Anja Manuel: “Tens de ser o teu próprio role model”

Anja Manuel é uma das grandes referências mundiais em geopolítica, e esteve em Portugal numa conferência promovida pela Liberty Seguros, para falar sobre o papel de Portugal como competidor global. E nós falámos com ela sobre o futuro das mulheres no mundo do trabalho.

Anja Manuel é sócia de Condoleezza Rice numa empresa de consultoria estratégica.

Com um discurso fluído e as ideias muito bem organizadas, Anja Manuel conquistou de imediato os cerca de cem convidados que enfrentaram a chuva forte para escutarem as suas ideias na Conferência The Role of Portugal as a Global Competitor, que a Liberty Seguros e a PSO realizaram na Fundação Calouste Gulbenkian, a 2 de março.

Durante quase uma hora, esta alemã que vive nos Estados Unidos mas que passa o tempo a viajar pelo mundo como consultora especial do Subsecretário dos Assuntos Políticos do Departamento de Estado dos EUA, com a responsabilidade pela política da Ásia do Sul e pelo desenvolvimento político  de relações com o Afeganistão e Paquistão, tendo feito parte do processo de negociações que conduziu ao acordo nuclear celebrado entre os EUA e a Índia, falou sobre as principais mudanças que estão a acontecer no mundo e de como a tecnologia está a impactar as políticas globais. Especialista mundial em geopolítica e autora do livro This Brave New World: India, China and the United States, editado em 2016, Anja Manuel não fugiu a temas quentes como a influência da Rússia na eleição de Donald Trump, mas também a ascenção da China e da Índia, e de como a tecnologia está a provocar uma concentração extraordinária de bilionários em Silicon Valey que não existe em nenhuma outra parte do mundo. E claro que o reduzido protagonismo que as mulheres têm no empreendedorismo tecnológico também foi tema.

Anja Manuel chamou a atenção para o facto de as mulheres terem dificuldades acrescidas em empreender na área da tecnologia, que considera praticamente um boys club, porque é dominado por investidores masculinos que preferem financiar empreendedores em vez de empreendedoras. E quando se pensa que a solução mais rápida seria incluir mais mulheres nos boards nos fundos de investimento que apostam em startups, a especialista tem uma má noticia: muitos desses fundos evitam contratar mulheres e quando as têm não lhes permitem ascender na carreira como os seus colegas, porque, para a maioria, a maternidade ainda é um impedimento à promoção. Esta discriminação só será corrigida quando as regras do jogo forem iguais para os dois géneros, insistiu, dando o exemplo da consultora em que trabalha [é sócia de Condoleeza Rice na empresa de consultoria estratégica RiceHadleyGates LLC] os homens passaram a ter direito ao mesmo tempo de licença de parentalidade concedido às mulheres. “Só assim as mulheres podem deixar de ser prejudicadas nas promoções”, disse com a segurança de quem sabe do que fala.

No final da sua intervenção, quisemos falar com Anja Manuel para saber como se desenrolou a sua carreira e como vê o futuro das mulheres.

Há poucas mulheres na tecnologia porque os investidores parecem um boy’s club e os informáticos são intelectualmente brilhantes, mas têm dificuldade em relacionar-se, sobretudo, com mulheres.

Porque é que a tecnologia continua a ser um mundo de homens?
Em Silicon Valley ouve-se as companhias queixarem-se que não conseguem encontrar programadoras e engenheiras, mas ainda assim na Universidade de Stanford, por exemplo, 25% dos estudantes de Ciências da Computação são mulheres. A questão é que poucas dessas mulheres são contratadas e ainda menos são promovidas, por isso há uma imensa pool de talento feminino que pode trabalhar nesta área. Depois temos o facto de os investidores parecem um boy’s club, tal como a banca nos anos 1970, e dos informáticos serem intelectualmente brilhantes mas terem dificuldade em relacionar-se, sobretudo com mulheres. Por isso preferem trabalhar entre homens. É uma falsa questão. Há muito trabalho a fazer nesta área.

