegas tiveram essa reação para me proteger – diziam que eu era “a menina”. Pelo facto de eu ser mulher não me viam com bons olhos nesta profissão formada quase só por homens. Mas também eram protetores. Hoje dou-me bem com todos os colegas, mas já houve quem não me quisesse nas corridas e dizia isso ao empresário. Chegavam a pedir que me trocassem por outro colega.

E o público?
O público, pelo contrário, sempre gostou muito da ideia de ver uma mulher a tourear. Eu era sempre muito bem recebida o que contribuiu para que aparecessem outras senhoras.

 

TEMPO PARA A FAMÍLIA

“Com casamento e filhos seria mais complicado mas, por enquanto, ainda não me deparo com essa questão. Gostava de ter filhos mas sei que tenho de planear muito bem a minha vida profissional para que ela prejudique o mínimo possível a pessoal. Não poderei montar a cavalo enquanto estiver grávida. E em agosto praticamente não vou a casa. Mas tenho o privilégio de correr Portugal de norte a sul.”

 

Nunca teve outra profissão?
Não, embora seja formada em Gestão do Ambiente nunca enveredei por essa área. Esta não era a licenciatura que eu queria inicialmente. Preferia ter estudado Veterinária, mas era muito mais complicado. Eu treinava todos os dias e Medicina Veterinária é um curso muito mais intenso. Por isso optei por um que me facilitasse a vida. Em Gestão do Ambiente eu podia estudar à noite e treinar todo o dia e, assim, conseguir conciliar tudo.

Há senhores a tourear com 60 anos. Quanto às senhoras não se sabe até que idade conseguem ir.

Nunca quis exercer na sua área de formação?
Não porque faço muitas corridas todos os anos a nível nacional. Uma média de 40, não só em Portugal como nos Estados Unidos, na América Latina, em Espanha e França. Felizmente tenho o tempo muito preenchido e não tenho necessidade de utilizar a licenciatura.

Mas tem outros projetos além da tauromaquia?
Dou aulas de equitação e, em conjunto com uma amiga, estou a iniciar-me numa área muito diferente, que adoro: a venda de peças de artesanato. Temos desde frapés personalizados a peças de bijuteria, e estamos a reintroduzir no mercado peças de marfinito. Dentro de pouco tempo vou lançar também umas botas que se adaptam a todos os estilos de vida.

Já é uma preparação de mudança de carreira? Até que idade uma cavaleira tauromáquica pode exercer essa profissão?
Não consigo definir um limite de tempo. Sou a primeira profissional nesta área, por isso vamos ver até onde conseguirei ir. Nenhuma chegou até onde eu já cheguei, mas ainda não sei até onde chegarei. Há senhores a tourear com 60 anos. Quanto às senhoras ainda não se sabe até que idade conseguem ir.

É necessária muita preparação física, muitas horas a cavalo. Muitas corridas são feitas em tardes muito quentes.

A condição física é fundamental?
Sim. É necessária muita preparação física, muitas horas a cavalo, até porque muitas corridas são feitas em tardes muito quentes. No Alentejo chegamos a tourear com 40 graus.

Ganha-se bem?
Não, temos de ser como a formiguinha. Temos de juntar no verão para nos mantermos no inverno.

O que é compensador para si nesta profissão?
Sentir-me feliz com o que faço e sentir a adrenalina do público. Gosto muito do cavalo, do toiro que é um animal imponente, dos trajes.

Mas o touro sofre…
Não digo que é indolor, mas a dor que tentam transmitir é excessiva.

Profissionalmente qual é o seu sonho?
Já toureei em vários países mas o meu maior sonho é tourear na Monumental do México, que leva quase tantas pessoas como o Estádio do Benfica (65 mil). Desde pequena que esta praça de touros me fascina. Não sei explicar porquê.

Sinto-me muito honrada com o Prémio Femina neste ano em que comemoro 15 anos da minha Alternativa.

Aos poucos tenho conseguido subir patamares nesta profissão. Com muito trabalho. Sei que tenho de trabalhar muito mais para conseguir determinados objetivos. Na minha atividade temos de usar muito a força e eu preciso de treinar muito mais do que os homens para ultrapassar algumas barreiras. Os homens têm mais força física mas as mulheres têm mais força interior e isso é muito mais importante.

O Prémio Femina 2015, que recebeu pelo seu contributo na divulgação da cultura de Matriz Portuguesa no estrangeiro e na Lusofonia, é um importante reconhecimento profissional?
Sinto-me muito honrada. Este ano também estou a comemorar os 15 anos da minha Alternativa, quando me tornei profissional. Estou muito feliz.

 

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