Pela primeira vez, a Executiva realizou a Executiva Women’s Health Conference, que reuniu médicos e executivas para falarem sobre temas da saúde da mulher e como impactam a sua carreira e vida pessoal.
Beatriz Gomes: “Empresas mentalmente mais sãs, vão ser mais produtivas, mais eficientes”
A saúde mental é um problema de todos, pessoas e organizações. Apesar de ter sido um tema “altamente revisto e empoderado desde a pandemia, os números mais recentes mostram que há ainda muito a fazer e até poderá ter havido uma desaceleração na pertinência e importância que é dada a este tópico”, começa por alertar Beatriz Gomes, lead people partner da Blip.pt, na sessão “Saúde mental e bem-estar.” Os dados globais são reveladores, informa esta executiva, formada em psicologia organizacional: “os problemas de saúde mental, sobretudo associados à ansiedade e depressão, custam por ano cerca de 12 biliões de dias de trabalho perdidos ou condicionados e 1 trilião de dólares à economia mundial.” A situação, sublinha, é ainda mais crítica para “as mulheres, com menos de 30 anos, que têm maior predisposição para desenvolver estes sintomas e registar maiores ausências ao trabalho.”
A saúde mental tem um forte impacto no desempenho profissional “muitas das vezes, é o primeiro sinal que conseguimos detetar e que nos leva a crer que aquela pessoa pode estar a precisar de ajuda”, assinala Beatriz Gomes, que considera que “empresas mentalmente mais sãs, vão ser mais produtivas, mais eficientes. E o colaborador que passa por um período de saúde mental menos são, regressando a um contexto de trabalho mais benéfico e mais saudável vai conseguir retirar daí benefícios, ao nível da socialização e da sua própria autoconfiança.” A responsabilidade, afirma, é um “caminho de dois sentidos, deve ser partilhada e não apenas de uma das partes.” Mas para que haja reciprocidade, as empresas precisam de reconhecer “a diferença entre igualdade e equidade”, salienta a especialista em recursos em humanos. “O mesmo tratamento ou a mesma iniciativa não vai ser igualmente benéfica para todos os colaboradores, não há uma receita única para toda a realidade organizacional. Por isso, é tão importante deixar de encarar a saúde mental, em contexto organizacional, como uma série de ‘caixas’ que queremos preencher, mas sim como algo que vai estar intrinsecamente integrado na nossa cultura e na forma como nós atuamos.”
“A partir do momento em que trago o telemóvel, tenho o trabalho comigo. Nunca paramos de trabalhar e o facto de estarmos constantemente a responder a notificações, alertas, exige de nós uma necessidade de atenção permanente.”
Um dos aspetos que salta à vista é que a saúde mental não é sentida da mesma forma por todas as pessoas ou gerações, muitas não se sentem à vontade para falarem no local de trabalho “o que não significa que não sofrem, e as organizações têm de ter isso em consideração”, salienta Beatriz Gomes, destacando a importância de liderar pelo exemplo e de saber ‘ler’ os sinais de alerta: “os managers devem garantir que este tema não é tabu, mostrando que também são vulneráveis e que não há mal nenhum em falar sobre isso ou até em faltar ao trabalho, porque não está bem.”
O mundo laboral, é certo, nunca mais voltará a ser o mesmo depois da pandemia, e Beatriz Gomes reconhece que atualmente a tecnologia alastrou de forma inédita, e estarmos sempre ligados e disponíveis impacta no bem-estar e na saúde mental. “A partir do momento em que trago o telemóvel, tenho o trabalho comigo. Nunca paramos de trabalhar e o facto de estarmos constantemente a responder a notificações, alertas, exige de nós uma necessidade de atenção permanente.”
Conceição Calhau: “Somos um dos países com menor número de anos de vida saudável, depois dos 65 anos”
“Como toda a gente come, toda a gente acha que sabe e percebe de alimentação”, começou por dizer a nutricionista Conceição Calhau, coordenadora da Unidade de Medicina de Estilos de Vida dos hospitais CUF Descobertas e CUF Tejo na abertura da sua talk “Comer bem para funcionar melhor”. Com tanta coisa que se diz e a torrente de (des)informação que inunda a internet e as redes sociais, “é difícil perceber o que é relevante.” Para se entender o percurso do que é saudável, a professor catedrática de Bioquímica da NOVA Medical School, que há 30 anos se dedica ao estudo da Bioquímica Nutricional, recorda que o desafio da longevidade é viver mais anos e com mais saúde. “Estima-se que em 2060 a mulher chegue aos 89 anos e o homem aos 84,6”, mas os dados da OCDE mostram que somos um dos países com menor número de anos de vida saudável, depois dos 65. A média na Europa são 12 anos e em Portugal é de 6 anos com saúde. Considera, por isso, ser cada vez mais importante conhecer as ferramentas para “fazer a medicina dos 4 P’s: aquela que é capaz de predizer, e só assim é que somos capazes de prevenir, num contexto personalizado e idealmente participado.”
No que toca à alimentação, acredita que a mais adequada é a mediterrânica, de que muito se fala, mas à qual “mais de 80% dos portugueses não tem acesso” por comerem “poucas leguminosas – 23 a 25g por dia é o ideal -, poucas oleaginosas – 20 a 30g de frutos gordos diários -, e poucas fibras – 25 a 30g por dia que se encontram nos hortícolas, leguminosas, fruta e cereais.” Em contrapartida, afirma, o açúcar, o sal e a gordura, especialmente a saturada, são consumidos em excesso.
