Patrícia de Jesus Monteiro é advogada e fundadora da PJM Advogados
A área do direito veio assumindo especial relevância desde meados de 1972, altura em que se procurou unificar o verdadeiro direito romano com o canónico, permitindo assim ampliar um leque variado de áreas jurídicas a estudar.
A substituição das Faculdades de Leis e de Cânones pela Faculdade de Direito com a aplicação da legislação em apreço, resultou num grande impacto social: retirou o estigma restrito de um direito “fechado” e literal e conjugou-o com uma perspetiva social, voltada para os direitos da sociedade – revelou ser de essencial importância a construção de um estudo baseado nas problemáticas do individuo.
Assim, com o avanço dos estudos da ciência-jurídica das Faculdades de Direito e a necessidade de se formar profissionais de excelência (mas acima de tudo humanos) mitigaram-se os estigmas restritos do direito, uma vez que, aos poucos, se inseriu as conceções positivistas e sociológicas, que “quebrariam” o paradigma do formalismo em relação ao direito.
Parece arrojado dizer, mas permitiu assim aos futuros profissionais dominar não só as normas, mas também a aplicação destas à realidade de um determinado sujeito.
Ora, com as mudanças dos estudos na área do direito desde o século XIX, a fim de se obter um estudo voltado não só para o que já se encontra na norma, mas também para o estudo global do sujeito e as consequências dos seus actos, revela-se assim uma humanização do direito, sendo esta, penso eu, a função que se pretendia: prestar serviços de forma científica e humanística a uma determinada sociedade, com vista à obtenção da solução conjugada com o bem-estar social. Neste contexto, o direito deve ser também dirigido para o bem-estar geral, sendo a sua principal função obter um equilíbrio na sociedade e manter a paz.
Sendo o cidadão o principal elemento do direito e as suas ações o foco, não deveria assim o direito ser acessível a todos?
Recuando à era da génese do direito, o indivíduo para se integrar na sociedade tinha de agir em conformidade com o modus operandi da mesma. Assim, o acesso ao direito não poderia ser adaptado às necessidades de cada individuo?
A função do advogado/a
A formação em direito permite o acesso ao exercício da advocacia. Na verdade, o direito é uma das mais antigas actividades de sempre pois surgiu quando se tornou necessário, por elementar sentimento de retidão, de defender o fraco e o justo contra os arbítrios do poder. Reforçada ao longo dos séculos, por exigências da convivência e da paz social e, enfim, institucionalizada, esta função é tão indispensável como a do legislador e a do próprio juiz.
A presença do advogado/a no processo não é decorativa nem estática, mas sim activa e dinâmica, colaborante e decisiva. Começa, quase sempre, por uma simples consulta jurídica, seguida da elaboração dos articulados, ou seja, na formulação fáctico-jurídica da pretensão do constituinte. É nesta fase, que é exigida o conhecimento, a clareza e o rigor. Continua nas demais diligências ao longo do iter processual e termina, em regra, na audiência de discussão e julgamento, onde, lhe é exigida serenidade, compostura e convicção de patrocínio. Tudo isto, sem prejuízo de grande abertura de espírito para admitir que a razão, nem sempre está exclusiva ou predominantemente do lado do nosso constituinte e que se sobrepõe, muitas vezes, uma transação como a melhor forma de acautelar os interesses que nos foram confiados.
Além desta função pública de intervenção processual, o advogado/a no recato do seu gabinete também aconselha, informa, dá apoio moral, redige missivas, contratos, pactos sociais, exposições, dirime ou previne os litígios. Esta função é tanto mais socialmente relevante, quanto a multiplicidade de interesses antagónicos e o ritmo da vida moderna tornaram as relações humanas tendencialmente mais conflituosas. É aqui que o advogado/a assume a sua verdadeira dimensão: ser em simultâneo, árbitro, defensor, conselheiro, confidente e, muitas vezes, amigo.
