Andrea Nunes: “Nunca escolhi entre trabalho e família, fiz sempre uma conciliação sem sentir culpa.”

Depois de 14 anos com provas dadas em Recursos Humanos, recebeu o convite do grupo espanhol Constant e, em 2016, lançou o negócio em Portugal. Começou sozinha, do zero, e sete anos depois tem 50 pessoas na gestão direta e 1200 na operação. Andrea Nunes, country general manager do Grupo Constant em Portugal, garante que a sua dedicação à carreira nunca prejudicou a família e que consegue desligar quando sai do trabalho.

Andrea Nunes é country general manager do Grupo Constant.

Andrea Nunes tinha um lugar garantido na empresa do pai, mas cedo decidiu que faria uma carreira fora do negócio da família. Considera que o facto de conhecer a realidade das empresas desde que aos 15 anos , nos períodos de férias substituía as colaboradoras administrativas na empresa do pai lhe deu uma vantagem acrescida quando entrou no mercado de trabalho, após a licenciatura em Gestão de Recursos Humanos. Ao contrário dos colegas, sabia muito bem o que implicava gerir uma empresa na prática e não apenas o que aprendera nos livros, mas ainda assim reconhece que lutou mais do que o normal para provar o seu valor porque não queria falhar.

O seu primeiro emprego foi na Randstad em 2002, que acabara de entrar em Portugal, onde desenvolveu o canal Horeca e, em 18 meses, chegou a Team Leader. Em 2009 aceita a sua primeira função de topo ao mudar para Egor. Não contava com a grande diferença que existe entre uma multinacional e uma empresa nacional, mas tudo o que fez para ajudar a colocar a Egor ao nível das melhores, garantiu-lhe o convite seguinte. O grupo espanhol Constant desafiou-a a lançar a empresa em Portugal. Recorda-se bem do primeiro dia em que entrou no escritório com 20m2, vazio, com os filhos — porque eram férias escolares — e pensar: “Vou ter de começar do zero!”. Hoje, sete anos mais tarde, Andrea Nunes, country general manager do Grupo Constant em Portugal, tem uma equipa de gestão de 50 pessoas e dá trabalho a 1200 colaboradores.

 

Como é que surge a sua entrada na empresa do seu pai?

O meu pai está no comércio e pós-venda do setor automóvel. Tornou-se empresário muito cedo e tem uma enorme capacidade de correr riscos. Atualmente não é fácil, mas há 40 anos era ainda mais difícil.

Desde os meus 15 anos que as férias escolares eram passadas a trabalhar com o pai. Ele organizava a empresa de forma que as férias do departamento administrativo fossem asseguradas por mim , e eu sabia que de Junho a Setembro só teria descanso no período de férias que tínhamos em família. O objetivo do meu pai era que tanto eu como o meu irmão conhecêssemos na prática o que era uma empresa, quais as dificuldades na sua gestão e que sacrifícios existiam para garantir um estilo de vida mais confortável a toda a família. Não tinha qualquer tipo de regalia face aos restantes colaboradores, entrava as 9h e saía tarde, não almoçava com o Pai, ou almoçava em casa ou no refeitório.

Entrei na faculdade com 17 anos, e pedi para fazer um estágio na banca porque tínhamos muitos amigos nesse setor, queria ter contacto com outra realidade, fui admitida e quando ia iniciar, uma semana antes, uma das administrativas demitiu-se e  tive de assegurar as suas funções na empresa, ou seja, mais uma vez as prioridades eram sempre as necessidades da empresa da família.

 

Estava a trilhar o caminho para a sucessão?

Para ele seria, para mim não. Cresci numa família tradicional, em que a Mãe trabalhava em casa, dependia financeiramente do Pai, e eu tive sempre como objetivo contrariar essa realidade, creio que isso orientou a minha vida.

