Foram quatro anos como diretora-geral da Cisco, após oito de Microsoft. Antes disso, esteve no jornal Público, na Optimus, L’Oréal, Procter & Gamble e Universidade Católica. Sofia Tenreiro é uma gestora todo-o-terreno, habituada a diferentes setores de atividade. Agora, na Galp, a administradora executiva e CCO (Chief Commercial Officer) quer acelerar a transição energética, a transformação digital e a reinvenção do negócio, através de equipas de alta performance focadas no cliente.
Em que medida é que as experiências profissionais anteriores foram importantes para esta fase na Galp?
Todas as experiências são importantes para a nossa vida, não só as experiências profissionais, como também as pessoais. É com elas, e com os desafios que trazem, enriquecedores ou desconfortáveis, que aprendemos, evoluímos e alargamos os nossos limites e as nossas capacidades. Acredito que na vida não há limites – a não ser o céu, como diz o ditado. A vontade humana comanda tudo e, se realmente quisermos alguma coisa, conseguimos. Com trabalho árduo, claro.
Além disso, as experiências mais marcantes, que mais nos fazem crescer, são os momentos de mudança. A adrenalina da mudança, para mim, é algo quase aditivo. Entrar numa nova empresa, conhecer uma nova equipa, um novo negócio, obriga-nos a refletir, a aprender, a respeitar o passado e a confrontar muitos dos nossos mitos e das nossas aprendizagens passadas com uma realidade completamente diferente. Tenho tido a sorte de ter essas oportunidades em indústrias diferentes, o que para mim ainda torna estas experiências mais aliciantes, onde tudo é aprendizagem, desde as especificidades da própria indústria ao negócio. Ter a oportunidade de construir algo de novo, com um olhar diferenciador, é das coisas que mais me entusiasmam e motivam.
Hoje, as fronteiras entre as diversas indústrias vão-se diluindo cada vez mais, sobretudo entre setores tradicionais e tecnológicos, pelo que é mais importante do que nunca ter experiência em indústrias diferentes, porque podemos trazer e adaptar as experiências de uns setores para os outros. Até porque hoje, mais do que produtos ou serviços, o que procuramos são experiências que nos marquem positivamente e que queiramos repetir, seja enquanto consumidores ou profissionais: provavelmente tomamos decisões profissionais que são influenciadas por experiências que tivemos na nossa vida pessoal, pelas marcas que gostamos ou não gostamos, por uma experiência boa que tivemos com uma empresa ou com uma marca.
O meu maior medo é o de sentir que estou estagnada, que já não acordo de manhã com aquele pico de adrenalina que me faz saltar da cama cheia de energia para abraçar os desafios.
Teve medo?
Percebo que a mudança possa ser uma experiência algo assustadora para muitas pessoas, mas acredito que a satisfação, o desenvolvimento e a aprendizagem são tão grandes que compensam qualquer receio. Por isso, não, não tive medo. O meu maior medo é precisamente o contrário. É o de sentir que estou estagnada, que já não acordo de manhã com aquele pico de adrenalina que me faz saltar da cama cheia de energia para abraçar os desafios. O que mais me motiva, e de onde retiro energia é, antes de mais nada, das pessoas com quem trabalho. Depois, é da sensação de ter muitos desafios diversificados e exigentes. Por isso, o meu maior medo é entrar numa rotina e numa previsibilidade em que, de manhã, já sei como irá acabar o meu dia. Sinto-me muito grata por, até hoje, nunca ter vivido uma situação assim.
O que é que mais a marcou nos primeiros dias após a mudança?
Os primeiros dias de trabalho na Galp foram completamente atípicos. Aquela ideia romântica de que entramos numa empresa e as primeiras semanas são para falar com as equipas e começar a perceber os dossiês não aconteceu. Entrei numa sexta-feira, após uma Assembleia-Geral, na véspera do início de uma greve dos camionistas, e assim passei a minha primeira semana em comité de crise. Foi uma aprendizagem aceleradíssima. Foi como se, nessa semana, tivesse tomado um boost de vitaminas porque tive de lidar com uma série de situações limite que não acontecem no dia a dia. Na zona de desconforto que foi essa primeira semana, consegui acelerar a curva de aprendizagem de forma absolutamente exponencial.
É fundamental investirmos tempo numa boa preparação. Tive a sorte de, antes de entrar na Galp, ter tido a disponibilidade de vários executivos de topo – incluindo o CEO – que partilharam comigo muitos pormenores sobre a indústria, o negócio, a empresa, as equipas, os desafios e as oportunidades. Esse interregno entre a Cisco e a Galp, de cerca de um mês, foi dedicado a estudar.