Perspetiva do direito aplicado no âmbito da advocacia
De acordo com António Arnaut, “Servir a Justiça foi, desde sempre, a profunda motivação do advogado”. A palavra advogado/a deriva do latim ad-vocatus o que significa “chamado em defesa”. Apelando à história e à etimologia podemos definir o advogado/a como aquele que é chamado para defender uma causa, com dignidade e competência, procurando mais a realização da justiça do que os honorários, embora devidos.
Conforme referido supra, a advocacia em Portugal foi, desde os primórdios, profundamente marcada pelo direito romano e pela Igreja, à sombra da qual nasceram as primeiras Escolas e a Universidade. Para exercer a advocacia era necessário ser pessoa de bem (“ser idóneo”). Os advogados eram também apelidados procuradores e, mais correntemente, “arrazoadores” ou “vozeiros”. Esta designação remonta ao século II. Advogado/a era aquele/a que junto dos Tribunais alegava as razões de facto e de direito dos litigantes (arrazoava) e emprestava a sua voz (vozeiro) aos que não sabiam defender-se. A lei impunha que fosse nomeado advogado “a pobres e a órfãos e aos homens que por si não souberem razoar”.
Importa assim relembrar que pertencia aos municípios, em regra, licenciar os advogados/as e os procuradores. A advocacia era, geralmente, uma atividade benévola, à maneira antiga. Se o advogado recebia remuneração dizia-se “aprestamado”. A retribuição não podia exceder a “vigésima parte da demanda” e, naturalmente, não era permitido “que os vozeiros tomem salário das partes e falseiem os pleitos que razoem”. Se o fizessem, eram punidos e chamados prevaricatores causarum.
A crescente complexidade do direito, e das relações jurídicas, e o reconhecimento da advocacia como uma “carreira” e a consequente responsabilização civil e disciplinar dos advogados, impuseram a sua organização profissional. Os Imperadores Justino e Justiniano conferiram aos “colégios” então existentes a categoria de “Ordem” para os distinguir das associações de mercadores e artesãos, denominadas corporações. Pelo menos desde o sec. XVI que se pode falar de uma associação de classe integrada numa Confraria da Casa da Suplicação. O Bastonário Augusto Lopes Cardoso, citando a “Monarquia Lusitana”, faz assim remontar as raízes da Ordem a D. Afonso V, data que surgem os letrados a formar um corpo e a ocuparem posição no foro, ligando esta iniciativa ao fato do rei de Portugal ter ido a Paris para ver os advogados pleitearem diante do Parlamento.
Em Portugal, a Ordem dos Advogados foi criada pelo Decreto n.º 11 715, de 12, de Junho, de 1926, e regulamentada pelo Decreto n.º 12 334, de 18, de Setembro, de 1926, da iniciativa do Ministro da Justiça Prof. Doutor Manuel Rodrigues, acedendo a fortes pressões da classe, que há muito vinha sentindo a necessidade de uma organização que a defendesse e aglutinasse. Em 1838 foram aprovados os Estatutos da Associação dos Advogados de Lisboa, cujo objetivo era a “organização definitiva da Ordem dos Advogados”. Assim, a Ordem dos Advogados constituiu, sem discrepância, “não uma associação sindical, mas antes uma associação pública”, ou uma “corporação pública”, dotada de independência e de autonomia de organização, “designadamente nos seus aspetos deontológicos e disciplinares”. A realçar: foi instituído o Congresso e criadas as Assembleias Distritais; foi concedida à Ordem a competência para organizar o estágio e exercer a ação disciplinar; foi legitimada a independência do advogado no exercício do patrocínio; a Assembleia Geral passou a ser integrada por todos os advogados e não apenas por delegados das comarcas; e, os direitos dos advogados foram alargados e reconhecida a total independência da Ordem face ao poder político.