Quando terminei a faculdade, aos 21 anos, o Pai contratou um profissional de RH para implementar um processo de certificação de qualidade, pensando que esse processo iria ser acompanhado por mim, mas esse foi o momento mais difícil em que tive de explicar que queria seguir o meu caminho, o meu projeto. Foi o primeiro momento em que falámos acerca desse assunto e não foi fácil. O Pai achou sempre que eu trabalharia na empresa porque me estava a preparar para isso, mas eu sabia que a diferença no modelo de gestão seria enorme e que as semelhanças entre nós não seriam benéficas em termos do bem estar familiar.

Cresci com a ideia e certeza que gerir uma empresa é um enorme desafio, o que facilitou o meu posicionamento nas organizações onde trabalhei, sendo mais sensível a todas as preocupações e dificuldades dos empresários e à necessidade de entender os direitos e os deveres de todos.

 

Decidiu que não queria ser empresária, que iria sempre trabalhar para outros?

Acredito que sou de missões, neste momento vivo intensamente este desafio e não me vejo na empresa de família que está muito bem entregue ao pai, mãe e irmão.

 

Como reagiu o seu pai ao facto de não querer trabalhar na empresa da família?

Achou que era uma decisão momentânea e creio que desvalorizou.

Fui contactada para uma entrevista na holandesa Randstad, que estava em Portugal desde 2000 e acabei por ser selecionada. Quando informo a família do meu inicio a 1 de Agosto de 2002, o meu Pai oferece-me o dobro do salário, mas nem isso me dissuadiu e acredito que sempre lutei até mais que o habitual, com uma motivação extra porque não podia nem queria falhar.

Na Randstad enquanto Consultora Comercial 360º desenvolvíamos atividade comercial e administrativa, uma experiência absolutamente nova para mim, mas foquei-me ao máximo, e tive a sorte de iniciar numa organização em forte crescimento e com enormes oportunidades, que tentei agarrar ao máximo. Sempre dediquei muitas horas ao meu trabalho, queria muito fazer acontecer, ultrapassar expectativas e em 2003 agarro o projeto do canal HORECA, hotelaria, restauração e catering onde com uma equipa inexcedível e altamente comprometida atingimos e superamos todos os objetivos a nível nacional.

 

Que lições aprendeu com os seus pais?

Com o Pai aprendi que ser empresário é duro, desafiante, solitário. Na maioria das vezes se critica o empresário pelas suas decisões, pela gestão, esquecendo a pressão, a responsabilidade e a resiliência. Com o Pai aprendi a ser resistente e a não desistir.

A Mãe inspirou-me a ser melhor pessoa em cada dia, transmitiu-me os valores certos, mas estou certa que nunca chegarei a ser o ser humano fantástico que é. Demonstrou-me a cada dia que deveremos dar o exemplo, mas também insistiu que não deveria ser tão exigente comigo, mas que deveria lutar sempre pela minha independência em todos os sentidos. Fui uma felizarda e vivi num ambiente familiar de puro amor.

 

“[Quando mudei para a Egor] tinha 29 anos (comecei a trabalhar aos 21) e liderava uma empresa com um board em que a média etária era 50 anos. E tinha de fazer valer as minhas ideias.”

 

Como chega à Egor?

Após 7 anos na Randstad, e com a saída de um colega de trabalho que era uma grande referência profissional e pessoal para mim, questionei algumas decisões da organização e até que ponto eu estaria alinhada com o projeto.

Sempre fui profissional e focada nos resultados independentemente de estar mais ou menos motivada com a organização, e  isso aprendi a ser desde muito cedo. Mantive-me no projeto com a mesma dedicação, mas na minha cabeça sentia-me já disponível para um novo projeto.

Em 2009 sou convidada pelo Dr. Amândio da Fonseca para o cargo de Diretora Executiva do Trabalho temporário. Foi um enorme desafio,  numa posição de topo com report direto ao fundador do grupo. Era fulcral reorganizar a estrutura, profissionalizar e tentar transformar uma empresa portuguesa e familiar numa multinacional com processos de trabalho mais rigorosos e transversais.  Em 2009 estávamos em plena crise económica, eu tinha 29 anos e liderava uma área de negócio com pouca expressão dentro do grupo. Com muito orgulho, colocámos o Trabalho Temporário da Egor no mapa, e durante 3 anos sucessivos fomos considerados pelos nossos clientes a Melhor Empresa de Trabalho Temporário.

