Jane Hoffer: “Portugal produz pessoas com capacidades excecionais”

A norte-americana Jane Hoffer, CEO da GoWithFlow, diz que o talento tecnológico nacional foi uma das razões para aceitar o desafio de vir para Portugal, com o objetivo de transformar a empresa que gere numa companhia global.

Jane Hoffer é CEO da GoWithFlow.

Há pouco mais de um ano na GoWithFlow, empresa tecnológica fornecedora de soluções para sustentar a mudança da mobilidade atual, com base em combustíveis primários, em mobilidade elétrica, Jane Hoffer acredita que o talento, “quando colocado no projeto certo, com a liderança certa, pode dar origem a algo verdadeiramente excecional. É isso que faz de Portugal um lugar único e o lugar certo para a GoWithFlow”, defende.

 

Uma mobilidade eficiente permite às pessoas fluírem através da cidade, ligando ideias e a sua execução, trabalhadores e empresas, cidadãos e instituições, contribuindo para as fundações do crescimento económico. O que é que falta fazer em Portugal para que isso aconteça?

Estamos a viver um período em que está a acontecer uma mudança, sem precedentes, de um sistema de mobilidade com base nos combustíveis primários para outro com base na eletricidade. Para além disso, estamos a viver uma pandemia, que originou uma mudança dramática nos padrões de mobilidade, que não deverá voltar atrás. Mesmo que as pessoas regressem aos escritórios, não o farão com a mesma frequência e intensidade.

Agora temos de olhar profundamente para as razões que levaram a estas mudanças, para criar formas de as institucionalizar. Como afetam a vida nas cidades e o funcionamento das empresas, é preciso ponderar sobre as opções de transporte individual, partilhado e ativo, como bicicletas, e por aí adiante.

É um mundo novo que está a chegar e nós temos de aprender com o que se está a passar, para aplicar esse conhecimento daqui para a frente.

Mas já há bons exemplos implementados, como é o caso da Suíça, que podem ser tidos em conta para o que se vai fazer no futuro.

A Suíça é um bom exemplo, tal como a cidade de Amesterdão, que é líder no que respeita ao transporte ativo. É uma cidade focada na inclusão e integração, que pensa na forma de garantir que os mais velhos têm acesso, de forma segura, ao transporte. Outras cidades estão agora a pensar a forma de melhorar os seus modos de transporte, por diversas vias, tentando várias opções de mobilidade.

Qual poderá ser o papel da tecnologia digital na melhoria da mobilidade das cidades?  Quais serão as vantagens para as pessoas, empresas e instituições?

A tecnologia digital pode permitir a existência de novos modelos de mobilidade, como partilha de carros, motos, e outros. Também pode ser usada para gerir frotas, infraestruturas de carregamento ou negócios para a sua partilha em parques empresariais e condomínios, onde irá contribuir para melhorar a sua eficiência. Nos locais onde existe grande concentração de pessoas com necessidade de se mover, as tecnologias digitais irão permitir a partilha eficiente dessas infraestruturas, ao contrário do que tem acontecido até agora. Há avanços nesse sentido anunciados pela Galp, que criou uma parceria com a Habitat Invest para serviços de mobilidade elétrica em edifícios residenciais.

Quando me mudei dos Estados Unidos para Portugal decidimos viver segundo o modelo que gostaríamos que os outros seguissem. Comprámos um veículo elétrico usado e senti na pele a ansiedade de ver o nível de carregamento da bateria a baixar e a necessidade de ter de decidir se voltava para trás ou procurava outro local [para carregar].

As tecnologias atuais de mobilidade elétrica são ainda muito caras e pouco acessíveis à bolsa do cidadão comum. Para além disso, com honrosas exceções, o raio de ação deste tipo de veículos é significativamente inferior ao dos movidos a combustíveis primários. O que é que se terá de fazer para democratizar o acesso das pessoas à mobilidade elétrica?

Eu sinto este tema de forma muito pessoal. Quando me mudei dos Estados Unidos para Portugal, vendemos os nossos carros. Viemos apenas com alguma mobília, um gato e um cão.

Quando chegámos, decidimos viver segundo o mesmo modelo que gostaríamos que os outros seguissem. Por isso comprámos um veículo elétrico usado, um Volkswagen Golf I de 2015, que foi mais em conta porque o mercado está em crise.

Também queria saber algo mais sobre a forma de carregamento destes veículos, a sua conveniência, raio de ação e por aí em diante. E senti, na pele, a ansiedade de ver o indicador do nível de carregamento da bateria a baixar num veículo elétrico e a necessidade de ter de decidir se voltava para trás, para casa, para fazer o carregamento, ou procurava outro local qualquer. É a experiência que muitos motoristas profissionais e consumidores estão a ter atualmente.

