A brasileira Beatriz Saiani começou por dar formação em inglês, como trabalhadora independente. Hoje os oito colaboradores da We Go Places ministram 22 cursos de inglês, alemão, francês, espanhol e português para estrangeiros a grupos em empresas como a Bosch, Altice Arena, Blueticket, Hotel Solplay e Pharsolution. A estes trabalhos, somam-se os cursos individuais, as traduções, os wokshops na área de apresentações e coaching.
Licenciada em comunicação oral e mestre em crítica de cinema, defendeu a sua tese de mestrado nos Estados Unidos sobre o realizador português Manoel de Oliveira. Nessa altura, em meados dos anos 1990, imaginava-se a trabalhar como crítica de cinema e televisão. Mas o seu caminho profissional haveria de ser diferente. Rumou à Colômbia onde viveu durante um ano e deu aulas de inglês na Universidade de Córdoba. “Sempre gostei de correr riscos. Naquela altura a Colômbia era definitivamente um grande risco”, conta. “Adorei a experiência e mais ainda de dar aulas. Percebi logo de início o segredo da relação entre aluno e professor”, diz com entusiasmo.
O seu périplo internacional ainda a levaria a Inglaterra e à Alemanha: foi guest relations num hotel de Londres e trabalhou como jornalista assistente na Deutsche Welle, em Colónia. No ano 2000 chegou a Portugal onde haveria de concretizar o seu sonho de ser professora, o que implicou tornar-se empreendedora.
A We Go Places é uma escola itenerante com sete formadores espalhados pela cidade. “Afinal, we go places não é só irmos até algum sitio; é uma expressão idiomática que significa ‘nós iremos chegar lá'”, explica Beatriz Saiani. “Adoro o que faço e faço-o com muito pragmatismo e coração. Tenho uma vontade louca de continuar a crescer e poder dar mais emprego a outros colaboradores. Gosto muito de ajudar os meus e os meus colaboradores. Sinto alegria em pagar-lhes!”
A que se dedicou quando chegou a Portugal?
Tentei dois trabalhos: copy writer numa empresa de desenvolvimento de sites para a internet e depois, já com meu primeiro filho, como assistente numa empresa internacional de Recursos Humanos. Passado dois anos, desisti porque o que queria mesmo era dar aulas.
Após adquirir o CAP [Certificado de Aptidão Profissional, atualmente designado Certificado de Competências Pedagógicas] dei formação distinta. Naquela época, foi difícil darem credibilidade a uma brasileira na área das línguas, principalmente nesta área da formação, em inglês. Eram portas na cara diariamente. Até um dia ser chamada pela ATEC [Academia de Formação promovida pela Volkswagen Autoeuropa, Siemens, Bosch e Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, que se materializou em dezembro de 2003 como uma Associação de Formação para a Indústria]. Pela primeira vez, tive a oportunidade de preparar e apresentar uma aula. Acredito que fiz bem e com entusiasmo. Na mesma altura contrataram-me em full schedule para a Siemens. Aí conheci os meus colegas, lá estivemos juntos durante dez anos e ainda hoje trabalham comigo.
Quando e por que razão decidiu lançar-se como empresária?
Enquanto estava na Siemens tentei sempre variar o trabalho com outras empresas de formação e comecei a ter outros alunos e em outras entidades. No nosso ramo nada é seguro, pois os cursos têm um número de horas limitadas, por isso temos de ter sempre backup plans, para nos salvaguardar.
Através de uma aluna, fui recomendada para o Altice Arena, em 2015. Percebi que sozinha não iria conseguir dar as aulas todas e chamei dois colegas com quem já tinha trabalhado na Siemens. No Altice Arena ganhei know how na coordenação, na relação com o cliente e nas negociações. Trabalhei durante um ano ainda a recibos verdes e em setembro de 2016 abri a empresa, com apenas 500 euros. Havia saído de um relacionamento e não tinha suporte do meu ex-marido, apesar de ter dois filhos pequenos. Era tudo sempre muito contabilizado, pois o dinheiro que entrava não era muito, mas tinha a responsabilidade pelo salário de três pessoas. A pressão foi muita. Tinha de me dedicar e cuidar dos dois filhos, e sem ajudas, mas hoje estou muito feliz e sei que todas estas adversidades fizeram quem sou hoje.
