Candidatas à presidência:
Maria de Belém

Portugal tem pela primeira vez duas mulheres na corrida à presidência da República. Maria de Belém, a mais experiente, trabalhou com Maria de Lurdes Pintassilgo, passou por Macau, foi ministra duas vezes e é a primeira mulher presidente do Partido Socialista,

Maria de Belém vem de uma família de mulheres com personalidades fortes.

É talvez a única política a ser conhecida pelo nome próprio Maria de Belém, o que deu no desaparecido programa de televisão Contra-Informação a boneca Maria de Ninguém. Disse um dia que depois de ter integrado muitos gabinetes de governo se considerava “construtora da História recente” e “atriz desse filme”. Agora, como candidata presidencial, procura protagonizar um papel principal.

Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina nasceu há 66 anos (28 Julho de 1949), no Porto, filha de José Martins Coelho (07.06.1905/09.01.1977) e Maria Antonieta Roseira Dias. É a mais nova de dois irmãos, José João e Luís, e duas irmãs, Ana Maria e Maria Antonieta. Maria de Belém faz parte da família Roseira que desde o século XIX integra a burguesia portuense a que veio juntar os pergaminhos durienses com a aquisição em 1904 da Quinta do Infantado no Pinhão.

Em Coimbra viveu a crise académica de 1969 mas manteve sempre um distanciamento da contestação.

Aprendeu a ler antes de entrar para o Colégio de Santa Teresinha, onde fez a primária, prosseguindo os estudos no Liceu Rainha Santa Isabel. Aos 17 anos, foi para Coimbra estudar Direito. Viveu a crise académica de 1969, mas manteve sempre um certo distanciamento em relação à atividade política e de contestação. Diz que participou nas greves académicas e nas assembleias-gerais, “mas nunca me aproximei das classes dirigentes, nem pretendi ter um papel nesse movimento”. Em Coimbra começou por viver num colégio interno em que tinha regras muito apertadas apesar da permissão dada pelo pai para se poder movimentar. Estranhou este ambiente conservador e fechado. Dois anos depois foi viver para um apartamento com mais três ou quatro colegas.

Depois de terminar o curso de Direito, em 1972, ainda foi estagiar, sem remuneração, para um escritório de advocacia no Porto. Mas foi por pouco tempo.

Primeiro casamento, primeiro emprego

Casou, em primeiras núpcias, aos 24 anos com Artur Alcântara de quem se divorciaria algum tempo depois. Maria de Belém é uma das fautoras da moderna administração pública portuguesa. Entrou para a Direcção-Geral da Previdência em 1973, numa época em que o governo de Marcello Caetano procurava dotar a burocracia estatal de quadros formados e qualificados. Tinha como diretora de serviços Maria do Carmo Romão. A seguir ao 25 de abril de 1974, Maria do Carmo Romão, que viria a ser secretária adjunta de Macau em 1989 e deputada do Partido Socialista, integrou o gabinete da secretária de Estado da Segurança Social, Maria de Lurdes Pintasilgo, no I governo provisório liderado por Adelino da Palma Carlos. A jovem jurista acompanhou-a.

Ter sentido na pele que com um curso igual ao dos colegas muitos caminhos lhe eram vedados, serviu para a aproximar dos ideais da igualdade de género.

Como se refere no perfil publicado na Visão, foi esta proximidade com uma das pioneiras na luta pela igualdade de género que Maria de Belém se apercebeu “de que não havia justiça numa sociedade onde muito poucos tinham acesso ao ensino superior. Ter sentido na pele que, com um curso exactamente igual ao dos seus colegas homens, muitos caminhos (a Magistratura, o Ministério Público, a Diplomacia) lhe eram vedados, também serviu para a aproximar dos ideais defendidos pela governante”.

Para Maria de Belém este foi “um período de intervenção arrebatador, de grandes transformações sociais, sobretudo nesta área da Segurança Social, da Saúde, da Reabilitação, do Trabalho, onde me fui integrando”.

Mas na sua família as mulheres tinham tido ao longo do século XX um papel mais importante do que era comum na sociedade do seu tempo. A bisavó ficou viúva cedo e teve de assumir um papel de liderança dos negócios da família, a produção de vinho do Porto. Por sua vez a avó, como disse numa entrevista ao Jornal de Negócios, “era interessantíssima, culta, autónoma. Tinha posses (de família) e escolheu fazer a vida que entendeu fazer (…) Era a personalidade muito forte. Optou por viver sozinha numa quinta que tinha em Trás-os-Montes e abandonou o Porto, já com filhas crescidas e criadas; o meu avô ficou no Porto. A mãe, ao contrário dos outros irmãos, não fez nenhum curso superior porque queria tirar um curso com o qual o pai não concordava e por isso entendeu não fazer aquilo que ele queria. Fez a educação das senhoras da época, tocar piano e falar francês – sempre defendeu em nós a aquisição de uma situação de independência financeira, para podermos verdadeiramente sermos nós próprias” contou Maria de Belém.

