“Desde pequena que a fotografia foi para mim o passatempo mais agradável. Nunca fiz nenhuma viagem sem levar a máquina comigo e, muitas vezes, o prazer maior era o de poder tirar fotografias: se, por qualquer motivo, me não era possível fazê-lo, o passeio não tinha para mim o mesmo encanto.”
Era assim que Helena Corrêa Barros (1910-2000) descrevia a sua paixão à “Revista ao Serviço da Arte Fotográfica”, em 1955. Um trajeto que começou muito cedo, quando lhe ofereceram a primeira câmara, ao 14 anos — o pai, Fortunato Abecassis, também era um entusiasta — e que só terminou em 2000, pouco antes da sua morte. Mais de 70 anos dedicados a retratar viagens, pessoas e “momentos únicos”, como chamou à sua forma preferida de registar imagens em que “movimento, efeito de luz ou posição” se conjugavam da forma perfeita. “Conseguir um momento desses, aliando a beleza à boa técnica, constitui o ideal em fotografia. Esses momentos são raros e aparecem por sorte, mesmo quando andamos à procura deles…”, disse à mesma publicação.
O resultado desta paixão de uma vida inteira foi um espólio de milhares de imagens, que hoje se dividem entre a família e o Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico, responsável por uma mostra da sua obra, patente até 23 de fevereiro, em Lisboa.
Uma mulher à frente do seu tempo, caracterizada pelas filhas e netas como “organizada, exigente e empreendedora”, Helena Margarida Buzaglo Abecassis (Corrêa de Barros por casamento, em 1937) começou cedo a ganhar mundo, como explica Otília Esteves em “Helena Corrêa de Barros – Fotografia: a minha viagem preferida”, monografia publicada pelo Arquivo Municipal de Lisboa. Nascida numa família judia com raízes em Inglaterra, com apenas 15 anos foi para Estugarda, onde passou os 3 anos seguintes a estudar numa Escola Waldorf, abordagem pedagógica que privilegiava o desenvolvimento da criatividade, espírito crítico, responsabilidade e equilíbrio emocional. O amor pela natureza e pela arte, o foco na ciência mas também nos valores morais e espirituais defendidos por esta pedagogia viriam a marcar a sua personalidade e formação, bem como a sua visão criativa e artística ímpar. Uma educação ainda hoje considerada progressista, que a diferenciava de outras mulheres portuguesas da sua geração, pela sua visão holística e cosmopolita.
O mundo pela lente de Helena
As viagens que teve oportunidade de fazer desde a adolescência, e que viriam a ser uma constante na sua vida, trouxeram-lhe o contacto precoce com outras culturas e com pessoas fora do seu círculo familiar. A Europa é o cenário de muitas das suas imagens, registando quer as suas passagens por cidades como Londres, Bruxelas, Atenas, Veneza ou os passeios aos Alpes Suíços, como as ruínas deixadas pela II Guerra Mundial nas margens sul do rio Arno, em Itália. Em 1950 viaja até Angola, onde fotografa paisagens, grandes empreendimentos, trabalhadores ou bulício dos mercados. Duas décadas mais tarde, conhece a Ásia, de onde nos chegam imagens de Hong Kong, Camboja, Tailândia e Japão.
Com ela, viajavam também as suas câmaras de eleição, Leica M3 e Leica R4, equipamentos de exceção para uma “fotógrafa que nunca foi profissional, mas que trabalhava como se fosse”, como observa Paula Figueiredo Cunca na monografia “Fotografia: a minha viagem preferida”. A opção pela fotografia a cores, patente na maior parte da sua obra, sobretudo em viagem e momentos da vida familiar, materializada na excelente (e dispendiosa) película Kodachrome, são também prova disso mesmo. Fotografava em película de 35mm, “num registo mais solto, dinâmico e moderno, que seduz qualquer espectador”, como aponta ainda a mesma autora, numa época em que opção quase generalizada era fazer imagens a preto e branco, em médio formato. Esta é uma característica que marca este espólio como uma obra de exceção no nosso país.
Mas Portugal é também um dos temas mais centrais da sua obra fotográfica, retratado em imagens de momentos em família (Praia Grande, Arrábida, Madeira, o Tejo e os seus passeios a bordo de embarcações), nas suas tradições e gentes. E é sobre estes dois últimos temas que encontramos algumas das suas imagens mais artísticas, a preto e branco, explorando texturas, contrastes de luz e sombra, geometria, sempre com uma sensibilidade rara. Aqui, ganham destaque os temas de pesca e da vida dos pescadores, o trabalho no campo, mas também algumas imagens vanguardistas nas suas opções de enquadramentos ou pormenores minimalistas. Em Angola também viria a fotografar a preto e branco, registando os contrastes entre colonizadores e colonizados em cenários de trabalho, como lembra Filipa Lowndes Vicente.
Helena Corrêa de Barros fotografava quando poucas mulheres o faziam ainda, na primeira metade do século XX, participando em clubes de fotografia quase exclusivamente masculinos e em exposições e salões, de forma regular, a partir de 1953. Aliás: na década de 50 o seu é o nome feminino mais ativo nos catálogos de exposições, nacionais e internacionais, do Arquivo Municipal de Fotografia. As suas participações nestes certames atravessam toda a década, ao contrário do que aconteceu com outras fotógrafas nacionais, o que revela o seu “investimento, interesse e persistência em transgredir a mera domesticidade privada da sua prática fotográfica”, como escreve Filipa Lowndes Vicente em “Fotografia: a minha viagem preferida”
Razões de sobra para visitar esta exposição até 23 de fevereiro de 2019. Aberta de segunda a sábado, das 10:00 às 19:00, no Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico, Rua da Palma (metro: Martim Moniz). Entrada livre.