Felizmente as baterias dos veículos que estão a ser lançados agora no mercado permitem percorrer distâncias mais longas. Mas ainda continuamos a estar dependentes da implementação alargada de uma infraestrutura de abastecimento para reabastecer os nossos carros. Sobretudo para assegurar que chegamos a determinado posto e há alternativas, se por acaso um equipamento está avariado. Por enquanto isso raramente acontece no que respeita aos carregadores para veículos elétricos. Mas quase todos os postos têm vários equipamentos para abastecimento de gasolina, gasóleo ou gás, e há sempre uma bomba a funcionar.

Tem de se melhorar as infraestruturas de abastecimento, para garantir, aos cidadãos, que podem optar pela mobilidade elétrica, porque conseguem carregar os seus veículos sempre que necessitarem, seja em casa, no caminho ou no local de trabalho. É isso que está a acontecer. Há grandes investimentos a ser realizados pelas principais empresas, de norte a sul do país, para oferecer estruturas com equipamentos de abastecimento rápido. Mas isso também tem de acontecer no interior. Não se pode investir apenas nas zonas mais povoadas.

Quando a rede de abastecimento de veículos elétricos estiver inserida de forma adequada no mercado, com uma estrutura que garanta a disponibilidade de postos de abastecimento e o fornecimento a todos os veículos, as vendas destes irão crescer. Tanto a de novos como usados, o que contribuirá para que a sua compra se torne mais acessível. Para além disso, também crescerá o mercado de pós-venda. Mas há áreas ainda a ser desenvolvidas, como a do financiamento à aquisição. É algo que já está a acontecer, mais vai levar mais algum tempo.

À semelhança da infraestrutura de carregamento, a rede elétrica também necessitará de evoluir, para existir um maior número de veículos deste tipo a circular nas estradas. Se pensarmos em termos de sustentabilidade ambiental, implica a integração das fontes de energia renováveis na rede elétrica. Como é que se faz e assegura que isso acontece?

Penso que temos absolutamente de o fazer. A transição para a mobilidade elétrica deverá decorrer a par da transição para uma energia mais verde. Por isso estamos a ver um movimento significativo, feito pelas empresas fornecedoras, para desenvolver novas formas de implementar esta mudança. Com a energia solar a sustentar uma grande percentagem desta transição, o nosso futuro também passará pelo hidrogénio, mas mais para a frente. Por agora, as energias solar e do vento centram os investimentos feitos pelos principais fornecedores.

Atualmente, existem várias discussões na costa leste dos Estados Unidos, de onde vim, em relação aos investimentos em energia solar. Não só para abastecimento das comunidades, mas também para melhorar a acessibilidade de empresas e pessoas ao carregamento dos seus veículos elétricos. É isso que temos de fazer em relação ao uso das energias renováveis. Temos de as tornar acessíveis a todas as pessoas e não só a algumas e às frotas das empresas, por exemplo.

Jane Hofer

O facto de já ter tido uma empresa, faz com que Jane Hofer tenha experiência para ajudar empresas jovens a crescer.

Mudou-se para Portugal há mais de um ano. Quais foram as razões para ter aceite este desafio, num país como o nosso?

Tecnicamente, só cheguei em julho do ano passado, por causa da pandemia. Eu aceitei a posição na GoWithFlow no final de 2019. Vim para Portugal e reuni-me com a equipa em janeiro do ano seguinte. Quando voltei para os Estados Unidos em fevereiro, para tirar o meu visto, a pandemia surgiu e não pude voltar a Portugal antes de julho. Por isso trabalhei de forma remota com a equipa durante esse período.

Eu estava a trabalhar para uma empresa portuguesa antes de aceitar este desafio.  Já estava familiarizada com a vida em Portugal e apaixonada pelo país, as suas pessoas e o ecossistema tecnológico do país. Por isso, quando me foi lançado o desafio de me juntar à GoWithFlow, havia já um número significativo de coisas que me atraiam. Para além disso, era a melhor altura para fazer a mudança.

Sou uma apaixonada pela mobilidade sustentável. Quero adquirir mais conhecimento nesta área, para perceber como é que a mudança atual pode transformar a vida dos meus filhos e das outras pessoas.

Porquê?

Porque sou uma apaixonada pela mobilidade sustentável. Quero adquirir mais conhecimento nesta área, para perceber como é que a mudança atual pode transformar a vida dos meus filhos e das outras pessoas.

Também me senti atraída por poder trabalhar com uma start-up deste tipo, que tem, por detrás, um grande investidor, a Galp, com uma tecnologia que foi criada em Portugal para ser aplicada, não só no país, mas em todo o mundo. Trazer a minha experiência de empreendedora norte-americana para a equipa e colocar toda uma divisão de pé e fazer dela uma companhia global é entusiasmante. E a cereja no topo do bolo é poder viver num país lindo, onde é muito bom estar.

Agora que os nossos filhos já são adultos, o meu marido também achou que era a oportunidade certa, no tempo certo, para nos aventurarmos e fazermos uma mudança tão significativa nas nossas vidas.

A principal vantagem da nossa tecnologia é permitir, às empresas, fazerem a transição das suas frotas para a mobilidade sustentável, durante um período relativamente longo de tempo.

O que é que a GoWithFlow faz?

