Capítulo 5: Idade moderna, paixão por antiguidades

Este período é marcado pela ascensão da burguesia, que prospera com o comércio e procura equiparar-se à nobreza, até no vestuário, numa busca de reconhecimento e prestígio. Compram-se antiguidades e títulos nobiliárquicos

Feira de antiguidades: o gosto por peças antigas nasceu com o "outono da Idade Média"

Na segunda metade do século XV dá-se a ascensão social da burguesia, mudança que resulta do desenvolvimento do capitalismo mercantil. Entramos na Idade Moderna e surge uma nova forma de luxo que se vai impor como afirmação de prestígio e de superioridade, que tem por base o merecimento que resulta do talento e do trabalho e não apenas de imposições nobiliárquicas.

O dinheiro passa a ser considerado uma bênção de Deus.

O luxo foi legitimado e passou a ter uma conotação positiva. O dinheiro, que na Idade Média “era o esterco do demónio” (imagem literária, curiosa, recentemente repescada pelo Papa Francisco), passa a ser considerado uma bênção de Deus. A burguesia obteve a possibilidade de aceder a bens desejados por todos, que até então eram restritos às cortes absolutistas, à nobreza e ao clero faustosos.

Além disso, a produção de objetos e serviços de luxo transformou-se num modelo de negócio para a própria burguesia. Os objetos assumem uma função estética mais subjetiva, ao gosto de cada um. Os artistas são elevados ao mais alto plano do seu mérito, granjeando reconhecimento e proteção. A nova classe torna-se mecenas, patrocina artistas, obtendo o seu status através das obras de pintores do Renascimento e do Barroco.

A burguesia prosperar com o comércio e procura equiparar-se à nobreza.

Livre da intolerância religiosa, a nova classe prospera com o comércio e procura equiparar-se à nobreza, até no vestuário, numa busca de reconhecimento e prestígio. Assiste-se ao ingresso de burgueses na alta sociedade. Por sua vez, a aristocracia, procura novos meios de distinção, para manter o seu posto, que são novamente assimilados pela classe emergente, numa espiral imparável e dinamizadora. Vendem-se títulos nobiliárquicos, adquiridos por verdadeiras fortunas a nobres em decadência, que garantem perpetuamente a descendência nobre do comprador e de sua família, através da assinatura do rei.

As antiguidades e a moda integram o luxo moderno. Coexistem o culto do antigo e do novo.

Os duques e mecenas mandam fazer cópias e traduções de textos latinos e de belíssimos manuscritos antigos. Valorizam-se as artes do passado. A moda das antiguidades propaga-se da Itália por toda a Europa. Nascem as feiras de antiguidades e em leilões disputam-se objetos a que, até então, não era reconhecida qualquer valia. A elite rica pode até arruinar-se, mas adquire antiguidades: estátuas, jarrões, moedas… porque gosta delas, pelo prazer estético que retira da sua contemplação, pelo seu elevado preço. Paradoxalmente o gosto pelas antiguidades era consequência do espírito moderno, não resultando de qualquer sentimento de agrado pelos antigos ou mesmo pela tradição, mas do fascínio da descoberta e do prazer da contemplação. Era o sentido estético individual a manifestar-se; o prazer da aquisição livre de imposições estatais ou religiosas.

O vestuário apresenta uma novidade: o adereço.

Em oposição, mas concomitantemente, o gosto pela moda, pelo efémero e transitório, com sentido de ostentação. O gosto pela frivolidade. O vestuário amplo e rígido era já coisa do passado, ganhando uma verdadeira transformação libertária. Torna-se mais curto e cingido ao corpo, obtém novos efeitos, ainda que exagerados. Usa o adereço, uma novidade. É o simbolismo da festa, da frivolidade e do esbanjamento livre de quaisquer amarras religiosas, um sedutor jogo de aparências, uma febre extasiada pela inconstância, pelo que é novo, “uma afirmação de individualidade nas classes superiores, apaixonadas pela glória, perpetuada em autobiografias, auto retratos e retratos, nos testamentos e sepulturas personalizados”, como escreve o filósofo Gilles Lipovetsky, em O luxo eterno – da idade do sagrado ao tempo das marcas. É, como sublinha o autor, a manutenção duma relação antiga com o tempo, não como a do passado virada para a imortalidade celeste, mas para a imortalidade na História.

Outros capítulos de “A deslumbrante história do luxo”

Capítulo 1. Introdução: tudo o que luz é luxo
Capítulo 2. Paleolítico: o luxo espiritual
Capítulo 3. Antiguidade: o luxo torna-se ostentação
Capítulo 4. Esbanjar para impressionar

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