À velocidade a que o mundo de hoje se transforma, não há tempo para períodos de adaptação, em que se possam passar as primeiras semanas a estudar. Somos impelidos a causar impacto e a contribuir para a criação de valor desde o primeiro dia. Por isso, prefiro estudar tudo aquilo que posso antes desse dia.
Não teve direito a um período de onboarding…
À velocidade a que o mundo de hoje se transforma, não há tempo para períodos de adaptação, em que se possam passar as primeiras semanas a estudar. Somos impelidos a causar impacto e a contribuir para a criação de valor desde o primeiro dia. Por isso, prefiro estudar tudo aquilo que posso antes desse dia para ir formulando as perguntas certas a fazer em relação aos grandes temas estratégicos e para definir as prioridades de modo a que consiga ajudar as equipas no seu trabalho. No caso da Galp, também aproveitei esse tempo para procurar conhecer a realidade e experiência dos clientes, que é algo que me apaixona. Por isso, aproveitei esse tempo para visitar áreas de serviço, fazer a caminhada de um cliente, contratar serviços de gás e eletricidade. No fundo, como ninguém me conhecia, estive um mês a fazer de cliente-mistério.
Este investimento permite-nos construir uma base de conhecimento fundamental para agilizar o momento de entrada numa nova empresa. E, sendo o meu mote acelerar, se acelerarmos também este conhecimento antes da entrada, estamos a contribuir para acelerar o nosso impacto.Isto é muito importante porque, no tempo em que vivemos, independente da nossa velocidade, estamos sempre atrasados e somos sempre lentos em relação à expectativa dos clientes, e até do potencial a que poderíamos estar a responder. Por isso, o meu mote foi acelerar – tentar acelerar, quer a entrada na nossa oferta de soluções mais sustentáveis para os nossos clientes, quer a transformação de negócio, quer a transformação digital dentro da área comercial.
O ano em que entrei foi atípico, marcado desde logo pela greve dos camionistas, que foi um tema que prosseguiu ao longo de vários meses. Depois, preparámos uma reorganização quase integral da unidade comercial, com uma nova abordagem ao mercado. Pela primeira vez, na história da Galp, criámos uma equipa comercial centrada no Cliente, e não nos produtos que oferecíamos.
Quais foram os principais desafios que enfrentou?
A Galp é uma empresa em que os desafios são permanentes e as oportunidades imensas. O ano em que entrei foi atípico, marcado desde logo pela greve dos camionistas, que foi um tema que prosseguiu ao longo de vários meses. Depois, preparámos uma reorganização quase integral da unidade comercial, com uma nova abordagem ao mercado. Pela primeira vez, na história da Galp, criámos uma equipa comercial centrada no Cliente, e não nos produtos que oferecíamos. Isso implicou juntar todas as equipas comerciais num movimento que abrangeu quase mil pessoas dos escritórios centrais dos vários países. No fundo, repensámos toda a organização, todas as funções, equipas, talento, processos e todas as ferramentas digitais de apoio e de acompanhamento comercial. Esse processo teve início no final de 2019… alguns meses apenas antes do início da pandemia Covid-19.
Tudo isto ocorreu ao mesmo tempo que ia conhecendo a capacidade das equipas e, em conjunto, íamos transformando o negócio em todas as suas vertentes. Estamos a transformar o negócio em direção a um modelo cada vez mais sustentável, com uma proporção muito maior de energias renováveis e uma grande aposta na mobilidade elétrica – procurando garantir a continuidade e o crescimento do negócio ao mesmo tempo que aceleramos a transição energética. Em paralelo, estamos a dotar os nossos clientes de ferramentas cada vez mais digitais que lhes permitem uma experiência mais positiva e mais de encontro às suas necessidades e expectativas. Um exemplo: em plena pandemia, conseguimos levar os produtos das nossas lojas a casa das pessoas através de parcerias com a UberEats e a Glovo – e com alguns produtos-estrela, como as pipocas para longas noites de cinema, ou os gelados, onde ampliamos muito o sortido disponível.
Mas o negócio da Galp caiu muito com a pandemia.
Sim, por definição, em período de confinamento a primeira vítima é a mobilidade que, infelizmente, continua limitada. O impacto no negócio foi fortíssimo. Mas as equipas demonstraram uma enorme resiliência e compromisso, não só para garantir a segurança dos nossos clientes e dos nossos operadores, como para repensarem o negócio e encontrar novas fontes de receita. É um grande orgulho olhar para trás e ver tudo o que as equipas conseguiram fazer e como conseguiram reinventar-se.