Cresceu num ambiente muito aberto, onde se conversava sobre tudo.

A sua educação foi um pouco diferente. Era a mais nova, pequenina e por isso foi muito mimada. Disse que os pais “não eram nada castradores do ponto de vista da educação; tentavam incutir-nos princípios, mas os atos eram da nossa responsabilidade. Um ambiente muito aberto, onde se conversava sobre tudo, onde podíamos fazer tudo”. Como refere a biografia do semanário O Sol, “trabalhou também no gabinete do ex-secretário de Estado da Segurança Social Vítor Vasques, colaborou com Vasco Ribeiro Ferreira na Secretaria de Estado do Trabalho e passou pelo Secretariado Nacional de Reabilitação e pela Caixa Nacional de Pensões”.

A aproximação à política e ao padre Vítor Melícias

Entre 1983 e 1985 foi para chefe de gabinete de Maldonado Gonelha, socialista que ministro da Saúde do governo de Bloco Central liderado por Mário Soares. Chegou a ser convidada para diretora-geral mas, segundo disse em 2006 à Visão, recusou dizendo a Maldonado Gonelha, que “não aceitava nomeações políticas”. Nessa altura casou-se com Manuel Jorge Henriques de Pina (Bruxelas, 17.09.1936) engenheiro químico, que foi administrador do Montepio Geral, e de quem tem uma filha, Maria Helena (n. 29.08.1985). Com a chegada ao governo de Cavaco Silva, do PSD, em 1986 prosseguiu a sua carreira como administradora da Teledifusão de Macau (TDM) onde esteve apenas dois anos. O governador de Macau era nomeado pelo Presidente da República, na época Mário Soares, e por isso vários socialistas destacados seguiram carreiras políticas no território da China sob administração portuguesa até 1999. Foi a única grande polémica, pois acabaria por provocar um pequeno terramoto no território. Pouco depois de abandonar Macau, assistiu “ao início de uma novela complicada, que levou à detenção de António Ribeiro e Leonel Miranda (então presidente e administrador da TDM, indiciados por peculato) e à exoneração do então diretor do Gabinete dos Assuntos de Justiça, Alberto Costa, futuro ministro socialista da Justiça e, também, da Administração Interna”, relata a Visão

Define-se como profundamente cristã e considera que teve duas grandes lições de vida, que foram a Misericórdia de Lisboa e o IPO.

Em 1988 integrou como vice-provedora a equipa do padre Vítor Melícias que se tornou provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nomeada por Leonor Beleza, ministra da Saúde do governo de Cavaco Silva. Quatro anos depois, torna-se administradora-delegada do Instituto Português de Oncologia (IPO), a convite de outro ministro da Saúde de Cavaco Silva: Arlindo de Carvalho. Define-se como profundamente cristã e considera que teve duas grandes lições de vida, mais importantes que a da política e que foram a Misericórdia de Lisboa e o IPO. “Ajudam-nos a perceber o que é verdadeiramente importante. Por isso é que aquela história do poder e da ambição não me dizem nada”, salientou Maria de Belém, que acrescenta que sempre “foram cargos de poder/dever”.

Militante do Partido Socialista desde 1976, talvez influenciada pelo tio Luis Roseira que foi fundador do partido e pessoa muito próxima de Mário Soares, ainda que não tenha ocupado cargos políticos relevantes, tornou-se mais influente depois do seu regresso de Macau sobretudo com a amizade e a ligação ao padre Vítor Melícias, que foi quem a apresentou a António Guterres de quem se tornou amigo pessoal e que foi seu padrinho de casamento.

Maria de Belém chega ao Olimpo do poder

Em 1995 o Partido Socialista ganha as eleições legislativas e António Guterres chega a primeiro-ministro. Maria de Belém Roseira ascende a ministro da Saúde num governo que tinha como prioridades a Educação e a luta contra a pobreza. Numa entrevista referiu que até nesta questão havia algum sexismo: “quando um homem é convidado para um lugar, discute os meios que vai ter para levar a cabo as tarefas que lhe são acometidas; normalmente, a uma mulher não se dão meios. As mulheres, para o exercício do poder, são confrontadas com a sua capacidade de se sacrificarem”. Numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro, referiu a relação pessoal com António Guterres e a sua primeira mulher, Luísa Guterres, que faleceu em 1998: “é uma relação pessoal. Ele fazia parte do grupo de amigos mais chegados, e também era amiga da mulher dele, que era médica e que tinha grande apreço pela maneira como eu dirigia a área da Saúde”.

