São os braços direitos da direção e administração, sem os quais o funcionamento bem oleado das organizações seria muito mais difícil, embora o seu trabalho e importância seja tantas vezes invisível. Atualmente, dos assessores administrativos e profissionais de secretariado exigem-se funções e competências cada vez mais complexas, como o domínio de ferramentas informáticas, duas ou mais línguas e até conhecimentos de disciplinas como Economia ou Direito. A 9 de fevereiro, data de criação da Associação Portuguesa de Profissionais de Secretariado, comemora-se o dia nacional dedicado a esta profissão.
Um dos aspetos que tem vindo a mudar — e que nos leva aqui a evitar o feminino — é o facto de a nova geração de profissionais já não ser quase exclusivamente composta por mulheres, como nos explica Raquel Cardoso, professora e membro da comissão coordenadora do curso de Secretariado de Direção e Administração do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC). “Em 2012, quando iniciámos esta licenciatura, tivemos apenas um ou dois estudantes masculinos, porque esta ideia de que é uma profissão de mulheres ainda é a mais consensual. Eles próprios relatam que esse é o comentário que ouvem, quando falam da sua escolha de curso com amigos e familiares. Digo-lhes sempre que temos de desconstruir esse estereótipo. Mas nos últimos 6 ou 7 anos têm entrado cada vez mais rapazes e é muito bom ver isso.” Atualmente, e apesar do curso ainda ter mais alunas, os números vão se aproximando progressivamente da paridade.
Proatividade, multitasking e muita empatia
As competências que Susana Carvalho, CEO da agência de publicidade J. Walter Thompson Lisboa, mais valoriza na sua assistente executiva são “saber ouvir, saber fazer perguntas, adiantar-se e propor soluções sem esperar que lhe peçam alguma coisa ou ficar à espera que a chamem; nunca dizer apenas ‘não’ ou ‘não sei’, ter serenidade, ironia e tato. E muita paciência”, sublinha. “A minha secretária é, na verdade, secretária de uma administração, dá apoio às equipas em diversos temas e tem um dom maravilhoso, muito além do trabalho de secretária — é uma ‘barra’ no PowerPoint, faz apresentações fantásticas para concursos e é um elemento precioso na gestão desses processos mais complexos. Na verdade, eu sei que ela não gosta muito do trabalho aborrecido de secretária, sendo que muitas vezes sou eu que a lembro para me lembrar.”
A CEO da JWT observa que esta “é uma função muito difícil” e salienta que as meras funções de secretariado estão “um pouco obsoletas” atualmente. “Desde logo com o ritmo e a agenda que nos impomos e nos impõem, com a tecnologia à disposição e o facto de as coisas pessoais praticamente não caberem nesta função, hoje em dia.”
Miguel Pina Martins, fundador e CEO da Science4You, também destaca as características fundadas na inteligência emocional, quando lhe pedimos para falar dos skills que mais valoriza nestas funções. “Uma Assistente Executiva deve ser alguém 100% disponível, predisposta e empática. Deve possuir uma enorme capacidade de encaixe e alguma frieza para conseguir lidar com as flutuações diárias de pressão do seu superior. Esta pessoa deve ser organizada, ter boa memória e ser capaz de gerir multitarefas. Por outro lado, deve ser sensível e ter uma espécie de sonar que consiga ler emotivamente o estado de alma do seu chefe.”
Para além da competência técnica “com um nível de excelência”, a managing partner da Cuatrecasas em Portugal, Maria João Ricou, destaca qualidades pessoais como “a integridade, o brio, a disponibilidade e a discrição. Todas elas são críticas para conquistar a minha confiança e o valor de uma secretária, na minha opinião, mede-se muito pelo grau de confiança que inspira. A tudo isto acresce a importância da empatia pessoal. Ter ao lado uma secretária excecional como a que me acompanha há cerca de seis anos tem feito uma enorme diferença qualitativa na minha vida, diariamente.”