A igualdade de acesso à advocacia
O/A Advogado/a deverá prestar um serviço de advocacia igual, com o mesmo teor, a qualquer indivíduo independentemente da sua capacidade económico-financeira. No entanto, este técnico só poderá prestar um serviço de excelência (empenhado, focado, com tempo para estudar os casos e trabalhar) se for remunerado e consultado atempadamente, de acordo com os honorários estipulados para cada área/assunto. Verifica-se que, em Portugal, os cidadãos consideram o valor dos honorários elevados, comparativamente com a disponibilidade financeira da maioria dos indivíduos. Deste modo, a capacidade económico-financeira das pessoas influencia a procura de um serviço de advocacia. Apesar de, perante a Justiça, todos os indivíduos serem considerados iguais.
Os cidadãos com recursos financeiros inferiores são forçados a socorrer-se de apoio jurídico apenas em caso de estado-necessidade e quando já, praticamente, não há solução extrajudicial. É por esta razão que os Advogados são vistos como um “mal necessário”, ou seja, uma despesa extra, em que só são chamados a agir aquando da existência de problemas, que tornaram-se muito graves com o decurso do tempo.
Outras vezes, beneficiam da protecção jurídica, onde podem obter um serviço jurídico de acordo com as suas possibilidades e com um valor mais acessível. Os Advogados que prestam um serviço oficioso são voluntários com remuneração em regra inferior à actividade exercida. Na prática, um Advogado/a que não é devidamente remunerado não tem motivação e disponibilidade de tempo para defender em pleno uma ou mais causas do seu constituinte. Porém, há uma questão que importa reter, advogados não remunerados e sem tempo para se dedicarem às causas que assumem, ficam com possibilidades muito limitadas de concretização plena dos direitos que a lei confere. Outro aspeto a realçar é que este regime de proteção jurídica constitui um benefício para os cidadãos, mas é cada vez mais morosa a sua atribuição pelo Estado, o que conduz à exaustão de muitos particulares pois não têm possibilidades para acelerarem as suas demandas judiciais.
É cada vez mais significativo o acesso imediato de cada individuo ao apoio jurídico para tutelar, em tempo útil, os seus legítimos interesses seja através de apoio judiciário seja através de outras associações, como por exemplo, a Pro Bono, Deco Proteste entre outras igualmente enriquecedores para a sociedade.
Estes serviços, humanitários, não podem nem devem ser descurados no futuro próximo, conduzindo assim, a um serviço de advocacia de excelência.
Actualmente, existe uma natural descredibilização da população face à Justiça, quer pela sua morosidade quer por não penalizar justamente os criminosos, o que constitui uma das grandes e atuais fragilidades à democracia.
Assim sendo, e tendo em conta a evolução das últimas décadas, urge ampliar as mentalidades e apresentar aos cidadãos o recurso à Advocacia Preventiva, isto é, recorrer ao Advogado para se informar e aconselhar antes da tomada de uma decisão, quer seja pessoal quer seja profissional. Agir em consciência evita problemas e situações inesperadas. No entanto, para que a Advocacia Preventiva vingue é necessário que prevaleça a dignidade no exercício da prática desta actividade. Estes profissionais, os quais tem a licenciatura em direito e um estágio de cerca de 24 meses, devem ser vistos como pessoas de excepcional confiança conhecedores de direito, com facilidade de acesso à Justiça, ao mesmo tempo que defendem a causa em questão com seriedade e idoneidade. O ideal será perpetrar um equilíbrio, de modo a que o cidadão possa procurar um serviço de advocacia a um valor justo e que sirva os seus interesses.
Outra temática relevante: será que o valor dos serviços, acrescido do valor do IVA, a 23% dificulta muitos dos cidadãos de recorrer a um técnico-jurídico especializado?
Em maioria de razão, só com profissionais qualificados e naturalmente remunerados, com tempo e dedicação para trabalhar nas causas das pessoas (e não apenas nas causas de quem detém a maioria do capital), é possível exercer uma atividade com segurança, confiança e idoneidade.
