A nova geração de artistas plásticas portuguesas tem em Cristina Rodrigues um dos seus nomes mais promissores. Formada em arquitetura em 2004, mestre em História Medieval e do Renascimento, foi viver para o Reino Unido em 2008, onde trabalhou como docente universitária e completou o doutoramento em Art & Design pela Manchester School of Art.
Foi também em Manchester que a sua obra começou a conquistar mundo, enquanto, paradoxalmente, estreitava a sua relação com a comunidade feminina portuguesa. Em 2014, a sua exposição ‘Women of my Country’, patente na catedral daquela cidade, foi visitada por 200 mil pessoas em apenas três meses. A Mulher tornava-se assim “a musa” do seu trabalho, ainda que “de uma forma não intencional”, como ela própria define.
O seu mais recente projeto é também um dos mais ambiciosos: uma instalação de arte contemporânea composta por sete obras têxteis em bordado tradicional de Castelo Branco, pensadas para os quatro altares da Catedral de Manchester. A obra, que será inaugurada em setembro com a presença da Família Real Britânica, fará parte da parte da coleção permanente da Catedral e é uma homenagem à rainha Isabel II — a quem aquele templo da Igreja Anglicana é dedicado — e à relação entre Portugal e Reino Unido. Há dois anos que trabalha neste projeto, desenvolvido em parceria com a Oficina Escola de Bordado de Castelo Branco.
“Achei particularmente interessante mover a comunidade portuguesa a ir ver a sua cultura num país onde nem sempre ser português é entendido como algo de positivo.”
Com projetos onde cultura e saberes tradicionais portugueses se conjugam com a arte contemporânea, o trabalho de Cristina Rodrigues está a internacionalizar-se. No início de 2016 foi capa da revista americana Sculpture; entre setembro e novembro teve uma exposição monumental espalhada por vários espaços de Sevilha e, em dezembro, participou na Bienal de Arte de Colombo, Sri Lanka, a convite de Alnoor Mitha, curador do evento e um dos mais destacados curadores do Reino Unido.
Encontrámos a artista plástica no Porto, cidade onde nasceu há 36 anos, e estivemos à conversa sobre a sua obra e o papel da mulher portuguesa na Arte — na sua e no mundo.
Fale-nos deste projeto de obras para a exposição permanente da Catedral de Manchester. Como está a decorrer a produção, quem trabalha neste projeto?
Estão seis pessoas a trabalhar de segunda a sábado na Oficina Escola de Bordado de Castelo Branco, oito ou mais horas por dia. Estamos há dois anos a produzir sete grandes peças têxteis. A própria Catedral se propôs a expor, depois, esta coleção pelo mundo.
Em primeiro lugar, achei particularmente interessante mover a comunidade portuguesa a ir ver a sua cultura num país onde nem sempre ser português é entendido como algo de positivo. Uma exposição que mostra alguns dos aspetos positivos do nosso país tem um grande papel na promoção da autoestima do português. Durante a exposição de 2014, pela primeira única vez, a bandeira de Portugal foi içada durante sete dias na Catedral. Quando recebi o convite para fazer esta obra de cariz permanente, num projeto que fala das duas nações — os aliados mais antigos do mundo — pensei na ligação histórica entre Portugal e Inglaterra e como a Catedral de Manchester é dedicada à rainha Isabel II. Aquando da única visita da Rainha a ao nosso país, há 60 anos, foi-lhe oferecida uma colcha em bordado de Castelo Branco. Foi um momento memorável para toda uma geração de portugueses, que nunca mais se repetiu. Decidi então criar a obra toda em bordado de Castelo Branco, contando um pouco da história dos dois países, ambos países imperiais. A base de todas as obras é o Mar e a Terra, aquilo que levou Portugal e a Inglaterra ao mundo.
Qual foi a reação do público britânico à exposição ‘Women from my country’?
