Clara Armand-Delille: “A coisa mais arriscada que se pode fazer nesta economia é ficar confortável num trabalho corporativo”

Depois de 8 anos em Londres, Clara Armand-Delille, fundadora e diretora da agência ThirdEyeMedia, veio para Portugal, procurando recuperar da exaustão. Depressa estava a responder a solicitações de graça, até que decidiu colocar um preço nessa ajuda. A decisão de que mais se orgulha foi a de "ter deixado a zona de conforto de um emprego 'estável' e nunca olhar para trás."

Clara Armand-Delille é fundadora da ThirdEye Media

De nacionalidade francesa e norte-americana, Clara Armand-Delille, viveu em cinco países, fala seis idiomas e tem uma carteira de clientes espalhados por todo o mundo. Foi em 2014 que decidiu abandonar o mundo corporativo, deixando para trás cargos em empresas como a Google, Accel Partners e iZettle, e sedear em Portugal a sua própria agência de Comunicação e Relações Públicas, a ThirdEyeMedia, agência que em oito anos de atividade trabalhou com marcas globais como Wise, Atomico Ventures, Sorare, Super Agent e KOBA e tem assume a sua diferenciação pelo facto de trabalhar com diversos mercados e idiomas em simultâneo.

A mudança para Portugal surgiu quando Clara Armand-Delille procurava um maior equilíbrio entre o trabalho e o seu bem-estar. “No final de 2014, quando me senti totalmente esgotada e a precisar de uma mudança drástica, dei um salto de fé e mudei-me para cá. Como sempre comentei com os meus amigos, na altura não sabia se seria por 3 meses, 3 anos ou 30 anos. Oito anos depois, sou empresária aqui!”, resume.

Já viveu e trabalhou em mais de cinco países. Que aprendizagens principais trouxe de cada uma dessas experiências?

Já trabalhei em França, Reino Unido, Suécia, Estados Unidos, Brasil e México, e agora em Portugal. Cada país tem uma cultura de trabalho distinta. Acho que o que descobri ao longo do caminho é o quanto eu aprecio a cultura de trabalho anglo-saxónica. As pessoas tendem a ser bastante diretas no mundo dos negócios, confiáveis e consistentes na sua entrega e execução, ótimas a reportar e verdadeiros team players. Tudo isto gera um ótimo ambiente de trabalho, que é absolutamente essencial para qualquer consultor.

Construí a cultura da ThirdEyeMedia em torno destes valores e procuro membros para a equipa e parceiros que tenham esta mesma abordagem de trabalho.

Clara Armand-Delille: “Vim para Portugal porque me sentia esgotada pela cultura de estar sempre on”

O que a trouxe a Portugal?

Vim para Portugal depois de quase 8 anos a trabalhar no Reino Unido, em vários “grandes” empregos, como gerir a comunicação para a Google, Accel Partners e depois para a iZettle (que é hoje a Zettle). À semelhança de muitas pessoas que trabalham no mundo corporativo, sentia-me esgotada pelas longas horas, pela cultura de estar sempre on e também pela presença obrigatória no escritório — que, finalmente, as pessoas agora reconhecem que é obsoleta. Procurava uma mudança estrutural profunda e não apenas uma nova função numa nova empresa.

Já tinha viajado para Portugal em trabalho várias vezes durante meu percurso na Google, com a missão de dissuadir a associação de editoras portuguesas de processar a Google Books e a Google News, que na altura foi uma forte polémica. Apaixonei-me pelo que, naquela altura, era o ritmo de vida tranquilo, a luz do sol e a costa atlântica intocada em Portugal e vinha uma vez por ano para umas férias curtas e rejuvenescedoras. No final de 2014, quando me senti totalmente esgotada e a precisar de uma mudança drástica, dei um salto de fé e mudei-me para cá. Como sempre comentei com os meus amigos, na altura não sabia se seria por 3 meses, 3 anos ou 30 anos. Oito anos depois, sou empresária aqui!

Porque decidiu tornar-se empresária e deixar o mundo corporativo?

Foi uma decisão muito orgânica. Quando me mudei para Portugal não queria de todo pensar em Comunicação e Relações Públicas, precisava de parar para respirar. Mas rapidamente percebi que tinha uma enorme rede de contactos de profissionais na área de tecnologia. Embora eu estivesse a tentar fazer uma pausa, não passava uma semana sem que alguém — um ex-Googler que se tinha tornado empresário, um investidor que eu conhecia, uma agência de Relações Públicas — me contactasse para pedir conselhos ou apresentar alguém do setor. De repente, dou por mim a responder a todas as solicitações de graça. Foi então que pensei para mim mesma: a próxima pessoa que entrar na minha caixa de e-mails a pedir ajuda, vou responder apresentando uma proposta de estratégia de Relações Públicas com o respetivo valor financeiro. Em dois meses já estava ocupada com três clientes!

Como surgiu a ideia da agência de comunicação e relações públicas e em que se diferencia  a ThirdEye Media?

Inicialmente, não pretendia construir uma agência. Comecei a trabalhar com alguns clientes de forma natural e orgânica e, a partir daí, em resposta à procura, construí uma pequena equipa e uma sólida rede de parceiros de Relações Públicas espalhados pela Europa, Estados Unidos e América Latina.