“O salmão só se deve consumido uma vez por mês, devido ao risco de cancro; há muitas opções de peixe gordo, como a sardinha ou a cavala, que podem ser comidos regularmente.”
Tudo o que possa ser uma moda, do ponto de vista do consumo pode trazer um problema, salientando a importância do reforço positivo e de “nos focarmos naquilo que devemos comer mais, ao invés do que devemos comer menos.” Ou seja, perceber “quais as trajetórias alimentares que devemos ter, sem que seja uma obsessão, porque sabemos que as pessoas, maioritariamente, ou estão num extremo ou noutro. É difícil ser moderado”, explica, sublinhando a importância do ómega-3, presente no peixe gordo, na dieta mediterrânica, e alertando para a recomendação da Sociedade Americana para as Doenças Cardiovasculares: “o salmão só deve ser consumido uma vez por mês, devido ao risco de cancro; há muitas opções de peixe gordo, como a sardinha ou a cavala, que podem ser comidos regularmente.” A nutricionista deixou ainda um aviso: “se vai comer peixe cozido ou grelhado, o oméga-3 já foi. Cozidos e grelhados não são mesmo o mais saudável.” Esclarece que a carne deve ser consumida em menor quantidade, privilegiando a proteína vegetal, “que vamos encontrar, por exemplo, nas leguminosas, ou seja no feijão, grão, ervilhas ou lentilhas.”
Tudo o que comemos ganha ainda mais importância, quando se sabe que há um denominador que é comum à maioria das doenças, sobretudo as autoimunes, mais prevalentes nas mulheres que dá pelo nome de processo inflamatório. “Estamos todos inflamados, como costuma dizer com graça o prof. Sobrinho Simões. A inflamação é necessária, é a nossa reação de defesa a uma agressão, mas a inflamação não resolvida no tempo está mais associada aos riscos de doença. E as mulheres são as maiores inimigas delas próprias, têm um grau de exigência tão grande sobre si mesmas que reagem ao self, tendo mais doenças autoimunes”, explica Conceição Calhau, reforçando que “não sendo a panaceia de todos os males, temos de ter cuidado com a alimentação para que não seja muito inflamatória.”
Para a nutricionista, a microbiota intestinal tem um papel importante na prevenção e tratamento de doenças, como exemplifica “se eu chegar à menopausa com uma microbiota muito alterada, já chego em desvantagem e com muitos riscos para a saúde, o contrário do que acontecerá se tiver cuidado com o meu estilo de vida ao longo da vida para chegar nas melhores condições.”
E para que ninguém tenha desculpa para não cuidar bem da sua saúde, esta especialista em nutrição desafia-nos a pôr em prática os ensinamentos desta fórmula mágica para uma vida saudável: “zero tabaco; 5 hortofrutícolas por dia; 10 minutos de meditação diários, que na nossa sociedade é o equivalente à gestão de stress; 30, o índice de massa corporal; e 150 minutos de exercício físico vigoroso por semana.”
Ana Bispo Ramires: “Precisamos urgentemente de ter lideranças evoluídas do ponto de vista de inteligência emocional”
Nunca como hoje estivemos tão conectados ao mundo, mas também nunca nos sentimos tão sozinhos. Esta é uma verdade que ouvimos vezes sem conta e que Ana Bispo Ramires, especialista em psicologia do desporto e de alta performance, reforça na sua palestra “Gestão do stresse e da energia”. “Estamos cada vez mais isolados, um quarto das pessoas experimenta a solidão no seu dia a dia”, diz, citando dados de uma investigação que mostra que são os mais novos, entre os “16 e os 24 anos” que se sentem mais sozinhos. “Estamos cada vez mais a ficar bichos de écrãs, todos nós, mas os jovens, esses, já foram educados atrás de um écrã. O resultado é que estão sobrestimulados cognitivamente, mas do ponto de vista emocional é uma desgraça”, explica esta especialista, apaixonada pelo treino de competências emocionais, revelando números alarmantes de estudos americanos que estimam “que podemos estar a passar 21 anos atrás de um ecrã.” E, há mais, afirma, “estar socialmente isolado é tão perigoso como fumar 15 cigarros por dia.”
“Estar socialmente isolado é tão perigoso como fumar 15 cigarros por dia.”
Ana Bispo Ramires chama a atenção para a necessidade de as empresas tomarem consciência de que “precisamos urgentemente de ter lideranças evoluídas do ponto de vista de inteligência emocional”, salientando que “se eu não faço ideia como é que estou, de que forma é que vou reconhecer que os meus colaboradores não estão bem? É impossível. Temos de saber reconhecer onde estamos e como estamos, para podermos ajudar.” Quando se fala de burnout, “tende-se a apontar o dedo às empresas como sendo um dos fatores propulsores”, mas esta especialista garante que “nós, na nossa vida privada, canibalizamos o resto da energia que temos com práticas que não nos dão energia, antes pelo contrário. Estar várias horas a ver maratonas de filmes, não é estar a repor energia, nem estar a criar relação com ninguém.”
Avisa que o nosso corpo não funciona em gavetas separadas, “não devemos procurar um especialista apenas quando não estamos bem”, sendo importante definir objetivos e “sair do imediato, para percebermos onde queremos estar daqui a 5 ou 10 anos.” Ter um propósito, conectarmo-nos com nós próprios, trazer pessoas com paixão para a nossa volta, garante ser fundamental, sendo “necessário fazer, a cada momento, um porquinho mealheiro de coisas boas, de entusiasmo, que podemos vir a precisar mais à frente.”
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