Começou por lançar o projeto Madame Management e mais tarde, depois de algum “sangue, suor e lágrimas”, inaugurou um dos locais mais cool da capital, para trabalhar e divertir. É o Village Underground, em Alcântara, um espaço tão moderno e original que já correu tinta em alguma imprensa estrangeira. Mas é um espaço português, inspirado em Inglaterra, que está a fazer com que a sua co-fundadora esteja a cumprir um sonho profissional: partilhar um espaço de co-work e realização de eventos com áreas e pessoas muito diferentes. Foi isso que a inspirou. Ao fim de cinco anos e de muita luta, Mariana Duarte Silva conseguiu lançar o projeto. Por isso, de vez em quando diz: “ainda bem que não desisti”.
Recentemente a Hostel World, uma associação mundial de hostels, apontou o Village Underground como a primeira razão para se estar “obcecado” por Lisboa. E isto será apenas o começo. Dois anos após o lançamento, o Village Underground fervilha de ideias e a programação para setembro até tem dois dias por semana só dedicados às mulheres. “Todas as sextas-feira, a começar às 19h, haverá uma conversa/apresentação informal de uma oradora sobre um tema por si escolhido que com certeza dará azo a muita conversa”, promete ela.
Como é que decidiu lançar-se como empreendedora?
Comecei por ter um emprego das 9h às 5h onde trabalhava como gestora de marketing de algumas revistas do grupo Media Capital (atualmente Massemba) mas já nessa altura, enquanto trabalhava, lancei paralelamente um projeto na área da música e da gestão de carreiras de DJ’s menos conhecidos e criei o projeto Madame Management. Sempre tive uma paixão pela música, especialmente pela eletrónica e mais underground, e foi ela que me levou a lançar por conta própria.
Em 2007, deixei o emprego das 9 às 5 e fui para Londres para trabalhar mais a sério no meu projeto.
Foi o seu primeiro projeto de empreendedorismo?
Foi. Eu era das poucas mulheres neste mundo da música eletrónica e decidi criar o Madame Management, que fazia gestão de carreiras e organizava eventos, principalmente de DJ’s. Fazia também assessoria de imprensa para alguns clubes. Um trabalho que começou a partir do momento em que me convidaram para RP e organizadora de festas nesta área. Deixei o emprego das 9 às 5 e fui para Londres, em 2007, para desenvolver uma profissão na música e trabalhar mais a sério no meu projeto, continuando a organizar eventos e a agenciar artistas, quer em Lisboa quer em Londres.
Como surgiu o projeto Village Underground Lisboa?
Em Londres precisei de encontrar um espaço para trabalhar e descobri um Village Underground, que fora inaugurado em 2006. Adorei o conceito e quando pensei regressar a Portugal, em 2009, decidi que o traria para Lisboa.
Falei com o proprietário do Village em Londres e acabámos por criar uma sociedade para criar um Village em Lisboa. Neste momento, há uma pessoa interessada em abrir um Village em Barcelona mas eu não faço parte desse projeto. Apenas passarei conhecimentos e experiência.
O que é exatamente o Village Underground?
É um espaço de trabalho para indústrias criativas que funciona também como espaço multicultural com uma programação variada. Aqui acontecem desde sessões de teatro breve em contentores, cinema ao ar livre, jantares secretos, concertos, exposições de fotografia, ilustração e street art. É uma estrutura arquitetónica única que transformou contentores marítimos em escritórios e dois antigos autocarros da Carris em cafetaria e sala de reuniões. Trabalham actualmente neste espaço 35 profissionais.
Muitas portas fechavam-se, mas eu nunca desisti e abençoada a altura em que não baixei os braços!
O que o torna tão especial?
Penso que as festas são uma grande atração. Os co-workers gostam de uma festa no final do dia de trabalho. Mas a estrutura do espaço também é original e apelativa. Os contentores estão todos interligados e por isso é fácil as pessoas encontrarem-se. Além disso, todo o espaço foi pintado por artistas de rua conhecidos.
Como foi instalar um projeto destes em Lisboa?
Demorei 5 anos a conseguir. Lisboa não era o que é hoje, muitas portas fechavam-se, mas eu nunca desisti e abençoada a altura em que não baixei os braços. Até que a Câmara Municipal de Lisboa resolveu dar uma grande ajuda, através do seu departamento de apoio ao empreendedorismo.
Depois, a Carris, a quem eu tinha pedido dois autocarros para funcionarem como instalações, gostou da ideia e cedeu-mos. A Estação de Santo Amaro estava na altura desativada e fazia sentido instalar lá o projeto. Há quem pense que o Village Underground está localizado na LX Factory, em Alcântara, mas não é verdade. Ele está a funcionar na Estação de Santo Amaro e só é pena que, como não tem porta direta para a rua, tenha sido tão difícil encontrá-lo. Mas é um espaço seguro, tem segurança, e é muito indicado para levar crianças. Em breve vou reforçar a comunicação sobre a localização.
