Somos aquilo que comemos ou comemos aquilo que somos?

Para ser saudável, é necessário ser equilibrado. A educação alimentar desde a infância é uma boa ferramenta para que isso aconteça.

Peixe e legumes são excelentes opções alimentares.

Considerado, por muitos, o “pai dos nutricionistas portugueses”, o médico Emílio Peres dizia que “somos aquilo que comemos”. A frase salienta a importância de uma alimentação saudável. Mas hoje, tal como considera Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, também “comemos aquilo que somos”.

Beatriz Oliveira, diretora de Qualidade, Marketing & Operações da Eurest, não poderia estar mais de acordo. Por isso defende a intervenção ao nível da prevenção e o tratamento primário das patologias associadas à alimentação desequilibrada, que ocorrem cada vez mais em Portugal, onde os padrões de consumo se têm alterado nos últimos anos.

A mudança foi ainda mais evidente em consequência da última crise económica, que originou a diminuição do consumo de carne e peixe, e a mudança das preferências dos portugueses da carne de vaca e porco para o frango e outras aves. “As crises, por vezes, influenciam a opção das pessoas por uma alimentação saudável, o que não aconteceu em Portugal”, explica Beatriz Oliveira, acrescentando que, “infelizmente, o consumo de fruta e hortícolas também baixou”. Em particular o de leguminosas como feijão, grão, ervilhas, favas, soja e lentilhas, que se mantém muito diminuto em relação às recomendações dos nutricionistas. Têm características nutricionais únicas – elevado valor proteico e riqueza em fibras, vitaminas e minerais – e uma pegada ecológica muito inferior à carne ou ao peixe. É um grupo alimentar que constitui uma excelente fonte proteica de custo muito acessível, cuja produção tem baixo impacto ambiental.

O baixo consumo de fruta e hortícolas e o elevado consumo de sal e açúcar são os grandes problemas atuais da alimentação no nosso país.

Perante esta “fotografia”, conclui-se que o padrão alimentar português encontra-se distante do preconizado pela dieta mediterrânica e pela roda dos alimentos. Mas nem tudo são más notícias. Segundo Beatriz Oliveira, o crescimento do número de crianças e adultos obesos está a abrandar e há, hoje, maior consciencialização dos portugueses para a importância de uma alimentação saudável.

O que é que mudou para pior?

As tradições gastronómicas foram-se perdendo ao longo das gerações. Há, hoje, “uma aculturação da alimentação em Portugal, que até poderia não ser negativa se as raízes da dieta mediterrânica não se tivessem perdido”, explica Beatriz Oliveira, acrescentando que o baixo consumo de fruta e hortícolas e o elevado consumo de sal e açúcar são os grandes problemas atuais da alimentação no nosso país.

É fundamental introduzir cedo os vegetais na alimentação das crianças.

A apetência dos mais jovens por fruta e hortícolas é bastante reduzida. “Em 2002, 5,7% dos adolescentes inquiridos diziam nunca ou raramente consumir fruta”, diz Beatriz Oliveira. Acrescenta que, “em 2014, esta fatia cresceu para os 9% e o cenário aplica-se também às hortícolas”. Por isso, “é urgente contrariar este panorama, através da promoção do consumo destes alimentos nestas faixas etárias”, defende. Num País com excelentes condições para as produzir deve-se também promover o consumo local e sazonal, contribuindo para equilibrar a dieta dos portugueses e dinamizando, em simultâneo, a economia nacional.

Os portugueses consomem hoje quase o dobro da quantidade de sal e de açúcar recomendados pela Organização Mundial de Saúde.

É também importante alertar a população para o consumo excessivo de sal. “Hoje, cada português ingere, em média, 11 g de sal por dia”, diz Beatriz Oliveira. Mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um consumo diário inferior a 5 gramas por pessoa. Uma das melhores formas de reduzir a sua ingestão em excesso é a educação do paladar, com o tempo, para alimentos e pratos cada vez com menos percentagem deste ingrediente. Outra é ler os rótulos dos produtos alimentares antes de os comprar, optando pelos que têm mais baixo teor em sal.

Consumo de açúcar é o dobro do necessário

Os adultos portugueses consomem, em média, quase o dobro do peso máximo de açúcar admitido pela Organização Mundial de Saúde: 50 g. Este excesso pode resultar na redução da ingestão de alimentos de elevado valor nutricional e no aumento da ingestão energética total, promovendo uma alimentação desequilibrada, ganho de peso e aumento do risco de desenvolvimento de doenças crónicas não transmissíveis.

A educação em casa e na escola é fundamental para sensibilizar os mais jovens para hábitos saudáveis.

As recomendações da OMS indicam que a ingestão de açúcares simples adicionados à nossa alimentação deve ser inferior a 10% da energia diária consumida. De preferência, devemos aproximar-nos dos 5%, o equivalente a seis colheres de chá. “Estes números representam que o açúcar adicionado aos alimentos em snacks, sumos, sobremesas e cereais de pequeno-almoço, entre outros, não deveria ultrapassar as seis colheres de chá de açúcar”, explica Beatriz Oliveira, acrescentando que “uma simples lata de refrigerante tradicional pode conter 10 colheres de chá de açúcar”. Como este é um estimulante potente das papilas gustativas, é necessário habituar o paladar a uma ingestão menor de açúcar.

Programas de educação para a saúde desenvolvidos no contexto escolar, que promovem comportamentos saudáveis nas crianças e jovens, têm demonstrado resultados claramente positivos.

A educação alimentar em Portugal tem, como base, a roda dos alimentos. É uma base forte para o sucesso da estratégia de redução da ingestão de açúcar. “Programas de educação para a saúde desenvolvidos no contexto escolar, que promovem comportamentos saudáveis nas crianças e jovens, têm demonstrado resultados claramente positivos”, diz Beatriz Oliveira, acrescentando que há estudos que mostram que as crianças que beneficiam deste tipo de intervenções têm melhores comportamentos relacionados com a saúde. Outra estratégia poderá passar pela taxação de alimentos com elevado teor de açúcares, tal como já acontece atualmente com as bebidas. Mas este tipo de medidas apenas serve para aumentar impostos e o preço dos alimentos, se não for enquadrado numa política nutricional que envolva Estado, empresas e outras instituições, e consumidores.

Uma das melhores formas de saber se praticamos uma alimentação saudável é verificar a quantidade de embalagens que existe nos caixotes de lixo. Uma alimentação na qual predominam alimentos frescos, nacionais, que respeite a sazonalidade (fruta, hortícolas) e inclua produtos do dia (por exemplo, o pão) possui claramente um teor muito reduzido de aditivos alimentares. E “a água é, de facto, uma das bebidas de eleição”, defende ainda Beatriz Oliveira.

FAÇA UMA ALIMENTAÇÃO MENOS AÇUCARADA

Prefira água ou infusões sem adição de açúcares em vez de refrigerantes e bebidas açucaradas;Não introduza açúcar de adição na alimentação das crianças até aos dois anos de idade;
Para sobremesa, prefira fruta fresca em vez de bolos ou doces;
Nos pequenos lanches e snacks, prefira opções de fruta e legumes prontos a consumir (exemplos: maçã, palitos de cenoura), água, sanduíches de pão de mistura e iogurtes pouco açucarados;
Na aquisição e seleção de produtos alimentares procure comparar os rótulos nutricionais e verificar os teores de açúcar. Identifique açúcares “escondidos”, como frutose, glicose, maltose, sacarose e dextrose, xarope de milho, açúcar invertido, xarope de glucose, sumo de fruta concentrado, melaço.
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