Fez algum marketing dos seus serviços?
Os meus clientes foram conquistados pela minha presença na formação, ou seja, o word of mouth, que na minha opinião é o marketing mais poderoso. Eu estava lá, no dia a dia. A minha resposta às necessidades dos clientes é quase imediata, porque acredito no feedback rápido, não só para o bem mas também para os problemas. Neste aspecto, sinto-me muito alemã – estudei num colégio alemão, em São Paulo e gosto muito dessa cultura.
As relações com os clientes só podem ser construídas nesta base de confiança. O mesmo se passa entre formador e formando. Não se aprende se não se desenvolver uma relação, bem-estar e confiança. O meu serviço vende-se pela relação, pela dedicação e por estar disponível, presente. Quero sentir que somos todos uma comunidade de ensino, onde há a relação entre formadores e coordenador e em que o coordenador, que sou eu, sabe exatamente o que significa dar aulas, criar cursos e lidar com variados tipos de formandos e necessidades distintas.
O preconceito acontece e aconteceu também em instituições bancárias. Foi muito duro negociar ou ter crédito.
Sentiu alguma dificuldade acrescida por ser mulher?
Muitas, por ser mulher e por ser brasileira. Se eu estivesse no ramo da estética ou cosmética, talvez a aceitação fosse mais fácil, mas na atividade da formação em línguas, em que se procura professores nativos, foi terrível. Ao telefone com pessoas que não me conheciam, percebia imediatamente que ficavam surpreendidas ou sem abertura para diálogo quando ouviam a minha voz tipo Roberto Leal. Não me davam crédito. Só depois de verem trabalho feito e perceberem a minha dedicação é que ganhei o respeito dos clientes.
O jeito é dar tempo, ir devagar. Antigamente eu ficava arrasada com este ou qualquer outro tipo de preconceito. Hoje chamo a atenção e não fico afetada. Temos de virar a página. No fundo, todos precisamos ser menos preconceituosos acerca das pessoas, das culturas e das formas de ser e de falar.
O preconceito acontece e aconteceu também em instituições bancárias. Foi muito duro negociar ou ter crédito.
Como foi possível lançar-se só com 500 euros?
Tornar-me empresária foi uma loucura: sem dinheiro e acabada de sair de uma separação e de ter ficado sem nada. Sinceramente, não sei como consegui. Se um cliente se atrasa a pagar a fatura, fico apertada, mas vou sempre contornando. Se eu tivesse aberto a empresa com uma quantidade de dinheiro razoável, com certeza a minha dimensão hoje seria distinta. Assim é tudo ao ritmo de baby steps.
O que faz para se diferenciar da concorrência?
Simples: ser eu a estar lá. Ser formadora, coordenadora e saber o que estou a vender. Na concorrência, por vezes, espera-se três ou quatro dias por uma resposta de email que vem de uma plataforma automática; de seguida, mais três dias para uma consultora (que nunca deu aulas antes, apenas vende o pack) ligar ao cliente. Até o curso arrancar já se passaram meses.
É preciso ter disponibilidade permanente porque de outra forma não funciona.
Qual o principal desafio que enfrenta, enquanto empresária?
São muitos e diários: lidar com os colaboradores e os seus estilos distintos, enfrentar todos os problemas que surgem e relativizá-los, ser uma chefe generosa mas que também consiga exigir, lidar com o stress das faturas não pagas a tempo e responder a todos, ou seja, ter disponibilidade permanente porque de outra forma não funciona.
Qual a principal erro que cometeu e que lição aprendeu, enquanto empresária?
Confiar demasiado nas pessoas e no que nos oferecem e dizem. Hoje sei que há sempre mudanças (internas ou externas) e, se isso acontecer, estou sempre preparada para mudar de rumo. É preciso não desistir, pois novas portas se abrirão. Estar aberta à mudança traz alternativas, versatilidade de pensamento e pode, também, gerar mais prosperidade.
Qual o conselho que daria a uma jovem empreendedora?
Foco! Sei que persistência é essencial, mas foco é tudo.