Roteiro de Santiago

Quando decidimos que íamos fazer os Caminhos de Santiago, escolhemos o Caminho Português. E iniciámos o planeamento.

Como tudo na nossa vida, aquilo que conseguimos planear com antecedência, fazemo-lo. Mas não somos inflexíveis, como verão mais à frente. Durante o percurso, fizemos algumas alterações nos locais que tínhamos marcado. Também escolhemos uma aplicação de telemóvel – a Camino Santiago (Xunta) – que nos fosse orientando, se bem que tudo está muito bem organizado, e é muito difícil perdermo-nos se formos atentos.

Uma vez que queríamos a “versão férias” foi importante reservar o serviço de transporte de bagagem. Existem muitas, optámos pela Caminofacil, mas sabemos que os Correos também funcionam bem. Normalmente, eles recolhem as malas a partir das 8 da manhã do local de saída e entregam no ponto seguinte até às 2 da tarde. Não falharam nenhuma vez.

A primeira coisa que escolhemos foram as etapas, ou seja, quantos quilómetros íamos fazer por dia e as localidades onde íamos dormir. Dividimos o percurso em 2+4 dias, um fim de semana e de quinta a domingo, porque não tínhamos muitos dias de férias.

Assim, decidimos pelo usual, e é aqui que esquematizarei o Caminho.

Tui – O Porriño (19 km)

Chegamos a Tui pelas 14h e instalamo-nos no Parador. O Caminho começa quase lá e pareceu-nos uma bela opção. Iniciámos logo o percurso e nesse dia cumprimos a primeira etapa. Não fossem as temperaturas altas e seria fácil. A meio do estágio existem duas opções – seguir pela zona industrial As Gândaras ou escolher o alternativo, que é por bosques. Optámos por este. Eu conheço bem a zona, tinha alguns clientes por lá quando comecei a minha vida profissional, e via muita gente passar a caminhar quando ia visitar algumas empresas. Gostei imenso de relembrar esses tempos. Chegámos ao Porriño a pensar que se fosse sempre assim não seria mau. Bebemos uma bebida fresca, carimbámos a credencial do peregrino e regressámos de táxi ao Parador.

Aqui, demo-nos conta da maravilha que é ter uma piscina à chegada. A verdade é que a recuperação dos quilómetros é mais fácil com água fria nas pernas. Descansámos até à hora de jantar, que foi ali mesmo no hotel. Uma refeição muito boa, com um belo Alvarinho e vista para a cidade.

O Porriño – Redondela (16 km)

Esta etapa fizemo-la pela manhãzinha. Levámos o carro até ao ponto final do dia anterior e voltámos a carimbar a credencial. Para se ter a Compostela há que carimbar pelo menos duas vezes ao dia.

Tinham-me avisado que esta parte tinha uma subida complicada, logo a seguir a Mos, que é uma localidade deliciosa, com um albergue com muito bom aspeto. De facto, não é fácil a inclinação do Caminho, mas senti que todos os meses de ginásio e exercício regular nos últimos meses me ajudaram e cumprimos os quilómetros sem dificuldade de maior. Para mim, o mais difícil foi a descida até Redondela, muito íngreme, que nos obrigou a descer a serpentear, para não arriscar uma queda.

Não é a fase mais bonita, tem muitos quilómetros em alcatrão, mas Redondela é pitoresca. Chegámos, confirmámos o local que tínhamos reservado para quarta-feira, fomos buscar o carro que tinha ficado no Porriño e seguimos para Baiona, porque eu queria uma mariscada. Escolhemos um restaurante com parque de estacionamento para não andarmos muito mais a pé, o Rocamar, e a missão desse fim de semana ficou cumprida.

Redondela – Pontevedra (19 km)

Os meus sogros levaram-nos até Redondela na quarta à noite. Durante a semana, fui procurando hotéis com piscina, porque a nossa experiência no Parador foi muito retemperadora. Consegui mudar dois deles, mas Redondela não. Assim sendo, mantivemos a reserva numa casinha deliciosa no centro da cidade – Redondela Design Home. Chegamos à hora de jantar e fomos a um restaurante de tapas – O Casa Mucha.

Inês Brandão na Ponte Sampaio

Inês Brandão na Ponte Sampaio, a caminho de Santiago.

No dia seguinte, deixámos as malas na Cafetaria La Farola bem cedinho pelas 7 da manhã, onde tomámos o pequeno-almoço, e seguimos Caminho. Este percurso é muito bonito, com vistas sobre a ria de Vigo e a Ponte Sampaio. Tinha lido sobre as duas subidas até Pontevedra, mais uma vez não me assustaram e chegámos tranquilos ao Hotel Rias Bajas, mesmo no centro da confusão. É um hotel tradicional, mas muito limpo e com um bom pequeno-almoço. Fez-nos falta a piscina, mas depois do almoço tardio na Casa Fidel O’Pulpeiro ganhámos forças. A especialidade da casa é polvo e não desiludiu. Existem muitas outras opções na cidade para comer – o Savoy Restobar pareceu-nos ótimo também. Ainda fizemos uns quilómetros durante a tarde, pois Pontevedra é uma animação nesta altura, com imensa coisa para ver. Como tínhamos comido bastante tarde e íamos levantar-nos pelas 6h, fomos descansar e escapámos ao jantar. O dia seguinte ia ser longo, com 23 km.

