Imagine o cenário: tem dois candidatos, mas só pode promover um deles a um cargo de liderança. Sobre quem vai recair a sua escolha? Sobre aquele que é descrito como tendo um bom poder analítico ou sobre o que é caracterizado como sendo uma pessoa compreensiva? E se tiver que fazer uma redução de pessoal no seu departamento, a quem vai dar a má notícia? Ao colaborador avaliado como arrogante ou àquele que é visto como inapto?
Os homens em postos de liderança militar, por exemplo, são mais frequentemente avaliados com características positivas como “analítico”, “competente”, “atlético” ou “confiável”, enquanto as mulheres nas mesmas posições são descritas com atributos como “compreensiva”, “entusiasta”, “energética” ou “organizada”. Já se olharmos para características negativas, “arrogante” é a mais frequentemente referida relativamente a homens, enquanto “inapta” é a mais comum para as mulheres.
As conclusões são de um estudo norte-americano de larga escala que analisou 81 mil avaliações de mais 4 mil candidatos na carreira militar, conduzido pelos professores de sociologia David G. Smith, do Naval War College, e Judith Rosenstein, da Academia Naval dos EUA, auxiliados pela investigadora estatística independente, Margaret Nikolov. Os militares são uma população de estudo interessante para avaliar os estereótipos de género ligados à liderança, segundo os autores da pesquisa, por serem uma profissão com uma longa tradição masculina que, ao longo das últimas décadas, “tem trabalhado para eliminar a discriminação formal entre homens e mulheres”.
O estudo concluiu que se usam mais palavras positivas para descrever o desempenho masculino, enquanto o leque de características negativas é muito mais alargado para as mulheres.
Os dados vêm confirmar o que, infelizmente, já se apurara em investigações anteriores semelhantes para outras populações. Se não se registaram diferenças entre géneros nas avaliações com critérios objetivos e quantitativos, quando se analisaram as palavras usadas em avaliações subjetivas, baseadas numa lista de 89 características negativas e positivas associadas à liderança, o caso mudava de figura.
Talvez uma das conclusões mais preocupantes seja o facto de se usarem mais palavras para descrever o desempenho positivo quando se fala de homens do que de mulheres. Elas também reúnem muito mais adjetivos para descrever performances negativas — “egoísta”, “fútil”, “intriguista”, “passiva”, “excitável”, “dispersa”, “temperamental”, “indecisa” e “assustadiça” foram só algumas das palavras mencionadas com mais frequência, para além da popular “inapta”. As características negativas mais referidas nos homens limitaram-se a “arrogante” e “irresponsável”.
“Inapto” ou “arrogante” podem até parecer adjetivos igualmente maus à partida, mas para as organizações podem fazer a diferença entre quem se promove ou quem se despede, como explicam os autores num artigo para a Harvard Business Review. “Um colaborador arrogante pode até ter uma falha de carácter que influencia negativamente o ambiente de trabalho, mas é, ainda assim, capaz de desempenhar tarefas. Já uma pessoa considerada inapta claramente não é qualificada e poderá estar de saída.”
“Um dos aspetos mais irónicos das nossas conclusões é o facto de muitas das características que as pessoas dizem apreciar e desejar num líder — tal como a compaixão — serem aquelas que as mulheres mais recebem nas suas avaliações. Porque não se traduz isso, então, em mais mulheres nesse tipo de cargos?”
Da mesma forma, não surpreende que um líder descrito como tendo bom poder analítico — que indica boa capacidade estratégica e de interpretação, motivação para atingir objetivos e cumprir tarefas eficazmente — seja muito mais valorizado e considerado para uma promoção em determinado tipo de empresas ou instituições do que alguém descrito como compreensivo, ainda que este último possa contribuir para criar um bom ambiente de trabalho.
“Um dos aspetos mais irónicos das nossas conclusões é o facto de muitas das características que as pessoas dizem apreciar e desejar num líder — tal como a compaixão — serem aquelas que as mulheres mais recebem nas suas avaliações. Porque não se traduz isso, então, em mais mulheres nesse tipo de cargos? Uma coisa é descrever o líder ideal, outra bem diferente é descrever uma pessoa real sem nos deixarmos influenciar por estereótipos de género ou estereótipos sobre o que um líder deveria ser”, observam os autores. “Como o nosso estudo demonstra, mesmo numa era de gestão de talento e iniciativas de promoção da diversidade e inclusão, os nossos mecanismos formais de avaliação ainda sofrem de enviesamento, enviando às mulheres mensagens subtis de que elas não são ‘líderes a sério’ — os homens, sim.”