Benjamin Franklin é um dos vultos mais conhecidos da história dos Estados Unidos. Apesar de ter sido político, escritor e editor, é pela sua atividade como cientista que o seu nome ficou particularmente conhecido, principalmente por ter criado as lentes bifocais e pelos avanços na área da eletricidade. Tinha um especial apreço pelo vinho, tendo declarado, inclusive, que este “é a prova constante que Deus nos ama e gosta de nos ver felizes”. Trata-se, afinal, da bebida mais apreciada pelos seres humanos ao longo dos tempos, não só pelas suas características, mas também pela história, histórias, factos curioso e lendas que tem por detrás. Está presente nos rituais cristãos, nas celebrações pagãs, em quase tudo o que é restaurante, da tasca mais tasca aos mais celebrados estrelas Michelin, e até em filmes como Sideways, interpretado por Paul Giamatti.
Portugal tem actualmente cerca de 200 mil hectares de vinha que produzem, em quase todos os cantos do nosso país, incluindo Açores e Madeira, vinhos de qualidade, com personalidade e características que vale a pena descobrir. Contentam, certamente, todos os gostos e são excelentes parceiros da gastronomia de cada uma das suas regiões de origem. Mas também de outros bons momentos à mesa. Por isto tudo, vale pena fazer uma viagem breve de descoberta dos vinhos. Primeiro de Portugal Continental. Comecemos pelo norte.
Vinho Verde
O Vinho Verde é, sem dúvida, único no mundo. Tem aroma por vezes com notas florais marcadas, é frutado, fácil de beber, e um teor alcoólico geralmente mais baixo. É agradável como aperitivo ou em harmonização com refeições leves e equilibradas. Quem parte à descoberta da região vai acabar por sentir que ali é o reino da aromática casta Loureiro e berço da carismática Alvarinho, as variedades que marcam mais pela diferença nesta zona do país. Para os produzidos a partir da primeira prefiro a companhia de mariscos cozidos, como camarão, por exemplo. Os da casta Alvarinho são perfumados com aromas florais e frutados quando jovens, até à mineralidade, mel, cera e uma complexidade inigualável quando mais velhos. A sua acidez franca e forte conjuga-se em vinhos encorpados e persistentes, a que o aroma acrescenta um conjunto sensorial distinto. É um vinho excelente para acompanhar marisco aberto ao natural ou alguns fumados, por exemplo.
Douro
Os tintos do Douro são geralmente vinhos de lote produzidos a partir de castas como a Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão. Têm uma complexidade e riqueza ímpares e, na sua prova, é habitual aparecerem notas de frutos pretos, chocolate, violetas e da madeira onde estagiam. Os que são produzidos para serem apreciados mais tarde têm boa estrutura e taninos persistentes. São vinhos para a doçura da carne, emparelhando de forma simbiótica com grelhados apurados como a posta mirandesa.
No Douro existem também grandes vinhos brancos. Produzidos principalmente pelo loteamento de vinhos das castas Malvasia Fina, Viosinho, Gouveio ou Rabigato, mostram aromas frescos, florais e frutados, e constituem um bom acompanhamento para pratos de peixe e saladas. Os brancos de guarda apresentam boa estrutura e concentração, e muita mineralidade, principalmente quando têm origem no Douro Superior.
A região do Douro é também a pátria do Vinho do Porto, uma das grandes riquezas nacionais. Distingue-se, pela sua grande variedade de tipos, gostos e aromas. A maior parte delas constituem grandes companhias de final de refeição, principalmente nos tintos, apesar de haver dois tipos mais abrangentes, os vinhos ruby, marcados principalmente pelos aromas com origem na fruta, e os tawnies, onde se salientam os aromas terciários resultantes de estágios prolongados em madeira. Mas a região tem apostado na inovação, com propostas para outros momentos, como as de Porto Rosé ou Porto Tónico, este destinado a uma camada mais jovem da população.
Vinhos da Beira Interior
É a região vitivinícola mais alta de Portugal. Contornada pelas serras da Estrela, Marofa e Malcata, e situada a uma altitude entre os 300 e os 700 metros, a Beira Interior é uma região de clima agreste, com temperaturas negativas no inverno e verões muito quentes e secos. Mas as noites frescas no verão, e mesmo frias na fase da vindima e da fermentação, permitem a produção de vinhos maduros frescos e aromáticos.
