O percurso de Lígia Cardiga é algo invulgar: licenciada em Línguas e Literatura Moderna (Inglês e Alemão), é hoje diretora de operações responsável pelo contact center da Fidelidade Assistência.
Nasceu em Lisboa há 50 anos, e durante a juventude viveu em várias cidades portuguesas, sobretudo a norte. “O meu pai fazia planos de solvência e recuperação económica, na altura da adesão de Portugal à CEE e dos dinheiros comunitários. Por isso, era muito requisitado por várias empresas que se queriam candidatar a esses fundos. Somos desenraizados por causa disso: morámos em Braga, Famalicão, Viseu…”
Começou a carreira na Têxtil Manuel Gonçalves, onde foi comercial especialista em vendas para mercados de língua estrangeira, ainda com 18 anos. Em seguida, completou o seu curso superior enquanto trabalhava na TAP, como hospedeira de bordo. Curso terminado, ingressou na Jerónimo Martins como personnal assistant. Foi aí que Luís Ribeiro Vaz, que à época pertencia à Comissão Executiva do grupo, a desafiou a prosseguir os estudos, notando-lhe a vocação para as apresentações em público e para os relacionamentos interpessoais. Seguindo o conselho, demitiu-se e investiu num MBA em Inglaterra, estudando primeiro no European College of Business Management e, mais tarde no University of East London — “o meu primeiro grande investimento”, relembra — com cadeiras de Gestão e de Finanças nada fáceis para quem vinha de uma área de Humanidades. “Foi muito duro. Precisei de explicações em Finanças porque nem sequer sabia ler um balanço.”
De regresso a Portugal, trabalhou na Portugal Telecom, onde foi responsável de Qualidade e gestora de projetos. Antes de chegar à Fidelidade ainda passou pela Europ Assistance, onde assumiu o cargo de diretora de Operações. Na Fidelidade desde 2011, Lígia Cardiga confessa-se fascinada pelo seu trabalho em CRM. “O português é muito generoso— a elogiar e a ralhar. Ralha mais verbalmente, elogia mais de forma escrita. É muito gratificante trabalhar nesta área, porque vemos o retorno imediato daquilo que fazemos. É a profissão em Portugal em que mais depressa se chega a cargos de chefia.”
A sua relação com o dinheiro sempre foi pautada por uma forte aposta no investimento. Começou a fazê-lo muito cedo e de forma completamente autodidata foi começando a entender os mecanismos do mercado acionista, investindo depois com sucesso na Bolsa de Lisboa. Apesar de “ser muito racional” na forma como aplica o dinheiro e de gostar pouco de gastar em coisas supérfluas para si própria, diz que adora poder ser generosa, sobretudo em mimos para a família.
Recorda-se do seu primeiro emprego e o que fez com o primeiro salário?
O meu primeiro emprego foi na TMG onde aprendi valores de ética e moral profissional – pelos quais ainda hoje me rejo cegamente – e onde me revelaram de que é que eu era capaz. Na altura tinha 18 anos. O meu primeiro salário foi gasto quase na totalidade em compras de alimentos “luxuosos” no recém inaugurado Continente de Matosinhos. Dos 80 contos que ganhei, gastei cerca de 60 em iogurtes, queijo, bifes, batatas fritas e outros alimentos a que na altura a minha família tinha acesso limitado.
Como define a sua relação com o dinheiro?
Bipolaridade! Sou incapaz de esbanjar dinheiro comigo e faço uma gestão muito racional e algo austera das minhas necessidades. Por outro lado, sou extremamente libertina com as necessidades dos meus pais e dos meus sobrinhos! Uso o dinheiro na construção de um futuro que não passe pela dependência financeira. Quero dar à comunidade, sem estar preocupada com o pagamento das contas da água, luz, gás, etc…
Qual foi o melhor conselho que já recebeu (em matéria financeira)?
“O melhor investimento financeiro que podes fazer é na tua educação.”
Como escolhe os seus investimentos?
Escolho os meus investimentos financeiros, pelo risco controlado, prazo e liquidez. Nos meus investimentos em património, para além destes três fatores acrescento a ligação emocional e afectiva ao mesmo: se é algo que me faz feliz, agora e no futuro, compro.
Qual foi o melhor investimento que fez até hoje?
A título financeiro, a compra e venda de acções das start ups das telecoms, em plena bolha das telecoms, em 2000, bem como acções da banca e de outras empresas cotadas na Bolsa de Lisboa e Porto [atualmente, Euronext Lisboa], em plena época de euforia bolsista. Com os lucros destas transacções comprei a pronto pagamento um Citroen AX11 TRE novo em folha! Hoje, não tenho carro — não faz sentido gastar em manutenção, combustível e pneus para ir de casa para o emprego. A título pessoal, o meu MBA em Londres, que custeei com grande esforço, não só em termos monetários, mas em termos pessoais também. De todos os meus investimentos, foi sem duvida o que teve o melhor ROI.
Procurou aconselhamento para investir no mercado acionista ?
Não. É muito fácil investir em ações, só tem uma obrigatoriedade: acompanhar o mercado acionista todos os dias, na Bolsa de Lisboa e também as principais bolsas mundiais. A pessoa que eu acompanhava no Grupo Jerónimo Martins, o Dr. Francisco Soares dos Santos, todos os dias lia o jornal e, como eu chegava sempre antes dele, lia o Financial Times todos os dias antes dele. Ao fazê-lo, fui ganhando uma perceção de como “brincar” às ações. Eu queria ser boa naquilo que fazia — fazia apresentações em PPT para os acionista da empresa e, para saber do que estava a falar, lia o jornal. Assim comecei a perceber devagarinho como investir em ações. Ganhava muito bem e tinha folga financeira para isso. É verdade que as mulheres são mais avessas ao risco, mas quando esse risco é controlado, investem. Se eu souber que vou perder 100 ou 200 euros e estiver disposta a perdê-los, arrisco. Mas se me disserem que vou perder 1500, se calhar já não o faço. Ganhei bastante dinheiro com ações e com ele também patrocinei o meu MBA, que custou 38 mil euros.
Texto: Manon Abrantes e Cristina Correia