Andreia Tibério dos Santos, 43 anos, estudou Gestão de empresas na Universidade de Évora. Depois de ter terminado o curso, fez um estágio de pós-graduação no Centro Servizi Cultura Sviluppo, em Pistoia, comunidade italiana situada perto de Florença. “Na altura estava interessada em sair para ter outro tipo de experiências, e assim o fiz”, conta acrescentando que ainda trabalhou na operadora de comunicações Maxitel, antes de se candidatar a um programa de estágios na PT, em 1999. Em 2016, quando era consultora sénior e gestora sénior para o segmento above de line da PT Portugal/Altice, decidiu dedicar-se, em definitivo, ao ofício de restauro e encadernação de livros, no atelier que já partilhava com o pai.
Andreia Tibério dos Santos sempre gostou de livros e desde muito cedo acompanhava o avô, Victor Santos, “um dos mais conceituados encadernadores e douradores da sua época”. O pai, Fernando Santos, economista de formação, depois de se reformar não resistiu ao apelo de dar continuidade ao ofício de Victor Santos e fundou, com a filha, a oficina de encadernação e restauro, Arte no Livro, depois de recolher, durante os anos em que acompanhou o pai, notas, informações e documentos sobre vários processos e técnicas, que são a base e a inspiração do trabalho de ambos.
Qual foi a razão da mudança?
Em 2016 fiz uma avaliação pessoal e profissional sobre a minha vida e achei que perante toda a experiência que tinha adquirido, ao nível da gestão e comunicação ao longo dos anos todos que tinha de trabalho, em conjunto com o ofício que tinha aprendido com o meu avô, e que ainda estava a aprender com o meu pai, no meu tempo livre, que fazia todo o sentido dedicar-me ao que, no fundo, era um legado da família. Por isso sai da PT e dediquei-me profissionalmente à oficina de encadernação e restauro de livros da família, para dar continuidade aquilo que eu considerava que era uma arte e um ofício que merecia toda a atenção da minha parte.
Quando estamos a trabalhar para nós temos de incluir, para além do que fazemos em termos de restauro e encadernação de livros, no nosso caso, a estratégia de comunicação do nosso negócio e o trabalho de escritório, entre outros, para que as coisas corram bem.
É possível viver desse negócio?
Quando estava a trabalhar por conta de outrem, tinha uma outra estabilidade e um estilo de vida diferente. Há quatro anos passei para uma situação em que dependo do meu trabalho. É um modelo de negócio completamente distinto, onde tenho uma responsabilidade muito maior.
Quando estamos a trabalhar para nós temos de incluir, para além do que fazemos em termos de restauro e encadernação de livros, no nosso caso, a estratégia de comunicação do nosso negócio e o trabalho de escritório, entre outros, para que as coisas corram bem.
Quais são as principais dificuldades de gestão num negócio como o vosso?
Como a encadernação e restauro de livros precisa de tempo, quando estamos a trabalhar focamo-nos apenas nisso. A principal dificuldade é, por isso, a falta de tempo para divulgar mais o trabalho que desenvolvemos no atelier. Não há muitos artesãos como nós. Mas o nosso ofício é dirigido a um mercado de nicho e, por isso, tem de ser trabalhado de uma forma muito orientada em termos de comunicação. E como este não é um negócio que se gere por si, é preciso haver também um tempo para o back office, para fazer a parte mais administrativa e tudo o mais que é necessário.
O que é que faz um restaurador/encadernador?
Restauro e encadernação, um ofício que já não existe muito em Portugal, que deveria ter mais visibilidade, principalmente porque implica o trabalho de recuperação de coisas belas e extraordinárias, como são os livros antigos. Temos de os preservar, pois são memórias, tal como os ensinamentos antigos, porque são conhecimento.
Recuperar livros é um trabalho muito minucioso e técnico, que requer muito tempo. Como tal, tem de ser valorizado. É preciso grande concentração e disponibilidade mental. Temos de estar muito focados.
Como é que os clientes chegam ao vosso atelier?
A maioria chega ao nosso site através de pesquisas em motores de busca pelo tema “encadernadores”, e depois até nós. Mas há muitos outros que nos contactam devido ao passa palavra e há outros que voltam depois de nos terem contactado pela primeira vez.
Quantos livros entram e saem por ano do vosso atelier?
Não consigo dizer, porque esta não é uma fábrica e aqui é tudo muito variável. Todos os livros que chegam são diferentes e, por isso, requerem uma atenção e um tempo de trabalho diferente.
E até quanto tempo pode levar o restauro de uma obra?
Até alguns meses, tal como as encadernações. Se estivermos a falar de uma obra de luxo, que inclua um trabalho muito minucioso, principalmente no que respeita ao dourado, porque o fazemos sempre com folha de ouro fina, que implica uma técnica complexa, só superada pelo trabalho de dourado por folhas, também demora bastante tempo.
O que é que envolve a restauração de um livro?
Recuperar livros é um trabalho muito minucioso e técnico, que requer muito tempo. Como tal, tem de ser valorizado. Para além da técnica, que tem de ser exímia, de excelência, existe uma grande ligação entre aquilo que fazemos, o trabalho prático individual, com a nossa predisposição para isso. É preciso grande concentração e disponibilidade mental. Temos de estar muito focados.
Se for, por exemplo, uma edição original do século 15, em pele ou em pergaminho, é preciso incluir todo o trabalho necessário para limpar o livro, arranjar todas as páginas soltas, amachucadas e rasgadas, para o manter no estado original e preservar a encadernação existente. Por isso nunca dou valor nenhum sem ver o livro e perceber o trabalho envolvido no seu restauro.
Temos documentos relacionados com todos os processos de encadernação, sobre a arte de dourar e de dourar por folhas, processos muito complexos, que poucas pessoas fazem com folha de ouro. O conhecimento sobre a forma de realizar este último só é passado de geração em geração para uma pessoa. O meu avô fê-lo para o meu pai, e este para mim. Este ofício tem destas coisas únicas.