A área comercial, pela qual sou responsável abarca todo o negócio comercial da Galp, seja ele B2B ou B2C.
O que é que esta transição implicou nas suas funções?
Mudou radicalmente, não só em termos de conteúdo, como também na ordem de grandeza das operações. A área comercial, pela qual sou responsável abarca todo o negócio comercial da Galp, seja ele B2B ou B2C. Estamos a falar de todos os produtos que a Galp vende, tanto a consumidores finais como a clientes empresariais. Alguns exemplos: estamos a falar de betumes, óleos base, parafinas, lubrificantes, gás natural, GPL, mobilidade elétrica, eletricidade, diesel/gasóleo, combustível para aviação, o abastecimento de fuel à Marinha. É um mundo!
E quando falo em mundo, não estou a ser apenas figurativa, pois tenho sob minha responsabilidade operações em sete países: Portugal, Espanha, Guiné, Angola, Moçambique, Cabo Verde e Eswatini. E além dos países em que temos operações físicas, no terreno, ainda exportamos produto para o mundo inteiro.
Em termos de equipa direta, tenho uma equipa comercial responsável pelo relacionamento com os clientes, equipas de marketing, equipas de marketing de canal e equipas de canal – porque tenho sob a minha responsabilidade a operação dos postos de abastecimento, as lojas do cidadão, o call center/service center, e o backoffice. Tudo o que tem que ver com construção e manutenção dos postos de abastecimento, por exemplo, o gás canalizado, ou os postos de abastecimento nas instalações de clientes empresariais, tudo isso está igualmente sob a minha tutela.
Além da área comercial, tenho uma componente de marketing de canal, marketing digital, CRM, business intelligence, offer (gestão de produto e de oferta) e, também, a transformação digital e a otimização de processos de transformação do negócio. Temos ainda uma área financeira e uma área de customer service, quer com o backoffice quer com o frontoffice e os contact centres.
Estamos a falar de uma equipa que, no total, compreende mais de 4 mil pessoas.
Acredito muito que, num mundo cada vez mais digital, o fator humano nunca foi tão importante.
Há uma forte aposta na transição digital?
Eu acredito muito num mundo cada vez mais digital e por isso temos dedicado muita energia à transição digital dentro da Galp. Mas acredito muito que, num mundo cada vez mais digital, o fator humano nunca foi tão importante. Como todas as empresas, a oportunidade de melhorar e acelerar é enorme. Acredito que é fundamental ter uma liderança de proximidade, sobretudo em momentos de grande disrupção, como o que atravessamos, porque sendo momentos de grande aprendizagem e oportunidade, são igualmente momentos de instabilidade e de grande complexidade para muitas pessoas.
Na Galp somos nós quem define a estratégia. No fundo, estamos a definir o futuro de uma grande empresa, com responsabilidade e impacto na transformação do próprio país.
Em que difere a gestão de uma filial de uma multinacional e de uma empresa portuguesa?
A Cisco permite uma grande autonomia local, mas nas multinacionais há sempre guidelines estratégicos definidos pela casa-mãe. Na Galp somos nós quem define a estratégia. No fundo, estamos a definir o futuro de uma grande empresa, com responsabilidade e impacto na transformação do próprio país. Quando falamos na transição energética e nas metas de descarbonização nacionais, são empresas como a Galp, com grande capacidade de investimento, de gestão de projetos e de transformação, que tornarão possível fazer essa metamorfose à escala exigida para conseguirmos cumprir as metas a que estamos obrigados – não só pelos tratados como o de Paris, mas pelo nosso compromisso face às próximas gerações. É uma grande responsabilidade.
Quando falamos na necessidade de adotarmos a mobilidade elétrica em grande escala, por exemplo, a ideia imediata que temos é de que as principais vítimas serão as empresas petrolíferas. No entanto, é a Galp quem opera a maior rede de carregadores elétricos do país. Quando falamos em renováveis e em energia solar, pouca gente sabe que a Galp é atualmente o maior produtor de energia fotovoltaica da península Ibérica.
Especialmente em tempos como o de confinamento, não pode haver maior responsabilidade do que garantir que as pessoas têm o apoio de que necessitam, e que estão a ser bem cuidadas.
Como está a gerir a pandemia?