Só com muita persistência é que conseguiu?
Sim. Curiosamente, a Startup Lisboa foi inaugurada na altura e o Village Underground foi dos primeiros projetos a fazer parte dela. Foi aí que iniciámos o plano de negócio, pudemos concretizar a ideia e tivemos acesso a financiamento. O Village abriu em abril de 2014.
Foi fácil perceberem o projeto?
Ainda hoje há pessoas que não o percebem e eu nem sempre bato às portas certas.
Foi esta a ideia que me inspirou. Se corresse mal fazia-me à vida.
O investimento foi grande?
Cerca de 250 mil euros para construir toda aquela estrutura.
Não teve medo de arriscar?
Nem pensei nisso. Talvez porque sempre tive uma boa rede de apoio. Se corresse mal voltava para a minha atividade na Madame Management (agora dedicada a assessoria de comunicação para festivais de música e eventos que me digam qualquer coisa) ou fazia-me à vida.
O meu sonho era ter o meu espaço, com os meus eventos, com um ambiente o mais multicultural possível. O Village Lisboa não é exatamente igual ao de Londres mas tem o mesmo princípio: um espaço de partilha com áreas diferentes, um centro cultural com pessoas diferentes a trabalhar. Foi esta a ideia que me inspirou.
O Village Underground é um dos espaços mais cool de Lisboa e muito considerado internacionalmente também!
É verdade. A CNN já falou dele, o Guardian, Condé Nast Traveller, a imprensa espanhola. Felizmente também é reconhecido internacionalmente, o que também é bom para o espaço em Londres. E recentemente a Hostel World, uma associação mundial de hostels, apontou o Village Underground como a primeira razão para se estar “obcecado” por Lisboa!
O que é necessário para se ser empreendedor em Portugal?
Muita paciência, resiliência, persistência e também muita paixão pelo que se faz! Apesar de atualmente em Lisboa haver muito melhores condições para se lançar um negócio, com uma boa rede de incubadoras – de que a Startup Lisboa é um excelente exemplo -, a Câmara Municipal tem um departamento totalmente dedicado ao empreendedorismo e à criação de negócios, boa rede de telecomunicações, bons mentores, investidores, vários espaços co-work (dos mais baratos aos mais caros).
Até 2012 era mais difícil lançar projetos porque não havia informação, mas atualmente Portugal é um país facilitador, com recursos, pessoas e investidores abertos a várias ideias. Para além dos já conhecidos clichés: sol, boa comida, simpatia. Mas a verdade é que é mais fácil ir dar um mergulho ao mar no fim de um dia de trabalho do que em muitas cidades estrangeiras.
As mulheres estão a escolher mais o caminho do empreendedorismo?
Sem dúvida que elas estão a começar a fazer mudanças. Fala-se mais em mulheres nos negócios. Há várias a fazerem-se à vida.
O teu projeto é como o teu filho: é teu. E mais ninguém tem a tua paixão.
Com três crianças pequenas, com 1, 3 e 5 anos, como tem tempo para tudo?
Com muita ginástica e ajuda da família – irmãs, sogra, babysitters. Não me posso queixar. E tenho um horário flexível e a ajuda de duas excelentes colaboradoras. Eu tenho as ideias e elas conseguem executá-las. O meu marido também tem o escritório dele no recinto do Village.
Que planos tem para o futuro?
Em setembro, por exemplo, o Village terá uma programação única, a programação OFF September onde todas as sextas-feiras e sábados são apresentadas pequenas conferências só sobre mulheres. Também estou concentrada em concluir uma nova sala de eventos que estará pronta em finais de outubro ou início de novembro. É um espaço destinado a eventos no inverno, pois até agora o Village Underground promovia essencialmente eventos ao ar livre. Neste momento o Village ocupa-me 100% do meu tempo e tenho contactos de empresas para este espaço multiusos, ideal para conferências, apresentações de marcas, clube à noite. Mas também gostava de construir aqui uma piscina. Talvez para o ano! Quando tenho de trazer os meus filhos resolvo a falta da piscina com umas boas mangueiradas!
Considera-se uma mulher bem sucedida?
Considero-me uma pessoa realizada. O meu negócio ainda não tem os melhores números. Escolhi este modo de vida mas não é fácil liderar um espaço que vive de cultura e de novos talentos. Acredito que os primeiros cinco anos são os de mais sacrifícios. Lembro-me da pergunta que o meu sócio me fez logo inicialmente: “tens noção de que isto é um modo de vida, não dará muito dinheiro?”. Mas o teu projeto é como o teu filho: é teu. E mais ninguém tem a tua paixão.