 

Qual o peso da área de trabalho temporário dentro da Egor?

Em 2009 a área de Recrutamento e seleção pesava muito favoravelmente na imagem do grupo, mas o outsourcing era líder interno, bem posicionado no mercado nacional, com operações em clientes de enorme relevância e muito bem liderado. O Trabalho Temporário teve de percorrer o seu caminho, desenvolvendo o seu negócio com a abertura de diversos escritórios a nível nacional, o que implicou um enorme esforço na divulgação de um negócio pouco explorado pelo grupo ao longo dos anos.

O Grupo Constant estava a iniciar uma parceria connosco em termos de trabalho temporário com a abertura de algumas unidades hoteleiras e é nesse momento que conheço a direção do grupo e surge a primeira abordagem.

 

Porque recusou essa primeira abordagem do Grupo Constant?

Após todos os desafios que tinha ultrapassado no desenvolvimento deste projeto, estava a passar uma fase mais tranquila e a recolher os frutos de todo o esforço, e o grupo Constant aborda-me para o arranque do projeto em Portugal. Durante estes 7 anos na Egor tenho mais um filho, ao mesmo tempo que colocávamos em pratica um projeto de rebranding da marca, com um novo posicionamento no mercado, mais atual e moderno.

Após abordagem inicial do Grupo Constant recuso o convite, mas depois com a persistência e o conhecimento mais detalhado do projeto fui apaixonando-me pelo potencial do negócio em Portugal. O Grupo Constant é um grupo espanhol prestador de serviços, em áreas como logística, hotelaria, field marketing, facilities, e eu tinha 14 anos de trabalho temporário, era especialista na colocação de colaboradores mas não na sua gestão e externalização.

Estava na Egor há 7 anos, o potencial de desenvolvimento pessoal era muito lento e incerto, e com 35 anos tinha a oportunidade de criar uma empresa à minha imagem e integrada num grupo muito sério, e que me transmitiu confiança e os valores certos.

Foi difícil a minha saída, tanto para mim como para a Administração, mas não tenho dúvidas que fiz a escolha certa.

 

O que fez no primeiro dia em que entrou no escritório?

Procurei um escritório em Lisboa, e foi em 20m2 na Avenida da Liberdade que cresceu o Grupo Constant Portugal. Iniciei sozinha, com um computador e um telemóvel, e com muito para fazer. Ainda pensei que estaria 15 dias de férias, mas na realidade, a ansiedade não permitiu, e em 15 dias  levei todos os dias os meus filhos comigo, e ia tratando de coisas como advogados, contabilista, reuniões com bancos, licenciamento da empresa de trabalho temporário, tudo a que obriga a constituição de duas empresas.

 

Qual é hoje a dimensão da Constant em Portugal?

Fechámos 2023 com uma faturação de 18 milhões de euros. Em 2017 iniciamos a atividade de Trabalho Temporário através da Personal7, em 2018 lançamos a Gesgrup, marca de outsourcing logístico, em 2019 nasce o recrutamento especializado e consultoria através do HR&Training  e a marca Weldon que se dedica a Facility services.

Os anos de 2020 e 2021 foram muito duros para a Personal7, uma vez que as empresas dispensaram os trabalhadores temporários para conseguirem manter as suas estruturas e sobreviverem.

Temos em 2024 sete escritórios em Portugal, em Lisboa, Vila Franca de Xira, Marinha Grande, Águeda, Porto, Trofa e Viana do Castelo, com 50 pessoas que todos os dias trabalham para proporcionar serviços de excelência aos nossos clientes e colaboradores colocados que já são mais de 1200.

 

Os negócios são como a nossa vida pessoal. Começamos a namorar aos 15 e chegamos aos 30 e achamos que aquela pessoa acabou por não acompanhar a nossa vida como imaginámos, porque as pessoas vão mudando.

 

A Andrea é uma entre os escassos 14% de diretores-gerais que são mulheres. Na sua visão porque é que acha que isto acontece e o que pode ser feito para alterar a situação. Sempre teve a ambição de chegar a diretora-geral?

