Tortuguero, um lugar mais perto do paraíso na Costa Rica

Foi apenas mais uma curva naquela já longa viagem de barco a motor através do Parque Nacional Tortuguero, na Costa Rica. E eis que surgiu a meta desse dia, a terra que nos iria acolher.

Uma mão cheia de embarcações de pequeno porte e algumas dezenas de casas coloridas bordejavam o canal naquele ponto. Até ali, todas as margens que tínhamos percorrido eram luxuriantes de verde, início de uma floresta aparentemente inexpugnável que se avistava em todas as direções. E foi ali, logo ao acostar da lancha que nos tinha trazido de outro cais, distante mais de 1h30, que nos recebeu o primeiro sorriso de muitos, e mais um “Pura Vida”, já que é isso que se faz e sente ali, naquela terra.

O hotel, simples, mas acolhedor, ficava a dois passos, mais perto da praia e do Mar do Caribe, onde voltei tantas vezes quanto pude. Mesmo à frente do alojamento, ficava um campo de futebol relvado, onde quase todos os dias jovens de todas as idades e sexos se juntavam para jogar peladinhas, quase todos de pés descalços. E logo ali, mesmo à chegada, comecei a integrar-me na natureza.

Iguanas na piscina em Tortuguero

Parque Nacional Tortuguero

O Parque Nacional Tortuguero é, sem dúvida, terra de iguanas. Havia várias visitas diárias à piscina do nosso hotel, e não só, que nos lembravam isso.

O primeiro guia já estava à espera para nos introduzir a aldeia de Tortuguero e a sua natureza. Era pouco mais do que uma rua, onde apenas se podia caminhar ou andar de bicicleta. As pessoas, mesmo os turistas, andavam calmamente, com aquele ar de passeio comum a qualquer aldeia.

E lá nos foi mostrando a grande aranha que fomos encontrando um pouco por todo o lado da Costa Rica, os macacos uivadores, que se fazem ouvir desde bem longe, as araras e, é claro, as iguanas. Estas, ficámos a conhecê-las bastante melhor, dado que até se passeavam, com desfaçatez, pelas margens da pequena piscina que ficava perto das portas dos nossos quartos. Elas andavam por lá, como em quase todo o lado onde íamos naquela terra, mesmo quando estávamos dentro de água. Habituámo-nos.

No primeiro jantar na Costa Rica, saboreei um Casado, comida típica com arroz com feijão, verduras, banana, e, nesse dia, galinha. A companhia foi também a minha primeira cerveja local, já que vinho, ou não existe nas ementas dos restaurantes, ou tem um preço que não vale a pena suportar.  Bem mais tarde aconteceu o ponto mais alto do dia e a razão principal para irmos aquele lugar tão longe e inóspito do nosso planeta: a visita para observação de tartarugas marinhas a pôr ovos, o que só acontece à noite.

A noite das tartarugas

Parque Nacional Tortuguero

Na praia do parque, bem perto do início da floresta, dois dos ninhos onde as tartarugas verdes tinham deixado os seus ovos durante a noite, período em que não é permitido circular sem autorização.

Às 22h lá estávamos, no lugar marcado, numa noite bem húmida e ligeiramente chuvosa. O guia, um guarda florestal do parque, era pequeno e estava vestido com as cores escuras que nos tinham pedido para levar. Como se mantinha muito discreto, ligeiramente encostado a uma parede, só demos por ele na segunda passagem pelo sítio, quando achámos que estávamos perdidos.

Depois de nos explicar as regras em relação ao uso de luzes, que era proibido, para além do das pequenas lanternas que trazia, e da cor que poderia ser usada na observação dos animais em atividade, a vermelha, lá fomos todos atrás dele. O homem parecia um Ferrari pedestre todo-o-terreno e deslocava-se a uma velocidade quase vertiginosa na vereda plana, mas cheia de raízes de árvores, mais ou menos levantadas, que ele ia apontando, com a sua lanterna discreta, para evitarmos os obstáculos. Graças a isso, apenas acertei em muito poucos. Mesmo assim, para a volta, fez questão de me passar outra das suas lanternas, talvez para ter a certeza que chegava ao hotel com as canelas intactas.

Parque Nacional Tortuguero

Quando se caminha na floresta há que fazê-lo devagar e estar atento a pormenores como este, que mostram como a vida se vai regenerando bem perto do solo.