A nossa maior diferenciação é o facto de sermos uma agência boutique de RP que atende às necessidades dos nossos clientes de forma multimercado e multilíngue. Se é um investidor em Espanha, com investimentos em toda a Europa, pode ser necessário criar o seu perfil no Reino Unido, Alemanha ou Itália. Se é uma startup portuguesa que obteve financiamento de uma empresa de capital de risco britânica e lançou operações em Espanha e França, poderá ter de emitir um comunicado de imprensa no Reino Unido, França, Portugal e Espanha. Este é normalmente o tipo de serviço que prestamos.

Conselho de carreira de Clara Armand-Delille: “Sinta-se confortável em assumir riscos na sua carreira!”

Quais as suas características, comportamentos e atitudes que contribuíram para o percurso que tem feito?

Sou uma generalista. Estudei Ciências Políticas, História contemporânea, Línguas e Economia. Desde muito cedo que tinha um especial interesse pelos media e a forma como relatam determinadas notícias, como a linha editorial pode diferir entre um Diário de Notícias e um Dinheiro Vivo, por exemplo.

Foi esse interesse pela comunicação social que me levou a procurar o meu primeiro emprego nos tempos em que era estudante na faculdade, numa agência de Relações Públicas. Tive muita sorte em poder trabalhar numa agência dirigida por um profissional de Relações Públicas com formação em Comunicação Política. Ela era uma profissional brilhante e ensinou-me este trabalho desde muito nova e transmitiu-me a sua paixão por Relações Públicas.

Como define o seu estilo de liderança?

O meu estilo de gestão é exigente e ao mesmo tempo descomprometido. Estabeleço padrões de qualidade para a nossa equipa e parceiros, mas deixo que a equipa alcance os resultados à sua maneira e estilo. Se eu o contratei, significa que acredito que aquele profissional pode fazer o trabalho tão bem ou melhor do que eu!

Qual o melhor conselho de carreira que daria a uma jovem executiva ou recém empreendedora?

Sinta-se confortável em assumir riscos na sua carreira! O maior segredo é que o empreendedorismo é algo arriscado. A coisa mais arriscada que se pode fazer nesta economia é ficar confortável num trabalho corporativo. Na indústria da tecnologia, acabamos de assistir a um período de layoff, em que as empresas despediram um total de 200 mil empregos desde janeiro de 2023. O mundo inteiro está a sofrer do mesmo, incluindo freelancers e empreendedores, mas muitos funcionários com empregos seguros e estáveis passaram do tudo para o nada, da noite para o dia.

Teve mentores ao longo da sua carreira? 

Tive alguns mentores de vida, mais do que mentores de carreira. Foram pessoas que me inspiraram a elevar a fasquia, a sonhar mais alto e a acreditar no processo de aprendizagem ao longo da vida. Também trabalho com um coach, que me ajuda a fortalecer a minha mentalidade de crescimento.

Clara Armand-Delille & Portugal

Que rotinas adquiriu em Portugal que não tinha anteriormente?

Praticar yoga diariamente.

O que é que mais gosta em Portugal?

As praias.

O que é que menos gosta em Portugal?

O atendimento administrativo.

O que é melhor em Portugal do que noutro lugar?

A comida, os ingredientes são super frescos!

A melhor decisão de Clara Armand-Delille: “A vida flexível e criativa que construí para mim”

Qual a história mais extraordinária que viveu a nível profissional?

Tenho muitas! Uma delas foi uma experiência em RP contencioso. Nos primeiros tempos da Google, o Youtube foi processado em Itália por difamação. Lembro-me de ter calls à noite com o nosso escritório de advocacia italiano para ajustar as mensagens e informar a comunicação social logo na manhã seguinte.

O lançamento global do Google Chrome também foi surreal. Alguém partilhou a notícia com um jornalista de tecnologia em Silicon Valley dois dias antes da data de lançamento prevista e, por isso, fomos obrigados a antecipar o comunicado. A equipa estava tão bem preparada que executamos o plano na perfeição, desde a Califórnia ao Japão e ao Reino Unido!

Mais recentemente, coordenamos a ronda de financiamento de 680 milhões de dóalres da Sorare, um recorde na FrenchTech e na indústria crypto na altura. Foi uma emoção! Também informamos os media na Europa sobre as parcerias da Sorare com o Mbappé e a Serena Williams.

Neste momento, estamos a trabalhar com a Netflix Portugal no lançamento de uma grande série portuguesa. Não há um momento de tédio na ThirdEyeMedia!

Qual a realização ou decisão de que mais se orgulha na sua carreira?

Ter deixado a zona de conforto de um emprego “estável” e nunca olhar para trás. Agradeço todos os dias a vida flexível e criativa que construí para mim. Estou definitivamente na linha de frente quando se trata de tomar grandes decisões ou lidar com uma questão delicada para um cliente, mas é muito gratificante projetar a minha vida dia-a-dia e momento-a-momento.

Clara Armand Delille é praticante de ioga.

Como mantém o equilíbrio e repõe as suas energias?

Sou praticante de ioga há quase 15 anos. Comecei a acrescentar treinos de flexibilidade e resistência. O tapete de ioga é o meu santuário, é lá que me encontro pelo menos 5 vezes por semana! A minha outra paixão é a música e a dança. Descobri que estava entre os 4% dos principais ouvintes do Spotify no ano passado e ouvi 148 géneros musicais — para dar uma noção de quanto tempo passo a ouvir música.

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