O projeto de Isabel Ferreira, professora do Departamento de Ciência dos Materiais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL) e investigadora do CENIMAT/I3N, que visa integrar condensadores termoelétricos e fotovoltaicos de filme fino num único dispositivo, ganhou uma Bolsa do European Research Council – ERC. O objectivo é converter energia térmica e fotónica em energia elétrica e, simultaneamente, armazenar essa energia.
A investigadora, que se descreve como fascinada com o desconhecido, é responsável por nove projectos de investigação e supervisiona uma equipa de 16 investigadores. Para convencer o júri, não terão sido alheios os mais de 90 papers que publicou desde o seu doutoramento e o facto de ter desenvolvido baterias de papel. A Executiva.pt entrevistou-a durante a conferência TEDxFCT-UNL, onde foi uma das oradoras.
Como teve a ideia de fazer baterias de papel? Surgiu de uma conversa. Normalmente as ideias surgem assim, às vezes do nada. Pensei que seria bom fazer uma bateria que produzisse energia, que fosse leve, e, ao mesmo tempo, fabricada com materiais amigos do ambiente, facilmente recicláveis. Então, pensei um bocadinho e imaginei que talvez impregnar sal, que é um eletrólito, num papel e colocar dois eletrodos, um positivo e um negativo pudesse gerar eletricidade.
E experimentou… Experimentei e resultou. Depois foi preciso dar o passo à frente e investigar porque é que resultou.
Não esperava que funcionasse? Esperava que resultasse, mas há sempre um hipótese de não resultar.
Como evoluiu depois esse projeto? Evoluímos para bio baterias que usam o mesmo conceito, mas com bio fluídos do corpo e, portanto, pode ser usado na biomédica. Daí evoluiu para o armazenamento de energia com condensadores, que é uma parte da minha ERC, e depois o desenvolvimento de outros materiais que convertam energia, sobretudo aquela que temos mais disponível, que é a energia do sol. Nunca sentimos que acabamos uma coisa. Não sei onde esta investigação nos vai conduzir e espero que não saiba mesmo, porque isso é que é interessante. Mas, no final, esperamos ter um demonstrador, que prove que é possível produzir e armazenar energia num mesmo dispositivo: deixamos de ter baterias, painéis fotovoltaicos e materiais termo elétricos e fica tudo num único dispositivo.
No seu laboratório existe, palpável, o resultado das suas investigações a funcionar? Algumas sim. A da ERC não, há-de ser desenvolvia.
Temos de querer tentar, de querer fazer de maneira diferente.
Como se ganha uma bolsa desta dimensão? Temos de saber se as ideias são inovadoras ou não, por isso temos de pesquisar se o que estamos a propor já existe. Temos de mostrar na proposta que a ideia não existe, que é inovadora, e portanto vamos ser pioneiros nesse trabalho. A segunda parte é demonstrar que temos o conhecimento para desenvolver aquela ideia no prazo de cinco anos. Como a ideia é baseada na bateria de papel e noutros dispostitos que desenvolvi, estava fundamentada, pois dá segurança a quem avalia a proposta e investe o dinheiro. Obviamente que isto podia não chegar. Há aqui o fator sorte, que é o fato de os membros do painel estarem receptivos. Temos de florear um bocadinho a ideia e vendê-la como a melhor do mundo.
Como ser mais criativa? As ideias podem ocorrer na insónia. Sei que elas estão cá dentro e, de um momento para o outro, surgem. Mas acho que surgem porque eu estou sempre a pensar como é que com uma coisa consigo fazer outra coisa melhor. Estou sempre a pensar nisso, portanto alguma vez há-de surgir a ideia. Temos de querer tentar, de querer mudar as coisas, de querer fazer de maneira diferente. Se quisermos isso, começamos a pensar de maneira diferente, a pensar no que existe, no que pode ser feito, no que nem sequer sabemos… e chegamos a algo que vamos ver se funciona.
É ao erro que vamos buscar o melhor conhecimento.
Qual o papel da tentativa e erro na atividade científica? Esse é um aspecto muito importante. Nunca podemos pensar que vamos errar. No meu doutoramento era proposto eu desenvolver células solares. Foi construído um sistema pra desenvolver células solares. A meio da tese verifiquei que o material produzido não dava para células solares, pior, era muito mau para células solares. Eu não desisti. Peguei nas características do material que estava a desenvolver e fiz um sensor de gás. Temos de estar atentos ao que estamos a desenvolver e nunca ficar bloqueados. Não dá? Não vamos por de parte. Vamos ver para que é que isto serve. Acabei por ficar com duas boas aplicações. Acho que não desistir, continuar a tentar, é uma maneira positiva de olhar para as coisas, na ciência e na vida. Errar é positivo. Errámos, mas sabemos porque é que errámos e isso é o mais positivo. É ao erro que vamos buscar o melhor conhecimento.
A curiosidade é quase inata num cientista. Tem de ser: a curiosidade, o gosto por descobrir, por ir mais além. E gostar muito do que se faz. Se um cientista não gostar do que faz, não vale mesmo a pena. Quanto mais conhecemos, maior a ânsia de conhecer mais e a certeza de que sabemos muito pouco.
Não é cansativo, estar sempre na idade dos porquês? Não. Do nosso ponto de vista isso é uma coisa natural. Não perguntar é que não é natural. O ponto de interrogação acompanha-nos sempre.
E como se sente quando a ideia que imaginou funciona? Normalmente sou muito contida. Funciona à primeira vez, ok. Vou testar outra vez e penso que se calhar há ali qualquer coisa, Testo a terceira vez e tenho de repetir uma série de vezes para me convencer de que funciona. Mas dá um gozo de forma contida.
Os homens continuam a ver as mulheres como inferiores.
Há muitas mulheres a fazer ciência? Há muitas mulheres a fazer ciência, mas ao contrário do que era a minha expectativa há uns anos, continua a ser um meio dominado pelos homens. E mais: os homens continuam a ver as mulheres como inferiores. Às vezes sinto isso.
Por que é que os cargos de chefia continuam a ser dominados s pelos homens? Porque é uma questão cultural e porque os homens se protegem uns aos outros. Já me aconteceu vária situações com colegas reagir, em tom jocoso quando proponho fazer uma coisa, mas depois um homem propõe uma coisa semelhante e a ideia já é muito boa, mudam logo. É incrível como isto ainda acontece. Mas não podemos ligar a isso. Tem de ser uma ignição para termos mais força e para continuar.
O que mudou na sua vida com a bolsa? Estas bolsas dão-nos dinheiro para nos tornarmos autónomas em termos de investigação. Estou a criar o meu próprio grupo de investigação.
A intuição é como se o coração falasse.
Como é composta a sua equipa? Eu não seleciono por serem homens ou mulheres. Seleciono ou porque têm uma determinada capacidade para a função que quero, ou porque as pessoas vêm ter comigo. Seleciono sem saber que as pessoas pensam da mesma maneira do que eu. É talvez intuição.
Na palestra TEDxFCTUNL disse que a intuição também tem um papel na atividade científica. Sim, seja lá isso o que for. Não conseguimos definir a intuição, é aquela sensação de “eu tenho de fazer isto”. Talvez daqui a muitos anos conseguimos explicar. É como se o coração falasse, eu sinto que tenho de fazer isto. Se a intuição baseada no conhecimento vos diz que algo vai funcionar, sigam a vossa intuição.
É outra característica inata nos cientistas? Nem todos têm. Sobretudo os homens são muito racionais e isso pode ser um impedimento a que consigam fazer coisas muito diferentes.