Sinceramente, a liderança sempre foi uma característica inata: iniciei o meu percurso enquanto escuteira aos 8 anos e até aos 16 liderava sempre os meus grupos de trabalho.

Sou altamente insatisfeita, acredito que fazer melhor deve estar no topo das nossas prioridades, e que fazer bem dá o mesmo trabalho de fazer mal. Neste momento sou altamente intolerante. Acredito que devemos respeitar o perfil pessoal e de competências das nossas equipas, mas as organizações precisam de pessoas apaixonadas diariamente pelo que fazem, e eu tento transmitir essa paixão em tudo o que faço.

Nós mulheres, pessoas, profissionais, temos muitos desafios diários, e eu consegui ao longo destes 22 anos de carreira conciliar o meu tempo entre família e trabalho, e é nessa conjugação que sou feliz e realizada. Neste nosso múltiplo papel, Mulher, Mãe, Profissional, concentro a minha energia apenas no que me acrescenta, e isso é transversal à vida pessoal e profissional, e não abdico disso.

Acredito que temos sempre de focar num objetivo, e seguir todos os passos até o atingir, foco, resistência e resiliência, e essas são características de qualquer ser humano, mulher ou homem. Eu nunca fiz uma escolha entre trabalho e família, fiz sempre uma conciliação sem sentir culpa, acredito que isso foi determinante no meu percurso.

 

Acha que  são apenas 14% porque as mulheres continuam a não apostar na sua carreira?

Esta questão da conciliação é muito importante e há muitas mulheres que não o pretendem fazer, e é naturalmente legítimo, mas a posição de liderança obriga a tempo, a gestão de prioridades, a uma gestão solitária, e há mulheres que não encontram nisso a sua felicidade.

Foram muitas as vezes em que não consegui chegar a tempo de deitar os meus filhos, mas compensava com outros momentos e experiências, e o melhor que podemos transmitir aos nossos filhos é que somos felizes e que devemos lutar por aquilo que acreditamos. Não seria com certeza feliz no papel exclusivo de Mãe e nem os meus filhos me exigiram, em qualquer momento, algo que eu não conseguia dar. Desenvolvemos uma relação de respeito mútuo.

 

Sente-se um role model para outras mulheres?

É sempre uma enorme pressão esta questão de sermos o exemplo. Acredito que sim, é natural, sou muito perfeccionista, sou profissional e amiga dedicada e tenho como prioridade que as pessoas que me rodeiam, especialmente as mulheres, sejam tão bem sucedidas ou melhor do que eu. Quando me pedem, gosto de aconselhar outras mulheres, partilhar experiências boas e más que ditaram o meu caminho, tentando que não repitam os mesmos erros. Há duas características que valorizo muito nas mulheres que é a humildade e gratidão.

Gosto de cuidar, sou uma cuidadora por natureza, altamente resolutiva, até demais.

 

Qual foi o momento mais difícil na sua carreira?

Foi o lançamento da Constant, sem dúvida.

 

Qual a vitória que lhe deu mais gozo ou a mais difícil de conquistar?

Tudo o que estou a conquistar agora no Grupo Constant. O desafio de desenvolver negócios tão distintos, em setores de atividade tão exigentes e fundamentais para os nossos parceiros,  mas ao mesmo tempo constatar que tenho uma equipa de gestão orientada para o cliente e para o resultado, tudo isto dá-me um enorme orgulho.

 

Nesse percurso, houve algum erro que tenha cometido que lhe tenha pesado mais?

Há sempre vários erros que cometemos e que nos ajudam a tornar cada vez mais fortes. O recrutamento e seleção de profissionais que fazem parte da nossa equipa, que como nós são a cara da empresa, quando os selecionamos consideramos que cumprem todos os requisitos e que se enquadram nos valores e na missão do grupo, e verificar ao longo do tempo que a exigência daquele momento não suporta aquele perfil que em outro momento da organização já seria possível, isso obriga a que tomemos decisões difíceis. Não retratamos pessoas, mas sim vidas e famílias.