A mudança das frotas de transporte das empresas da mobilidade a gás e diesel para a eletricidade irá ter grande impacto na redução das emissões de CO2, já que os transportes são os maiores emissores deste tipo de gases com efeito de estufa. Para que essa mudança decorra, os seus gestores têm, primeiro, de decidir quando e como a vão iniciar, e quais os veículos envolvidos nisso, tendo em conta fatores como o seu raio de ação e carga.

A nossa empresa tem ferramentas que nos permitem analisar as frotas e identificar os veículos que podem ser modificados e em que altura, especialmente se tiverem contratos de leasing e outros.

O processo começa com a análise em relação ao passo inicial que deve ser dado. A principal vantagem da nossa tecnologia é permitir, às empresas, fazerem a transição das suas frotas para a mobilidade sustentável, durante um período relativamente longo de tempo. Isso é essencial nos dias de hoje porque não se muda uma frota inteira de uma empresa do dia para a noite, mas também porque ainda não estão disponíveis as infraestruturas públicas e privadas de carregamento necessárias para assegurar a sua acessibilidade.

Nós podemos ajudar a gerir esta mudança, através do fornecimento de ferramentas, análises e relatórios, alarmes, para que as operações relacionadas com essa transição sejam facilitadas.

A tecnologia da GoWithFlow também facilita o acesso à infraestrutura de carregamento e fornece, às empresas e aos seus responsáveis, o acesso, em tempo real, às suas frotas, através de painéis que mostram métricas e indicadores importantes para alcançar objetivos e metas traçadas, facilitando a compreensão das informações que vão sendo geradas. Desta forma sabem o que cada veículo está a fazer e quais são os níveis das suas baterias, por exemplo, o que facilita a gestão de uma frota que poderá ter, em simultâneo, veículos a gasóleo, gás, híbridos e a eletricidade, de forma a poder guiá-los até à infraestrutura disponível de carregamento, seja na empresa, na estrada, ou nos seus clientes.

Trazer a minha experiência de empreendedora norte-americana para a equipa, colocar toda uma divisão de pé e fazer dela uma companhia global é entusiasmante.

Quais foram as mais valias que considera que trouxe consigo para o projeto GoWithFlow?

São várias. A primeira é que tenho sido uma empreendedora desde o início da minha carreira. Construí a minha própria empresa de software durante 12 anos, que depois vendi. A experiência adquirida tem contribuído para ajudar empresas jovens a crescer.  Já tem muitos anos, tenho de admitir, e pode ser muito valiosa para uma companhia jovem como a GoWithFlow.

A forma norte-americana de fazer as coisas tem a ver com possibilidades e pensar em grande, globalmente. E uma das coisas que eu estou a fazer é pôr a mente da equipa a pensar nas possibilidades da empresa, que penso que não será apenas atuar no país ou na Península Ibérica, mas sim no mercado global. Irá crescer porque o mundo precisa da nossa tecnologia e nós temos potencial para fazer grandes coisas, noutros lugares. Penso que este otimismo, este pensamento sem barreiras nem enviesamentos, faz parte do meu estilo de liderança, que passa também por dar a cada pessoa a oportunidade de fazer o que faz melhor.

Qual a parte mais aliciante do seu trabalho atual?

Para além da oportunidade de trabalhar com pessoas inteligentes, a parte mais atrativa do meu trabalho é estar envolvida numa mudança e no crescimento de uma empresa, onde não há dois dias iguais.

O sistema educativo é muito bom e o talento tecnológico português é muito elevado. Este país produz pessoas com capacidades excecionais em todas as áreas, algo que já tinha percebido anteriormente e continuo a verificar à medida que trabalho com a minha equipa.

Quando o talento é colocado no projeto certo, com a liderança certa, pode dar origem a algo verdadeiramente excecional. É isso que faz de Portugal um lugar único, o lugar certo para a GoWithFlow.

Qual é o balanço que faz do seu primeiro ano?

Estou muito contente com a forma como decorreu o primeiro ano, tendo em conta que não estive fisicamente com a equipa nos primeiros meses, conforme gosto, para ter e transmitir a sensação de que estamos todos juntos nisto. Mas tendo em conta a pandemia. e que estive seis meses nos Estados Unidos durante ao no passado, conseguimos realizar muitas coisas.

É verdade que ainda há muito a fazer, como seria de esperar numa start-up. Os nossos objetivos no primeiro ano foram de desenvolvimento do processo para vender as nossas tecnologias. E foi isso que fizemos. Também assegurámos a conquista de clientes muito interessantes no mercado norte-americano, através de demonstrações que realizámos para mostrar o potencial da tecnologia e suscitar o interesse do mercado global. Conseguimos espalhar a mensagem sobre quem somos, independentes da Galp, mas com a sua força, e que a parceria com a empresa pode ajudá-los a alcançar os seus objetivos de mudança para um futuro mais verde, e fazer a transformação necessária. Por isso tudo, penso que foi um primeiro ano bem-sucedido, e estamos muito entusiasmados com 2021.

 

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