Profissionais de banda larga
Mas para além destes soft skills essenciais, as organizações têm vindo a elevar a fasquia, em termos de competências exigidas para estas funções. “Estes profissionais têm que dominar hoje competências cada vez mais variadas para responderem às necessidades do mercado, como as línguas, ter conhecimentos de informática, gestão ou Direito”, observa Raquel Cardoso. “Uma das mais valorizadas e sublinhadas atualmente pelas empresas é a gestão de informação, o que lhes exige também o domínio de ferramentas informáticas ou saber trabalhar e gerir arquivo, por exemplo. Têm que ser bons comunicadores, bons relações públicas — esse é um dos aspetos em que mais insisto com os alunos. Por isso temos duas línguas estrangeiras no currículo, mas queremos inserir mais uma ou duas, mesmo que a título opcional. A nossa preocupação é dar-lhes uma noção de ‘banda larga’ neste curso.”
O curso tem vindo a evoluir em termos de vagas — de cerca de 30 no início a 53, este ano letivo. “E sempre preenchidas. A procura tem aumentado.” A empregabilidade também é acima da média. “O mercado cada vez procura mais estes profissionais. Sempre existiram cursos de secretariado, mas sempre muito técnicos e sem esta componente de curso superior que procuramos dar neste curso. Temos um estágio integrado, nos últimos anos, e todos os nossos alunos que concluíram a nossa licenciatura estão a trabalhar neste momento, não só em Coimbra (porque os estágios são a nível local), mas Lisboa, Porto e um pouco por todo o país.”
Secretárias que ficaram na história
A lealdade e dedicação a 100% sempre foram as características mais apreciadas nas secretárias dos mais poderosos. Em outros casos, os seus dons foram notados pelos chefes, que as lançaram em carreiras notáveis. Eis alguns exemplos:
Elizabeth Nel: Foi secretária de Winston Churchill entre 1941 e 1945, os anos quentes da II Guerra Mundial. Tinha uma “devoção furiosa” pelo estadista conhecido pelo seu mau-humor e exigência, mesmo que isso implicasse trabalhar até às 4h30 da manhã ou quando ele lhe ditava cartas no banho, no carro ou enquanto passeava pelo jardim. Era Elizabeth que estava ao seu lado, partilhando a dor de Churchill quando este perdeu as eleições gerais, em 1945. Escreveu “Mr. Churchill’s Secretary”, as suas memórias sobre a sua relação profissional e pessoal com o primeiro-ministro.
Helen Gurley Brown: A mítica diretora da revista norte-americana Cosmopolitan, começou a sua carreira como secretária, ainda nos nos 40, quando decidiu aprender datilografia para se tornar o ganha-pão da família. Ao fim de algum tempo conseguiu emprego como secretária do presidente da empresa de publicidade Foote, Cone & Belding. Terá sido ele a notar-lhe o dom para a escrita e lançar a sua bem-sucedida carreira publicitária, tornando-a a primeira mulher copywriter na agência e uma das mais bem pagas profissionais desta área. Em 1962, Helen escreveu ‘Sex and the Single Girl’, que se tornou um best seller e dirigiu a revista Cosmopolitan entre 1965 e 1997.
Ursula Burns: Fica na história por ser a primeira mulher afro-americana a liderar uma empresa da Fortune 500, a Xerox. Nasceu em Nova Iorque, numa família de recursos modestos e estudou engenharia no então Instituto Politécnico de Brooklyn, prosseguindo mestrado na Universidade de Columbia. Ao mesmo tempo, entrou num programa diversidade e inclusão promovido pela Xerox, assumindo funções de secretária do vice-presidente de Marketing e Operações da empresa, passando depois a assessorar o CEO e chairman da companhia. Em 2009, Burns já tinha ascendido a CEO e presidente do conselho de administração da empresa, levando a mítica companhia a redefinir-se como uma empresa de soluções tecnológicas.