Pontevedra – Caldas de Reis (23 km)

Esta etapa é muito bonita. Não tinha lido nada sobre a dificuldade, mas encontrei umas subidas complicadas. Realmente, a gestão de expectativas é importante quando fazemos o Caminho – não estava preparada para estas dificuldades, então pareceram-me maiores.

Quando chegámos a Caldas de Reis encontrámos uma cidadezinha simpática e, ao contrário das anteriores, muito sossegada. Chegámos ao Hotel Pousada Real e deparámo-nos com um local muito acolhedor e moderno, como um boutique hotel. A piscina era pequena, mas valeu bem a troca que tínhamos feito nos dias anteriores. A refeição, junto à água, com um belo gin tónico, tábua de queijos e enchidos, e uns bolos caseiros de sobremesa, era deliciosa. Foi o local de que mais gostámos de todo o Caminho. Mais uma vez, fugimos ao jantar e deitámo-nos cedo. O pequeno-almoço foi maravilhoso, comemos imenso, porque tivemos de esperar que a chuva passasse. Esta segunda parte do Caminho foi mais fresca e nesse dia tivemos alguma chuva, o que até soube bem.  Já só faltavam dois dias e as pernas não notavam os 75 quilómetros feitos. A sensação que tínhamos era que podíamos fazer isto por muitos mais dias. Seria o gin do dia anterior a falar?

Caldas de Reis – Padrón (19 km)

O itinerário mais maravilhoso de todos, por entre bosques e floresta mais ou menos densa. Passámos por zonas de pedras que os bastões ajudavam a superar. Houve zonas onde parecia que estávamos no Parque Peneda Gerês, e divertimo-nos no padrão dos 42 kms – já só nos faltava uma maratona para chegar a Santiago… estava quase.

Entrámos em Padrón por um arvoredo que termina na Igreja de Santiago Apóstolo, onde está a pedra (ou padrão) onde foi presa a barca que transportava os restos mortais do Apóstolo Santiago. Pelas ruelas em redor apercebemo-nos que ia haver uma festa medieval e combinámos voltar com os meus cunhados e sobrinho que vinham ter connosco nessa noite. Ficariam para o dia seguinte, onde nos encontrariam em Santiago para nos trazer de volta a casa.

Fizemos as centenas de metros até ao Hotel Monumento Pazo de Lestrove, onde ainda não tinham chegado as malas – era pouco mais da uma da tarde. Mas íamos preparados, tínhamos colocado o fato de banho na mochila do caminho e fomos directos à piscina. Que maravilha!

Almoçámos por lá, dormimos a sesta, já de banho tomado porque as malas chegaram, entretanto, e voltamos à cidade. Parecia o São João! Centenas de pessoas, festa, música, uma animação! Jantámos no Carrisos, que era muito bom, mas não faltam opções nesta cidade. O mais recomendado era o Pazo Asador, mas teríamos de ir de carro e não nos apetecia. De qualquer modo, em Padrón temos de comer os pimentos – “Pimientos Padrón, unos pican otros non”!

Regressámos ao hotel. O dia seguinte era o mais comprido e íamos começar às 6 da manhã, tomando o pequeno-almoço pelo Caminho.

Padrón – Santiago (25km- para nós foram 27 porque o hotel estava antes de Padrón…)

A etapa mais difícil para mim. Com muitas subidas, principalmente os últimos 8km. Talvez fosse da ansiedade, queria chegar a horas da missa do peregrino às 12h, acelerámos o passo e talvez nos tenha custado mais por isso. A dada altura, apercebemo-nos que não seria possível, e relaxámos, mas a tensão já ia nas pernas. Antes da fase final, no Milladoiro, parámos numa confeitaria maravilhosa, La Merenguela, para ganhar forças para o último troço que já se avizinhava desafiante.

Aterrámos na praça da Catedral de Santiago e sentámo-nos com todos os outros peregrinos a admirar o nosso feito. Até ali não me doía nada. Estaria capaz de fazer mais 120 km, se caso fosse! O problema foi quando me levantei para ir buscar a Compostela… parecia que tinha carregado uma tonelada durante todo o Caminho! A mente é mesmo uma surpresa e uma incógnita. E o poder que temos sobre ela também!

Não vou aconselhar nenhum restaurante em Santiago. Há imensos e imagino que tantos bons!

Espero que este roteiro vos ajude. São sugestões que escolhemos livremente e passamos sem qualquer compromisso.

Estes dias serviram principalmente para descansar a cabeça.  Caminhadas de pelo menos 5 horas diárias servem para libertar muita coisa que pesa. Usufruir do Caminho era para nós fundamental, também.

Já estamos a pensar no próximo. Como dizia à minha cunhada na última noite em Padrón “para descansar, nada como fazer os Caminhos!”. Parece ironia, mas é verdade.

 

Inês Brandão é fundadora e Global Business Manager da Frenpolymer. Leia mais artigos de Inês Brandão.

Publicado a 20 Julho 2023

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