Actualmente, assistimos à globalização e digitalização da informação que provocaram alterações também nesta área jurídica: passou-se dos escritórios familiares para o desenvolvimento de sociedades de advogados, de média e grande dimensão. Importa assim referir, que nestas sociedades, mais especializadas, o individuo/constituinte deixa de ser acolhido de forma personalizada para ser recebido por profissionais diversos, de acordo com as problemáticas que necessita. Os honorários cobrados pelas sociedades e os cobrados pelos pequenos escritórios também são distintos e, cabe ao particular/pessoa colectiva escolher o serviço que melhor se adeque aos seus interesses. Com efeito, importa realçar que há bons profissionais quer em prática individual quer em grandes sociedades bem como excelentes alunos de direito, candidatos à advocacia, formados nas diversas faculdades de direito.
Parece-me de especial importância reflectir sobre o iter que cada profissional forense pretende dar ao exercício da profissão. Ora devemos assim, como técnicos-jurídicos primar pela manutenção do seu carácter ético-social, próprio da “dignidade e responsabilidades da função que exerce” e que, de acordo com o Estatuto Deontológico, nunca deve ceder a uma prática económica agressiva, do “salve-se quem puder”, em que os grandes anulam os mais pequenos. Em suma, a advocacia tem na sua génese o Humanismo e o que é importante é que o mesmo não se perca.
Visão da advocacia em conjunto com a função social
A advocacia é uma profissão que deve ser tida em conta com seriedade. E parafraseando Voltaire, “A Advocacia é a mais bela profissão do mundo”. Neste sentido, alertamos para as fragilidades do modelo actual da relação advogado/cliente.
Existem novos mecanismos económicos que podem estar ao serviço daqueles que detêm maiores dificuldades. Está implícito que os serviços destes profissionais assentam no estudo e dedicação dos assuntos das pessoas que os procuram.
É neste contexto que, para ajudar a solucionar estas questões, abordamos a problemática da prática da função social da advocacia. O acesso ao patrocínio forense, de forma igualitária, merece especial tutela do legislador.
Quais as soluções possíveis?
As opções relacionam-se também com as áreas que constituem objecto de análise ao nível público, com vista à salvaguarda da defesa de todos os direitos, que a lei permite a quem seja autor/ réu ou assistente/arguido, requerente/requerido. Assim, sugere-se a iniciativa de nova área de advocacia, a par dos tribunais, com formação própria para o exercício público como por exemplo podemos ver na área da saúde (médico de família). Esta figura torna-se ainda mais essencial, quando o recurso a esta área, é na esmagadora maioria obrigatória para as questões tratadas em Tribunal, sem prejuízo da advocacia preventiva, nas situações do quotidiano (por exemplo: regime de casamento, processo de divórcio/família, comprar uma casa, arrendar, constituir uma sociedade, assinar um contrato de trabalho…) que temos vindo a defender.
Os/as profissionais da advocacia são essenciais para trazer à colação causas que, de outro modo, não seriam nunca conhecidas. Porque não existir um advogado/a “de família” para um conjunto de pessoas, por área de residência? Todos os cidadãos, ao longo da vida, têm problemas e são confrontados com problemas inesperados que necessitam de um serviço técnico especializado obtido em tempo útil.
Por outro lado, já se verifica em Portugal a sedimentação de associações de advogados/apoio jurídico sem fins lucrativos que muito têm enriquecido os cidadãos em tempos de pós pandemia.
É neste contexto de ajuda, de apoio, de equilíbrio social que gostaríamos de vislumbrar o serviço da Advocacia ser exercido, na atualidade e no futuro, com o objetivo único de servir o interesse do cidadão. Só assim conseguiremos retomar a confiança dos cidadãos no advogado/a e, consequentemente, na Justiça. Ao fazer prevalecer o primado do direito, ao fazer cumprir a lei, construir-se-á uma sociedade mais justa, mais adaptada e adequada. O advogado/a ao lado do constituinte, a defender a sua causa, sem interferência de qualquer tipo de interesses.
A Equipa da PJM Advogados
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