Só acaba quando for o fim

Recomeçaram as minhas viagens. Tenho a agenda cheia até novembro e confesso que estou um misto de excitada e apreensiva. Cheguei a julho muito cansada, pelo ritmo imposto pelo mercado, pelos negócios, pela imprevisibilidade. Mas dois meses depois de uma paragem nos voos que impus a mim, e até à minha família (“preciso de não voar este verão!”), estou sentada num avião para a Alemanha, depois da sempre repetida paragem em Schiphol, nos Países Baixos. E, aqui parada, depois de dois voos seguidos que saíram a horas, chegaram a horas e permitiram manter o planeado (contrariamente a tudo o que se passou na primavera e no primeiro mês de veraneio), rebobinei até uma situação que se passou em junho e que ainda hoje me serve de lição de vida.

Estava em Atlanta, no aeroporto, tinha aterrado vinda de Cleveland. Na verdade, o meu voo teria vindo de Pittsburgh, mas uma reunião de última hora na cidade do Rock & Roll Hall of Fame (vale a pena visitar!), levou-me a comprar um voo para Atlanta. Ainda tentei trocar o de Pittsburgh, mas o caos estava instalado em tudo o que era aeroporto, estive duas horas na fila em Cleveland e ao mesmo tempo em espera, ao telefone, para o número de alterações de bilhetes, até que desisti. Foi muito fácil comprar o bilhete online.

Mas, quando aterrei em Atlanta, com quase quatro horas de espera para o voo para a Europa, cheguei ao balcão e disseram-me que tinham cancelado toda a reserva. TODA.

Ora, primeiro senti-me uma caloira. Óbvio que iam fazer isso. No fundo, eu sabia que isso podia acontecer, tinha uma secreta esperança que não, mas na realidade ia ser difícil não me fazerem isso. Com os voos sobrelotados, à primeira possível desistência (eu não vir de Pittsburgh), iam logo abrir vaga para o percurso transatlântico e o bilhete seria entregue a outra pessoa.

Depois de gerir as emoções dessa situação, e me terem dito que estava num voo para Paris dois dias depois (era sexta, ia perder o fim de semana em casa), entrei em modo operacional e comecei o meu périplo de três horas, de balcão em balcão, a tentar arranjar uma solução. Tentei todos os voos que saíam para o continente europeu. Eu só queria vir para este lado. Nos balcões de embarque, remetiam-me para o apoio ao cliente. No apoio ao cliente, mandavam-me ligar para um número (o tal que já tinha tentado em Cleveland e no qual ninguém atendia). Desesperava. Ninguém ajudava. E como eu, imensa gente, famílias com crianças pequenas. Eu, pelo menos, estava sozinha, com uma mala de mão (bendita mala de mão!!).

Isto tudo com uma diferença horária de cinco horas para Portugal. Durante este tempo todo não tinha ninguém acordado para partilhar a tristeza. Só um colega que também voava para este lado, mas esse de Pittsburgh. E que apanhou o voo para França porque tudo atrasou, principalmente este último.

Era meia-noite e eu estava de rastos. Tinha-me levantado às 06h00, tinha feito uma viagem de 200 km de carro, mais outra de avião, sabe Deus os milhares de passos no aeroporto de Atlanta. Abri o Booking para marcar hotel em Atlanta. Eu nem sabia em que zona ficar. Onde era o centro. O meu cérebro já não processava. Quase de lágrimas nos olhos, levanto a cabeça e lá estava: a porta de embarque do voo que eu iria apanhar. A fila das pessoas a entrar. Para o destino que eu queria tanto alcançar. Não carreguei no botão de reserva do hotel. Deixei a página aberta, mas sem terminar. Pensei: agora, espero até ao fim. Só acaba quando for o fim. Cinco, dez, quinze minutos. Fui buscar forças onde vou sempre que preciso.

A fila quase a terminar e eu, num repente, chego-me às meninas na porta e peço: “Eu preciso MESMO de ir neste avião”. Elas já sabiam da história. As três horas deram tempo para fazer amizade com muita gente. A mais velha olha para mim e diz: “mas eu preciso de um bilhete seu”. E eu digo “e tem este, para Paris, para depois de amanhã. Mas eu não posso ficar cá mais tempo”. Entrego-lhe o bilhete que me tinham passado minutos antes. Ela abre o computador e pergunta, sem tirar os olhos do ecrã e os dedos do teclado: “mala só de mão, certo?” Certo. Certíssimo. Embarca a última pessoa. Ela imprime um papel e diz-me: “pegue e boa viagem”. Desejo-lhe muita saúde para ela e para a família. Bless you, bless you!  Corro o túnel até ao avião, sento-me e só me apetece rir. Se não era o meu lugar que eu tinha reservado, então seria mesmo ao lado! Baixo os olhos, ao mesmo tempo que o avião sobe para o céu, e agradeço.

Uma vez, guardei uma imagem que me disse bastante, na altura, e que releio num íman que está na porta de um frigorífico de uns amigos sempre que os visito: Everything will be ok in the end. If it’s not ok, it’s not the end. Ou, como diz o Lenny Kravitz: It ain’t over till it’s over.

Só acaba quando for o fim.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos da autora aqui

Publicado a 14 Setembro 2022

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