Muitos dos visitantes eram turistas, outros cristãos que se deslocam semanalmente à Catedral, mas houve também uma grande massa de visitantes portugueses que vivem em Inglaterra, que normalmente não vão até lá e foram propositadamente para ver esse projeto. Ele começou a partir do meu trabalho como investigadora e etnógrafa — passei vários anos a fazer trabalho de campo, entrevistando e fotografando mulheres. Surgiu de forma natural: fui recolhendo objetos delas, que depois utilizei na produção da minha obra. Uma obra em particular, a manta, foi produzida com o adufe, um objeto reconhecível na Raia, mas existiu também o projeto de montar um conjunto de obras — os ‘Enlightenments’ — com mulheres imigrantes da comunidade portuguesa a viver na área da grande Manchester, que vinham ao atelier aos fins de semana ou em horário pós-laboral para trabalharem nos grandes lustres que foram expostos na Catedral e que, mais tarde, foram capa da revista Sculpture.
A escolha de mulheres para este projeto não foi propositada: quando entrevistava homens e mulheres, percebi que elas manifestavam mais abertura e uma maior facilidade de diálogo e que pegavam em temas muito mais profundos, muito mais rapidamente do que os homens. E são mulheres fantásticas. Uma das participantes, a Iolanda Banu Viegas, tem uma das maiores associações em prol da defesa dos imigrantes, em Wrexham, tem feito imensas iniciativas em prol da igualdade e contra os crimes de ódio cometidos contra imigrantes. Foi uma oportunidade enorme para mim, não apenas de criar obras de arte, mas também de conhecer melhor a minha sociedade e pessoas extraordinárias.
Tem exposto bastante no estrangeiro, com obras inspiradas na cultura portuguesa. O que é que essas experiências lhe têm ensinado?
Acima de tudo, nas pequenas coisas locais e muito portuguesas, encontrei a linguagem mais universal e global possível. A última experiência foi com o município de Viseu, em que trabalhámos o linho artesanal feito pelas tecedeiras da Várzea de Calde, trabalhado exatamente da mesma maneira como é feito no Sri Lanka. Torna-se fácil contar a história de algo tão singelo, mas que é uma linguagem tão universal, porque a forma de o fazer é igual em várias partes do mundo — e igual desde antes de Cristo. Tento pegar sempre em questões transversais e levar aos outros países histórias de Portugal que eles vão reconhecer como fazendo parte também da sua própria cultura.
“Até 2007, apenas 3 mulheres no mundo conseguiram vender uma obra por mais de um milhão de dólares; homens, já se contavam mais de mil.”
O que nos falta às portuguesas nas artes para terem mais reconhecimento internacional? É preciso mais incentivo?
Eu acho que têm bastante reconhecimento, sobretudo as mulheres. Temos uma portuguesa no top das melhores artistas do mundo, a Paula Rego; temos a Joana Vasconcelos, tivemos a Vieira da Silva, artistas que são reconhecidas fora de Portugal e que são muito fortes — até mais do que os homens, arrisco dizer — quer em termos financeiros — porque a arte delas vale mais — quer a nível de presença internacional. Se há área em que há uma grande discriminação é na Arte: até 2007, apenas 3 mulheres no mundo conseguiram vender uma obra por mais de um milhão de dólares; homens, já se contavam mais de mil. Mas em Portugal, as figuras de peso são femininas.
No clima económico em que vivemos e em que todas as áreas da sociedade sofrem as consequências, as Artes têm que sofrer ao mesmo tempo que as outras. Mas a Cultura nunca teve uma percentagem muito significativa dos nossos orçamentos de estado, portanto é importante não cortar, porque essa percentagem já é muito abaixo de todas as outras. Acredito sinceramente que uma das maiores imagens de competitividade de Portugal passa pela Arte e Design. Se pensarmos em nomes como Siza Vieira, Eduardo Souto de Moura ou Paula Rego, eles criam uma imagem muito positiva, competitiva e forte daquilo que são o Design e a Arte nacionais.