O lado empresarial de Elisabete Jacinto

A paixão pelo desporto conduziu-a ao mundo das empresas, para poder correr e acalmar a obsessão com que passava os dias a perguntar "Como vou arranjar dinheiro para continuar as corridas?" É que sem apoios, o camião de Elisabete Jacinto não arranca.

Elisabete Jacinto apaixonou-se pelo todo-o-terreno na primeira prova que fez

A piloto de todo-o-terreno sabe que só com patrocinadores pode continuar a correr e a prosseguir a paixão profissional descoberta aos 27 anos, que a levou até a desistir de uma carreira no ensino. Mas o desafio que o mundo das marcas e das empresas lhe coloca é quase tão grande como muitos percursos que faz pelo deserto.

Elisabete é a única mulher a nível mundial a fazer corridas de camião. Já foi professora de geografia, autora de manuais escolares, co-autora da BD Os Portugas no Dakar e autora do livro Irina no Master Rali. Começou a correr em motas, no início dos anos 90, depois passou para os camiões, com excelentes participações no Rali Dakar, em África e na América do Sul. O que começou por ser um hobby é agora uma profissão a tempo inteiro, absorvente e dispendiosa que a leva a comentar: “Sai-me mais cara do que comprar um andar!”. Tanto ao volante do seu camião MAN como ao telefone com as empresas, Elisabete tenta provar, ao minuto, que vale a pena investirem nela.

É conhecida pelos sucessos desportivos, mas a vertente empresarial deve ocupar-lhe muitas horas também…
A minha atividade principal é o desporto, a alta competição, o todo-o-terreno. Rali Raide, uma área dentro do automobilismo. Mas sou empresária porque tenho de gerir a minha atividade desportiva. Faço tudo certinho como deve ser: passo recibos, tenho contabilidade organizada, pago os impostos.

O que gosto é de correr e ter bons resultados. O resto faço-o para conseguir patrocínios

Tem muitas pessoas a trabalhar consigo?
Somos três a trabalhar diariamente: eu, que faço os contactos com as empresas para conseguir patrocínios, o meu marido, que trata da área financeira, e o mecânico que trabalha a tempo inteiro na oficina. Nas épocas das corridas tenho mais três pessoas para apoiar os trajetos e a logística.

Faz muitas corridas por ano?
Sim, entre três a quatro provas grandes. Faço o África Race que me ocupa 15 dias, o Rali de Marrocos que dura uma semana, o Rali das Gazelas que são três semanas.

Mas gosta da vertente empresarial?
O que gosto é de correr e o meu objetivo é ter bons resultados. O resto faço-o para conseguir patrocínios porque sem eles o camião não anda e eu não posso participar. Mas é um trabalho desgastante e que exige persistência.

A prática do todo-o-terreno é muito cara?
É cara e não é lucrativa. Mas ficou-me esta profunda paixão pelo todo-o-terreno. Fiz a primeira prova e nunca mais parei. Outras modalidades são mais económicas e têm ajuda das federações. No meu caso, as inscrições para as provas são muito caras, os custos de transportar os camiões para África e das deslocações dos colaboradores são elevados, e tudo é suportado com o dinheiro dos patrocínios.

Meti-me numa atividade extremamente difícil. Este meu “hobby” sai muito caro

Ter sido professora de geografia ajuda-a nas competições?
Talvez, um bocado. Mas eu deixei o ensino em 2004. Até lá conseguia conciliar as duas atividades porque era piloto de motas. Treinava ao fim de semana, ia para o Alentejo para treinar nas propriedades dos outros. Fartei-me de abrir e fechar cancelas. Com os camiões já não podia ser assim. Não podia entrar numa propriedade e andar por lá a guiar no meio das ovelhas e dos sobreiros.