Os negócios são como a nossa vida pessoal, começamos a namorar aos 15 e tudo está perfeito, mas, quando chegamos aos 30, muitas vezes chegamos à conclusão que aquela pessoa não acompanhou a nossa vida como imaginámos, porque as pessoas vão mudando.

 

Quais as características que a trouxeram até ao cargo que ocupa? Já referiu a sua resiliência e persistência, e a liderança pelo exemplo…

Acredito que tenha sido o perfeccionismo, ser detalhista mas acima de tudo ter uma enorme capacidade de trabalho. Sou muito feliz a trabalhar, mesmo quando estou de férias sinto necessidade de acompanhar tudo o que está a acontecer, porque os negócios não param, e as decisões precisam ser tomadas, mesmo aquelas mais simples. Ao longo dos anos aprendi que tenho de separar dois espaços, o espaço trabalho e o espaço família e amigos. Quando entro em casa, desligo o meu cérebro, deixo os problemas que não posso resolver no escritório e não penso neles.

Tenho um enorme equilíbrio em termos pessoais e profissionais. Costumo dizer que me divirto tanto quanto trabalho, e isso permite manter-me saudável e focada.

Sou muito focada e rigorosa, e aprendi ao longo destes mais de 20 anos a aceitar as diferenças e caraterísticas individuais, e esse foi um enorme desafio de tolerância que os anos e a experiência nos trazem.

 

Falou na sua relação com os outros. Que características é que procura nas pessoas que a rodeiam?

Fidelidade e transparência. Isto é transversal na minha vida pessoal e profissional. Quando as pessoas têm maus princípios, são maus colegas e individualistas não consigo desfocar e distinguir essas características das competências profissionais, são inseparáveis.

 

“Orgulho-me de nunca ter passado por cima de ninguém. Em todas as organizações, muitos dos que hoje trabalham comigo, eram meus diretores.”

 

Qual a melhor decisão que já tomou?

Em termos pessoais foi ser mãe, nunca pensei ser Mãe nem o tinha como prioridade, mas foi com certeza a melhor decisão da minha vida.

 

E a pior decisão?

Todas as decisões tiveram o seu sentido, mesmo quando não correram bem.

 

Com o que sabe hoje, o que diria à jovem Andrea quando começou a sua carreira?

Faz tudo igual, não mudes nada.

 

Não houve nada que tenha descoberto na sua carreira que estava completamente enganada?

Houve várias, mas não vejo isso de forma negativa, acredito que faz parte. Sempre me foquei em fazer o melhor que sabia, nunca abdicando dos meus valores e princípios individuais, foquei-me no sucesso e em não desapontar aqueles que eu quero e me querem bem, e ser motivo de orgulho daqueles que fazem da minha vida uma experiência tão feliz: o meu marido, filhos, irmão e os meus Pais.

Podia ter seguido um caminho mais simples e confortável, mas escolhi, como escolho sempre, o caminho que me dirige à felicidade, mais labiríntico mas, ao mesmo tempo, mais prazeroso e que me realiza enquanto pessoa.

Orgulho-me de ter percorrido um caminho sem prejudicar os meus pares, nunca misturando amizade com trabalho, mas deixando boas experiências e memórias.

 

Ao longo do seu percurso teve mentores, pessoas que foram referência para si?

Os mentores foram claramente a minha família, aqueles que me proporcionaram uma infância e adolescência feliz, que transmitiram os valores de que hoje não abdico e transmito aos meus filhos, e que permitiram que eu fosse teimosa, resiliente, empreendedora, e que diariamente me sentisse insatisfeita, com vontade de fazer mais e melhor.

O Pai ultrapassou inúmeros desafios e nunca baixou os braços, lutou de forma persistente pela sobrevivência de toda a família e de todos os que com ele construíam a empresa, e não me esqueço nunca da mensagem positiva de que iria conseguir ultrapassar todos os obstáculos, mesmo aqueles que pareciam impossíveis.

 

“Nós mulheres temos de provar mais do que os homens. Temos de provar a seriedade da nossa posição e do nosso conhecimento.”

