“As lideranças femininas são mais sensíveis a objetivos de longo prazo”

“Como a liderança feminina está a mudar as empresas” foi o tema da conversa entre  Catarina Pereira, partner da PwC, Purificação Tavares, CEO da CGC Genetics Unilabs, e Juliana Oliveira, CEO da Olimec.

Juliana Oliveira, Purificação Tavares e Catarina Pereira, três percursos e três setores diferentes para mostrar como a liderança feminina está a mudar as empresas.

“Quando olho para o meu percurso profissional sinto que o que me fez chegar aos cargos de liderança não foi tanto a ambição de ser um dia ser líder, mas um processo de autoconhecimento à medida que fui progredindo na carreira”, disse Catarina Pereira, sócia no departamento de auditoria da PwC.

Neste tipo de empresas, como as de consultoria e auditoria, as regras do jogo estão bem definidas com uma grelha de competências para a progressão na carreira. No início estas matrizes de competências são muito mais focadas em questões técnicas e, por isso, Catarina Pereira, que tinha feito a licenciatura em Economia pela FEP, reforçou as suas competências com o curso de ROC (Revisor Oficial de Contas).

“Mas à medida que evoluía na matriz de competências, vi-me de forma automática envolvida e a ter de ultrapassar e atingir outro tipo de competências. A certa altura já estava a falar mais de questões relacionais, inteligência emocional, como é que conseguia conduzir a equipa de forma emotiva, como geria o negócio, como intervinha nas decisões de estratégia”, refere Catarina Pereira.

Descobriu depois que havia muitas outras coisas que gostava de fazer e sentiu-se bem com essa missão. Quando percebeu que as outras competências eram conduzir pessoas a atingir um determinado objetivo e a sentirem-se felizes, a terem valores comuns, gostou. O que autoalimentou a vontade de progredir na carreira e fez por adquirir as competências para a liderança. Hoje a PwC tem 48 sócios em que 14 são mulheres enquanto em 2010, em 29 sócios só duas é que eram mulheres.

 

Pdfs de valor acrescentado

“Percurso improvável” é a forma como Purificação Tavares, CEO da CGC Genetics Unilabs, caracteriza a sua carreira. Médica, especialista em genética médica, fez carreira académica. “O que me mudou foi ter passado cinco anos em Nova Iorque a trabalhar num hospital, porque quis sair do meio familiar muito médico e universitário”. Esta estadia mudou-lhe a perspetiva porque, como sublinha, “quem passa por aquela cidade pensa que pode fazer tudo na vida, não há limites para nada”.

Regressou a Portugal, fez o doutoramento, e seguiu a carreira académica. Mas em 1983 desenvolveu, com o pai e a irmã, bióloga, o primeiro laboratório de genética médica privado no país com tempos de resposta mais rápida, que, em 1992, complementou com o Laboratório de Citogenética. Há cerca de dez anos saiu da universidade como professora catedrática porque “não conseguia dedicar o tempo suficiente para a genética”.

Purificação Tavares diz que a sua paixão sempre “foi cuidar de pessoas” e que considera a sua primeira missão, estejam onde estiverem. Refere que nunca ouviu um “não”, e nunca pensou, “nem por um segundo”, que por ser mulher nunca iria poder fazer o que fez.

Há cerca de 25 anos a sua empresa defrontou-se com atrasos nos pagamentos de dois a três anos por parte do Estado. “Havia trabalho, mas não havia pagamento”. Como tinha muitos convites para congressos e palestras, começou a aceitá-los um pouco por todo o mundo e com isso “começámos a receber trabalho e fazer acordos com esses laboratórios de genética complementar e o nosso mercado geográfico começou a ser o das transportadoras rápidas, o que nos permitiu esbater a sazonalidade e a aplanar o volume de trabalho ao longo do ano”. Hoje, como diz Purificação Tavares, “vendo pdfs de grande valor acrescentado para todo o Mundo a partir do Porto, da Rua Sá da Bandeira porque há cerca de 30 anos era barata”.

 

Uma mulher num mundo de homens

Juliana Oliveira, CEO da Olimec, intitulou a sua história como a “inocência da maturidade” e recorda que, aos 15 anos, escolheu a sua área vocacional de economia porque queria ser ministra para mudar o mundo. Esta era a inocência. Entretanto fez Economia e um mestrado em gestão na FEP, passou pela KPMG durante três anos, e há seis anos criou a Olimec, uma empresa metalomecânica que faz a venda e reparação dos camiões de resíduos, vulgo do lixo. Nessa altura eram três pessoas. Manteve o foco e agora trata-se de mudar o mundo a 40 colaboradores e famílias que trabalham nesta empresa e ainda os stakeholders. Esta é a fase da maturidade.