Percorrer, de carro, esta zona do interior norte é estar noutro Portugal, de paisagem marcada pelos afloramentos graníticos, aqui e ali pelo xisto e alguns filões de quartzo. É uma terra com uma oferta diversificada de experiências, incluindo o património das aldeias históricas e castelos, termas e reservas naturais, uma gastronomia rica e variada e propostas de enoturismo com visita às vinhas, adegas e provas de vinho da Beira Interior. São, em geral, brancos de grande exuberância aromática, mineralidade e muita frescura, e tintos com aromas complexos, onde se salientam notas de frutos silvestres e especiarias, frescos e com boa estrutura na boca. Ambos têm uma considerável capacidade de envelhecimento e excelente vocação gastronómica.
Bairrada e Dão
É na Beira Litoral, entre Águeda e Coimbra, que se situa a Bairrada. A casta Baga é a variedade tinta dominante, produzindo vinhos carregados de cor e ricos de acidez. Bem equilibrados e estruturados, têm elevada longevidade. Geralmente é preciso saber esperar por eles para apreciar todo o potencial. Mas atualmente os produtores da região trabalham a casta de forma a se poder apreciar os seus vinhos com menos tempo após a colheita. Mas, para mim, vale sempre a penas esperar pelo que dá um Baga de um bom ano.
Tradicionalmente, os brancos da região são delicados e aromáticos, apesar de existirem vinhos com estrutura para evoluir positivamente com o tempo em garrafa. Uma boa parte destina-se à produção de espumante, numa das regiões com maior tradição nesta área, em conjunto com a zona da Távora Varosa, perto de Lamego.
A grande força da região do Dão reside nos vinhos tintos, feitos essencialmente com base nas castas Touriga Nacional, Alfrocheiro Preto, Jaen e Tinta Roriz. São redondos e elegantes com o tempo, mas é preciso saber esperar por eles para se apreciar todo o prazer para os sentidos que podem proporcionar. Podem ser guardados por vários anos em local apropriado, pois evoluem com nobreza durante muito tempo.
Os brancos são feitos principalmente da casta Encruzado, mas também podem incluir a Cerceal e Bical. Servidos a cerca de 12º C, os de guarda são complexos de aromas e sabores, feitos para descobrir no nariz e saborear demoradamente na boca e, é claro, apreciar em boa companhia de comida. Alguns deles, tal como alguns brancos bairradinos, são compras seguras para quem gosta de ter brancos para envelhecer em casa. Já tive excelentes surpresas com vinhos com mais de 10 anos. São boas companhias, por exemplo para alguns queijos ou peixes assados.
Lisboa e Tejo
A evolução recente no Ribatejo, hoje região do Tejo, começou pela redução da área de vinha. Depois, passou pela mudança de conceito. Foram introduzidas novas variedades e, assim, surgiram vinhas de Trincadeira, Aragonês, melhores Castelões e castas de outras regiões e países, como a Cabernet Sauvignon, Syrah ou Touriga Nacional. Tudo isso contribuiu para se deixar de ouvir falar de carrascão. Hoje, na região, podem apreciar-se vinhos ainda com garrafa, mas cheios e macios, preparados para serem degustados na juventude. Ao lado, fica a Estremadura, hoje englobada na Região de Lisboa. Uma das suas grandes virtudes é produzir alguns tintos e brancos de boa qualidade. Principalmente estes últimos, nas regiões mais próximas do Atlântico, vinhos muito frescos e distintos quando produzidos com as castas Tália e Arinto, mas também Viosinho e Alvarinho, oriundas de outras regiões do país, e castas de origem francesa, como Chardonnay e Sauvignon Blanc. Vale a pena descobri-los. Projetos recentes, com propostas inovadoras em termos de castas e suas combinações, originam vinhos que têm, por norma, excelente relação qualidade/preço.
Península de Setúbal
A Península de Setúbal é diferente de outras regiões do país. Está, há muito, marcada pela presença esmagadora de três castas: a branca Fernão Pires, talvez a casta mais plantada em Portugal, que pode ser encontrada também nas regiões Tejo, Lisboa e Bairrada, onde toma o nome de Maria Gomes, Castelão, durante muito tempo conhecida por Periquita, com a qual se fazem vinhos tintos e o Moscatel, usado essencialmente para produzir o generoso Moscatel de Setúbal. Feito em moldes semelhantes ao Vinho do Porto, ganha toda a personalidade quando é estagiado longamente em casco de madeira.