As empresas são feitas de pessoas e, especialmente em tempos como o de confinamento, não pode haver maior responsabilidade do que garantir que as pessoas têm o apoio de que necessitam, e que estão a ser bem cuidadas. Temos de dar mais atenção às dificuldades que as pessoas sentem, quer sejam dificuldades relacionadas com sua estabilidade emocional, pelo isolamento, quer sejam relacionadas com a dificuldade de gerir as famílias e simultaneamente conseguirem cumprir com as suas responsabilidades em termos de trabalho.
Em confinamento não temos aquele intervalo para café em que estamos ao lado das pessoas. Somos mais transacionais, fazemos uma call, porque temos um objectivo. Portanto devemos estar muito mais atentos. Um dos grandes desafios é o de manter o humanismo e a proximidade neste mundo remoto, ter pequeninos momentos fora do transacional. Nisso temos também um lado positivo de episódios insólitos que acontecem, como filhos pequenos que já nos conhecem, porque aparecem inusitadamente nas calls. No início as pessoas ficavam atrapalhadas, tinham vergonha e pediam desculpa. Hoje já perceberam que faz parte da vida e que é impossível dissociar a vida pessoal da profissional.
É fundamental conseguir passar este gosto de transformação, de aceleração para as equipas porque esta é uma necessidade não só do negócio, mas também da nossa vida pessoal e da nossa carreira. Daqui a cinco anos nenhum de nós vai trabalhar da mesma forma que trabalha hoje.
Quais foram as principais aprendizagens que que fez com esta transição?
A consciência de que precisamos muito de criar o gosto nas pessoas por serem mais dinâmicas, por se reinventarem constantemente. Acredito que, com os avanços da medicina, chegará rapidamente o dia em que vamos viver até aos 130 anos. Vamos ter de trabalhar até muito mais tarde e de muitas formas distintas. Temos de ter a capacidade de olhar para o mundo de forma apaixonada mas desafiadora, de questionarmos constantemente o nosso papel nesse mundo, a forma como fazemos as coisas e como as poderíamos fazer melhor. Depois, temos de passar para a nossa vida profissional essa capacidade de reinvenção. Os grandes fracassos empresariais são os casos de empresas que não conseguem reequacionar o seu negócio. Surgem empresas novas que o fazem por elas e que em poucos anos as matam sem qualquer piedade. Ora, o melhor antídoto para que isto aconteça é termos nas nossas equipas pessoas desassombradas, inconformistas e apaixonadas pela mudança.
É fundamental conseguir passar este gosto de transformação, de aceleração para as equipas porque esta é uma necessidade não só do negócio, mas também da nossa vida pessoal e da nossa carreira. Daqui a cinco anos nenhum de nós vai trabalhar da mesma forma que trabalha hoje. Essa adaptação tem de ser feita por gosto, não pode ser imposta.
Mostrar às equipas que é possível é o que me dá maior satisfação. Muitas vezes as pessoas pensam que há barreiras intransponíveis, porque sempre existiram. Mostrar que é possível ultrapassar qualquer barreira, com persistência e resiliência, é uma satisfação enorme.
Outra aprendizagem é saber como gerir o equilíbrio entre o conhecimento muito grande de pessoas que trabalham há várias décadas nas mesmas funções, na mesma empresa, com pessoas novas, que vêm de outras indústrias e que, não tendo este apego ao passado, vêm reequacionar tudo. Como é que conseguimos manter este histórico, este conhecimento, que é igualmente vital preservar, a conviver com um repensar do status quo e do negócio.
As empresas que conseguem ter uma força de trabalho diversa aos mais variados níveis têm muito mais sucesso uma vez que são representativas do mercado e dos seus clientes.
A Sofia sempre se manifestou contra as quotas. Sentiu-se a preencher uma quota quando entrou para a Galp?
Não me senti a preencher uma quota. A lista de candidatos era diversificada. Acredito que as quotas diminuem o mérito que as pessoas têm em alcançarem determinadas funções. Acredito mais na diversidade de background, de formas de pensar, de experiências, do que propriamente de géneros. Até porque, mais importante do que ser homem ou mulher é termos representados diversos estilos de liderança, de formas de pensar, de experiências. Há mulheres com estilos e características de liderança muito masculinas, tal como há homens com posicionamentos tradicionalmente considerados mais femininos. É importante não bloquear as oportunidades dos dois géneros e a Galp é uma empresa que, nesse capítulo, não podia ser mais respeitadora. Temos políticas que nos permitem estar atentos a possíveis desigualdades e procurarmos, de forma proativa, alcançar essa diversidade.
As empresas que conseguem ter uma força de trabalho diversa aos mais variados níveis têm muito mais sucesso uma vez que são representativas do mercado e dos seus clientes.
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