 E nas grandes companhias em geral, porque há tão poucas CEO?
Calculo que as mulheres devem representar cerca de 10% dos CEO na lista Fortune 500. As principais promoções acontecem geralmente na idade em que as mulheres decidem ser mães. E como a licença de parentalidade não é igual para mães e pais, existe sempre a desculpa “Não vou promover uma mulher agora que ela vai estar afastada para ter o bebé”. Porque não igualar a licença de parentalidade? Assim, acabavam-se as desculpas.

Mas existe também outra questão, ainda que seja difícil de admitir. Algumas mulheres acham que não vale a pena os sacrificios que progredir na carreira implica, quando até têm um trabalho que as satisfaz e que lhe permite passar mais tempo com a família. Penso que a maioria das pessoas ainda não percebeu que a discriminação de género e racial é tão subtil, que é muito difícil de mudar.

Sempre que surge um obstáculo no meu caminho, encaro-o como mais um desafio a superar, enquanto outras pessoas não.

As quotas podem ajudar?
Acho que sim, mas a transição é difícil. Para não ser encarada como uma quota é preciso explicar aos homens que ocupamos o cargo que ocupamos porque somos tão ou mais competentes do que eles. Mas é preciso dizê-lo com algum sentido de humor para que os homens não reajam com agressividade.

Qual considera ser o sucesso da sua carreira?
Tenho tido uma sorte incrível, bons mentores, e sou muito confiante e determinada. Sempre que surge um obstáculo no meu caminho, encaro-o como mais um desafio a superar, enquanto outras pessoas não.

É importante ter mentores?
É muito importante, mas não pode ser qualquer pessoa. Quando falo para mulheres mais jovens, há sempre várias que no final vêm ter comigo e me pedem para ser sua mentora. Mas não funciona assim! Um mentor tem de ser alguém que conheça e goste do teu trabalho e que te pode ajudar a dar o passo seguinte. É difícil isto acontecer numa relação artificial.

É preciso ter confiança, ambição e querer realmente para conseguir vencer.
Algumas pessoas perguntam-me “Não existem role models, como é que faço?” e a minha sócia Condoleezza Rice tem a resposta perfeita para isso: “Se eu tivesse ficado à espera que uma afro-americana se tornasse secretária de Estado, continuaria à espera!” Isto significa que a determinada altura é preciso avançar. Tens de ser o teu próprio role model!

Chega a um nível em que é preciso usar a rede de contactos para passar ao nível seguinte, e é aqui que a maioria das mulheres falha.

Que conselho deixaria a uma jovem?
Primeiro, invista numa boa formação, porque para as mulheres ainda é muito importante poder dizer “Trabalhei para a empresa X, estudei na universidade Y”. Segundo, faça o seu trabalho o melhor possivel. Ninguém te vai promover por seres mulher ou uma minoria por isso há que ser mesmo boa naquilo que faz. Em terceiro lugar, chega a um nível em que há muita gente talentosa, excelente e fortemente empenhada para fazer o trabalho e é preciso usar a rede de contactos para conseguir passar ao nível seguinte, e é aqui que a maioria das mulheres falha. Percebi isso quando passei pelo governo norte-americano e estive pela primeira numa posição em que podia ajudar as pessoas a avançar na carreira. Os homens estavam sempre a ligar-me para me dizer “Podemos tomar um café?”, “Podes dizer-me como é trabalhar para o Departamento de Estado?”, “Com quem devo falar?”, “Como me posso candidatar ao emprego?”, “O que preciso de fazer?”. Havia de longe muitos mais homens a fazer estas abordagens do que mulheres, por isso não surpreende que consigam os lugares mais facilmente. Por outro lado, as mulheres têm um desafio acrescido, têm de fazer as coisas de forma subtil para não serem olhadas como agressivas.

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