Em meados do século XVI, Lisboa era o maior centro de consumo e distribuição de vinho do império. Durante os descobrimentos e a expansão marítima portuguesa, os vinhos partiam nas naus e caravelas para servir de lastro, matar a sede às tripulações e também serem comercializados de porto em porto, onde as embarcações portuguesas acostavam para embarcar produtos no Brasil ou a Oriente. As viagens eram longas, por vezes tempestuosas e atravessavam mais que uma vez os trópicos e o equador. Tudo isso tinha efeito sobre os vinhos. Os que voltavam após meses de viagem, tinham alterações profundas, e características distintas e mais agradáveis. O envelhecimento suave dos vinhos nos tonéis, proporcionado pelo calor dos porões devido à passagem, pelo menos duas vezes, pelo equador, dava-lhes características ímpares, apreciadas pelos mercados da Europa, para onde eram vendidos a preços verdadeiramente muito mais elevados que os habituais.
O vinho de “roda” ou de “torna viagem”, assim chamado, facultou o conhecimento empírico de um certo tipo de envelhecimento, cujas técnicas científicas se viriam a desenvolver posteriormente. Tanto na região da Península de Setúbal, como na Madeira, usa-se hoje o calor para acelerar o processo de oxidação do vinho durante o processo de envelhecimento em madeira, fazendo, em apenas alguns anos, o mesmo trabalho que decorria muitos mais em condições normais. Apesar de os vinhos resultantes terem características ligeiramente diferentes do processo de envelhecimento mais tranquilo, em que o vinho vai permanecendo a recato de grandes oscilações de temperatura e humidade, e envelhecendo pacificamente, é inegável a qualidade dos vinhos produzidos com estes processos e o seu potencial para proporcionar prazer na sua degustação. O seu preço é também mais acessível. Mas não é a mesma coisa, pelo menos para quem gosta e aprecia tanto o vinho como eu.
Alentejo
A origem da gastronomia do Baixo Alentejo está na cozinha do Mediterrâneo. Nela não faltam o azeite, o tomate, os coentros e outras ervas em sugestões culinárias variadas. Para as acompanhar a região tem uma variedade grande de vinhos, principalmente originários do seu interior. Em geral, são cheios e pujantes de aromas. Muitos são redondos e têm a capacidade única para serem bebidos cedo.
Há tintos ainda marcados pelas suas castas principais, Aragonês (que geralmente se escreve Aragonez no Alentejo), Trincadeira e Alicante Bouschet. Mas geralmente o lote é complementado com outras. Os brancos, se produzidos pelo conjunto das castas Antão Vaz e Arinto, são, por norma, frescos, com notas de frutas tropicais e nuances minerais, num conjunto normalmente complexo e elegante.
Algarve
Os vinhos do Algarve começam a estar no bom caminho. Já há produtores conceituados de outras zonas a mostrar interesse e estão previstas novidades, como o lançamento de vinhos das castas mais típicas da região, os casos da tinta Negra Mole, e das brancas Síria e Moscatel. No entanto, o número de produtores de vinho na região mais a sul de Portugal ainda não ultrapassa as 30 empresas, localizadas principalmente entre os concelhos de Albufeira e Lagos. Mas após algum tempo de marasmo na produção de vinho do Algarve, que incluiu o fecho de algumas cooperativas e a fusão de outras, sente-se que o esforço feito dos novos produtores e das gerações mais novas está a dar origem a vinhos com qualidade crescente, como atestam prémios recentes em concursos de vinho nacionais. Por isso, quando for ao Algarve, não se esqueça de experimentar vinho da região. Ainda não provei nada que considerasse excepcional, mas já tive boas surpresas.
Os vinhos que comprar para a sua garrafeira, seja, eles de onde forem, dependem muito do gosto pessoal e da capacidade financeira. Adquira menos, mas de melhor qualidade. Tenha aqueles que mais lhe dão prazer à mesa, tintos e brancos, verdes e maduros, e espumantes e fortificados como Vinhos do Porto, Moscatel de Setúbal ou Madeira. E não se esqueça de ir consumindo, porque são feitos para serem apreciados e há sempre novas colheitas que merecem a pena ser adicionadas.