Define-se como muito firme, mas não impositiva. “Gosto de convencer os outros da bondade das minhas opiniões.”

Quatro anos depois foi substituída por Manuela Arcanjo, que vinha da secretária de Estado do Orçamento para por ordem no ministério que estaria um desastre financeiro. Maria de Belém seria nomeada ministra da Igualdade. Como diz a revista Visão “ainda conviveriam no Conselho de Ministros (Manuela com a pasta da Saúde, Belém com a da Igualdade), mas a relação não conseguiu alcançar o ano de vida. Em setembro de 2000, Roseira bateria com a porta do único ministério sem placa identificativa nem controlos de segurança. O único ministério que, tendo existido, não consta do arquivo histórico do portal do Governo. Com a sua saída do Palácio Foz, o ministério seria extinto”.

Numa entrevista definiu-se como muito firme, mas não impositiva: “respeito muito as opiniões dos outros, mas as minhas são muito fortes. Gosto de convencer os outros da bondade das minhas opiniões”. Na sua opinião, “ser Ministro é sobretudo ser um diplomata, um negociador, e sempre me mexi muito bem nesses domínios porque não sou agressiva, não sou inflexível. Mas sou capaz de fazer com que pessoas com visões diferentes acabem por encontrar uma base comum de entendimento. Isso eu gosto muito de fazer e acho que sou capaz de fazer”.

A acumulação da presidência da Comissão de Saúde com a atividade de consultoria à Espírito Santo Saúde, valeu-lhe um rol de críticas.

Depois do governo, Maria de Belém estreou-se no Parlamento. Liderou a comissão de inquérito ao BPN e aos Estaleiros de Viana do Castelo. Foi também presidente da Comissão de Saúde, cargo que acumulava com atividade de consultoria à Espírito Santo Saúde e que lhe valeu um rol de críticas. Hoje, faz parte do Conselho Consultivo da Luz Saúde.

No final do guterrismo, acompanhou Ferro Rodrigues (seu vizinho, em Sintra), assumindo um lugar no órgão mais restrito do PS: o Secretariado. No Congresso de 2004, apoiou Manuel Alegre, contra José Sócrates e João Soares, mas, nas Presidenciais de 2006, colocou-se ao lado de Soares, o candidato do partido, contra Alegre. Como se não bastasse este hoje-estou-contigo-mas-amanhã-já-não, cinco anos depois seria mandatária da candidatura do poeta às Presidenciais.

Em 2011, apoia António José Seguro, que a convida para presidente do PS. Seria a primeira mulher a ocupar o lugar. Em Setembro de 2011 no Congresso do Partido Socialista em Braga substituiu Almeida Santos na presidência, era secretário-geral António José Seguro. Quando este em 2014 perdeu as eleições primárias para António Costa, cedeu a vez a Carlos César, um dos principais apoiantes de António Sampaio da Nóvoa.

Em janeiro de 2015 quando António Sampaio da Nóvoa reflectia sobre uma eventual candidatura à presidência da República, Ana Gomes propunha na reunião da Comissão Política Nacional do Partido Socialista, o nome de Maria de Belém como candidata do Partido Socialista caso António Guterres não avançasse.

Em Outubro de 2015 Maria de Belém Roseira, apresentou a candidatura à Presidência da República em que teve como principal apoio Manuel Alegre, de cuja candidatura presidencial foi mandatária nacional cinco anos antes. Foi incentivada pelo movimento Portugal Melhor, do qual fazem parte o reitor do ISCTE Luís Reto, o médico Joshua Ruah, a farmacêutica Ana Paula Martins e a médica Maria do Céu Santo, entre outros, a apresentar-se como candidata a Belém.

 

Fontes:
Inês Rapazote, “De Maria de Ninguém para Maria pra Belém”, Visão, 13 de outubro de 2015
Anabela Mora Ribeiro, Maria de Belém Roseira, Jornal de Negócios, 2010
“Quem é Maria de Belém, candidata a Presidente?”, Rádio Renascença, 13 de outubro de 2015
Sónia Cerdeira, “Maria de Belém- a menina bem-comportada que foi muito pretendida”, Sol, 9 de janeiro de 2016

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