Não tem um empresário, como nos clubes de futebol?
Não e meti-me numa atividade extremamente difícil. Este meu hobby/profissão sai muito caro. Mais caro do que comprar um apartamento! Toda a gente se foca no futebol, que é a galinha dos ovos de ouro mas ninguém vê que essas vantagens se podem aplicar a outras modalidades, com os mesmos benefícios. Uma das minhas atividades de promoção consiste em visitar escolas e encontros desportivos. Não há dúvida de que as crianças ganhariam com isso.

Ando o ano inteiro a ouvir nãos. Até que alguém diz sim e eu rentabilizo ao máximo a aposta que fez em mim

Como lida com essas dificuldades?
Sou eu que pego no telefone, contacto as empresas, proponho reuniões para apresentar o meu projecto, tento mostrar-lhes que sou uma proposta válida, que posso dar retorno publicitário, que se investirem em mim conseguem mais contrapartidas com menos dinheiro. Depois ando o ano inteiro a ouvir nãos de toda a gente. Até que alguém diz sim e eu vou rentabilizar ao máximo a aposta feita em mim.

É difícil gerir a empresa e as participações desportivas?
Sim, mas a parte desportiva não pode ser descurada. Há treinos a fazer e visitas à oficina para ver o estado dos camiões.

Ficou conhecida como a senhora Trifene…
O Trifene foi uma marca que viveu comigo muitos anos e foi graças a ela que eu consegui correr uma série de anos e ter bons resultados. Mas a empresa entendeu que, por ser um medicamento e por ter muitas restrições à publicidade, devia substituir por outro patrocínio, o Oleoban, um produto do mesmo laboratório. É com esta marca que corro agora. O meu camião está praticamente decorado com ela, porque é o meu patrocinador maioritário, o que me paga mais e me permite correr. Todos os outros são patrocínios pequenos.

Em Portugal, as empresas não acreditam no patrocínio como um investimento publicitário

Conseguido o patrocínio, o que se segue?
Não posso parar. Tenho de fazer aquilo que qualquer diretor de marketing deve fazer, que é rentabilizar o dinheiro que me dão. E eu faço trinta por uma linha, puxo pela imaginação, para que o meu nome apareça nos jornais e as minhas fotografias passem nas televisões. Há pouco tempo estive na Corrida da Criança e numa concentração de camionistas.

É um desporto que exige dinheiro e resiliência?
É uma modalidade de empresários que se podem financiar a si próprios. Porque em Portugal as empresas têm receio, não acreditam no patrocínio como um investimento publicitário, e também não há muitos incentivos às empresas de desporto.

O instinto de sobrevivência do deserto é útil nas empresas?
Foi o desporto que me deu confiança, que me deu o peito cheio. Parece que o deserto e a insegurança que ele transmite nos faz a cabeça maior e nos põe a pensar mais. Isto é instinto de sobrevivência e pode ser adaptado noutras situações.

É preciso aprender a estar com os homens e ter consciência das diferenças de sexos

Em termos empresariais qual foi o seu maior sucesso?
Tenho momentos que me enchem o ego e me dão força. Quando fiz o Dakar Argentina o meu camião ardeu e eu achava que nunca mais iria correr. Mas consegui outro camião e voltei às competições, o que significou uma recompensa de todo o trabalho que fiz até aí. A Oleoban permitiu-me continuar a correr. Esta marca tem suportado a maior parte das despesas ao longo dos anos.

Um conselho de empresária para as outras mulheres?
Aprender a estar com os homens e ter consciência das diferenças de sexos. Eu não percebia por que corria mal a viagem no Dakar a partir do momento em que chegavamos às dunas. E tinha conflitos com os meus dois colegas de cabine. Até que percebi. Até chegar à zona das dunas eu conduzia sempre calada e dava uma imagem de segurança. Chegada lá começava a manifestar-me, a protestar com o trajeto, e com isso transmitia-lhes insegurança. E eles começavam logo a tentar “ajudar” e a dar conselhos. E estava armada uma discussão.

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