Quando lhe perguntam porque passou da auditoria para a metalomecânica, responde que foi criada na oficina dos avós que fazia a reparação de camiões de resíduos. Na sua memória estão com as brincadeiras de infância no meio da ferrugem, das limalhas e dos óleos, os almoços com os trabalhadores, o ter aprendido a andar de bicicleta no interior da oficina e o giz com que o avô fazia os moldes no chão da oficina.

“Sou uma mulher num mundo de homens”, mas confessa que o grande desafio foi a idade, chamavam-lhe “a miúda”. Criou a Academia Olimec para formar mão-de-obra especializada como serralheiros, mecânicos, eletricistas, carpinteiros, soldadores. A empresa tem 25% de mulheres na sua força de trabalho e todas andam com “botas de biqueira de aço”.

Um mito que existe na sua área, e em todos os negócios em que há muitos homens, é que é uma desvantagem ser mulher. “Para mim não foi.” No seu caso, como não sabia nada do negócio foram dois homens do tempo do avô que lhe foram desvendando os segredos das operações mecânicas. “Foram homens a ensinar-me, e acho que tiveram mais paciência porque eu era mulher…”, diz Juliana Oliveira. “Se sou mulher vou usufruir disso, e é uma vantagem. Tenho um sócio que é homem, mas quando temos de negociar com clientes com os quais a coisa não está a correr bem, vou eu porque não são tão agressivos para comigo”. Hoje divide a liderança com Luís, sócio com está “casada para a vida no registo comercial”.

 

A carreira e a maternidade

Se para Catarina Pereira a liderança foi um processo de autoconhecimento que se alimentou, o outro objetivo paralelo que queria muito atingir estava pré-estabelecido. Desde o início que “queria ser mãe, ter uma família”. Mas a certa altura colocou-se a questão da sua compatibilização e decidiu ter uma experiência internacional durante dois anos e meio antes de ser mãe. Quando regressou era senior manager e decidiu-se pelo primeiro filho, hoje está grávida do terceiro.

Para Catarina Pereira o maior desafio é conciliar a vida profissional e familiar. Diz que usa muito o que denomina autodomínio. “Quando o assunto está a ficar muito grave, em que não consigo conciliar as duas coisas, respiro fundo, olho para trás e penso: já passei por coisas duras e consegui. O que me vai dando autoconfiança, e recordo que stressar não resolve nada, por isso é necessário manter a calma e usar a inteligência”. Mas lembra que há um mito que diz que quando uma mulher é líder e é mãe, “há qualquer coisa que não faz bem”.

Catarina Pereira diz que desde muito cedo começou a partilhar com os filhos a sua vida, o que faz porque “as pessoas que estão envolvidas e se sentem parte das decisões compreendem, são mais felizes e aceitam melhor”.

“As características individuais de homens e mulheres são mais acentuadas do que a diferença de género, isto é, eu tenho diferenças grandes com outras mulheres e tenho mais afinidade com um homem pelo estilo de observação das coisas”, diz Purificação Tavares. Acentua que são mais importantes as características pessoais de valores. Considera que quanto “mais diversa a empresa, mais esta é saudável porque quando formos monocromáticos estamos perto da extinção”.

 

As vantagens da liderança feminina

Para Catarina Pereira a liderança feminina nas empresas traz a retenção de talento e “ter mulheres na liderança é dar esperança a quem entra e aumentar a probabilidade de ter mais pessoas a subirem na organização porque se sentem inspirada com isso”. Sublinha ainda que as lideranças femininas são mais sensíveis a objetivos de longo prazo, do que ao curto prazo, o que se torna ainda mais relevante quando a sustentabilidade é estratégica e se defende que “não se tomem decisões que possam comprometer o amanhã”.

Por outro lado, “agimos com mais emoção e podemos trazer os valores da família para dentro da organização, e somos mais honestas no feedback e isso traz mais clareza e comunicação”, considera Catarina Pereira.

Segundo Juliana Oliveira o género feminino tem uma inteligência emocional e um foco na resolução e na solução do problema, o que “faz com que no nosso caso tenhamos muitas mulheres na empresa, apesar da força bruta do chão de fábrica serem os mecânicos e os serralheiros”.

 

 

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