Estavam dezenas de pessoas na praia naquela noite, reunidas em pequenos grupos distribuídos pelos vários guias do parque. O nosso era pequeno, mas devia ser um líder, já que todos os outros pareciam fazer o que ele lhes indicava. Depois de algum tempo em que desapareceu, porque foi observar uma tartaruga verde a começar a escavar o buraco no lugar escolhido para pôr ovos, deu ordem a todos para se alinharem para ver o bicho em função. E eu lá estive, talvez de boca aberta, mas certamente emocionado a ver ao vivo algo apenas possível nas séries de televisão sobre a natureza. Senti-me, e ainda me sinto agora, um privilegiado. Apenas um pouco menos feliz porque não era permitido fazer fotos de espécie alguma, nem mesmo levar telemóveis para evitar tentações. Os ruídos e luzes sem ser a vermelha despertam as tartarugas da letargia em que entram quando põem ovos e fazem-nas voltar, de novo, para as águas do mar. Nesse dia a emoção fez-me dormir um pouco em sobressalto, até porque o despertar estava marcado para as 5h da madrugada, para embarcarmos no passeio de canoa elétrica pelos canais do Parque de Tortuguero.

Uma floresta cheia de vida

Parque Nacional Tortuguero

Os canais do interior do parque só são visitáveis em embarcações silenciosas, a remo ou motor eléctrico.

Calmamente fomos descobrindo alguns dos animais da floresta, incluindo iguanas, caimões, macacos, insectos, lagartos e muitas aves, à medida que o nosso simpático guia os ia apontando, porque era difícil de distinguir a maior parte deles de outra forma.

Como ia à frente da embarcação, fui-me habituando, com o tempo, à paisagem e vislumbrando melhor os animais que referia, alguns deles demasiado pequenos para a capacidade dos meus olhos e outros grandes mestres do disfarce na natureza. Ainda andámos metidos nas zonas mais densas daquela floresta, à procura dos pequenos caimões, que encontrámos. Passadas mais de três horas do início daquela aventura, voltámos, extremamente satisfeitos. Eu estava ainda pouco mais feliz por estar a viver e sentir Tortuguero o mais profundamente possível, e sem fome nenhuma para o pequeno almoço que nos esperava no hotel, como tinha sido previamente marcado. Era simples e incluía sempre fruta, que podia ser abacaxi, melancia, mamão ou mesmo manga, e Gallo pinto (arroz com feijão), ou panquecas apetitosas na companhia de mel de cana. Depois café, com ou sem leite, sumo e chá. Tudo para usufruir ao ar livre, como em quase todos os sítios onde estive no país, de forma lenta e calma para se usufruir da Pura Vida local.

No trilho do jaguar

Parque Nacional Tortuguero

O povo de Tortuguero sabe quais são os efeitos nefastos da poluição e criou muitos pontos de recolha de beatas, mais ou menos criativos e chamativos como este, para que ninguém se esqueça onde as deve deitar.

O resto do dia foi para fazer mais um passeio guiado pela floresta, através do Trilho Jaguar, imprescindível para descobrirmos um pouco mais as suas plantas e alguns dos seus animais, como o tucano ou uma linda rã laranja com manchas pretas, tão minúscula que cabia numa das minhas unhas. Fotografei tudo quanto pude, mais uma vez, enquanto o guia nos informava que aquela floresta era também território de jaguares e alguns pumas, que atravessavam o canal na época da desova das tartarugas, para se alimentarem delas.

Aproveito para contar que as tartarugas marinhas não se conseguem recolher dentro da carapaça, como as suas irmãs terrestres, e constituem uma presa fácil em terra, devido à sua fraca mobilidade.

Durante o passeio, e movido talvez pela nostalgia das emoções da noite anterior, voltei de novo à zona de praia onde tinha observado a “minha” tartaruga. Mas, de dia, aquela era apenas uma praia cheia troncos de árvores, alguns pequenos caranguejos azuis e covas feitas pelas tartarugas, que se concentravam junto à floresta. Neste passeio, o outro ponto mais alto, até porque estava bem visível, foi o primeiro encontro com uma preguiça, empoleirada a poucos metros do chão. Vimos muitas mais, mas a emoção resultante de um primeiro contacto é sempre maior.

É raro ter saudades de algum sítio onde estive. E já foram bastantes. Mas não consigo deixar de me lembrar de Tortuguero, na Costa Rica. Por ser, de certeza, um lugar único no nosso planeta, onde a Natureza parece viver em liberdade, mas também por as suas pessoas parecerem ser mais humanas, e viverem num ritmo mais de acordo, talvez, com a natureza. Tanto o é, que escrevi este texto de memória em pouco mais de uma hora. Vai ficar comigo para sempre.

 

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Publicado a 21 Janeiro 2023

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