 

Neste seu percurso alguma vez sentiu que estava a ser discriminada? 

Nunca senti discriminação ostensiva, na realidade nunca. Em diversos momentos percebi alguma avaliação precoce da eventual capacidade para a decisão, mas após a discussão de ideias essa sensação sempre se foi esbatendo.

Acredito que uma mulher com poder cria sempre nos homens alguma mística. Nunca senti assédio das chefias, pelo contrário, tive sempre ótimas relações com as minhas chefias masculinas, aliás todas as minhas chefias foram masculinas até agora.

Acho também que nos devemos levar menos a sério e relativizar as coisas para tornar mais leve toda a relação pessoal e profissionais, e nisso acho que as mulheres são menos leves e mais intensas, precipitadas e criticas.

 

Nas reuniões alguma vez teve dificuldade em fazer-se ouvir?

Não, em nenhum momento. Acredito que também depende de nós fazermo-nos respeitar e isso vai determinar o comportamento do outro. Assisti ao longo da minha carreira a imensas faltas de respeito entre homens, em reuniões, em momentos de partilha de opiniões e de tomada de decisão. Considero que o respeito ou a falta dele acontece até ao limite que cada um de nós define para as relações, sejam pessoais ou profissionais.

 

Alguma vez pensaram que por ser mulher seria pior negociadora?

Continuo a achar que ser mulher ou homem não determina nada, se no momento seguinte nos focarmos em demonstrar do que somos capazes e qual o objetivo que nos conduz até ali.

Negociar, liderar, gerir são competências que considero  inatas, portanto temos de nascer com essa capacidade e ao mesmo tempo gostar de fazê-lo. Acredito que o recetor da mensagem irá sentir isso mesmo ao longo daquela conversa e ter vontade de comprar pela confiança e carisma.

 

A Andrea gosta de se arranjar e de estar bem vestida. Isso dificultou a sua ascensão, por ser considerada mais fútil ou não?

Sou assim desde sempre, já em criança e adolescente tentava transmitir a todas as pessoas que me rodeavam o poder e a importância da imagem, do cuidado. Considero que quando uma pessoa se cuida demonstra amor próprio e preocupação com o detalhe. Na verdade dá o mesmo trabalho fazer bem e fazer mal, porque não preocuparmo-nos com a nossa melhor versão?

Diariamente transmito às minhas equipas que muitas vezes temos mais de parecer que ser. Pode parecer redutor, mas é a minha opinião, só temos na maioria das vezes uma única oportunidade para criar uma boa impressão, e tudo conta, a forma como estamos vestidas, como falamos ou nos sentamos.

As novas gerações são de extremos, uma versão que depende absolutamente da imagem, e a outra que acredita que a imagem não acrescenta nada, como em tudo há que existir moderação e adaptação ao local e a quem nos dirigimos.

 

“Desligo quando chego a casa. O exercício é pensar em tudo menos no trabalho. É um esforço, uma disciplina que me obrigo a ter.

 

Como começa o seu dia?

Levanto-me cedo, por volta das 6h15, preparo tudo na véspera, tomo o pequeno-almoço e ao mesmo tempo vejo as notícias, tomo contacto com o que se passa no mundo. Pelas 9h estou em Lisboa. Quando são dias de escritório, reúno com as equipas, respondo a emails, preparo os dias seguintes, termino o dia com um treino entre as 19h e as 20h, e sigo para casa com o sentimento de dever cumprido.

Janto em família, adoro cozinhar, desligo dos problemas diários e foco-me apenas na minha família e no descanso e recuperação de energia para o dia seguinte.

 

Aprendeu a desligar, sozinha ou alguém a ensinou?

Aprendi a desligar, foi um mecanismo de defesa que permite que não seja engolida pelos inúmeros problemas e decisões diários. Sei que parece muito difícil, até em casa o meu marido pergunta como é possível, e eu sei que esta capacidade de desligar faz aumentar a minha energia, permite-me dormir 6 a 8 horas por noite e garantir que no outro dia tenho capacidade para dar resposta aos novos desafios.

Inicialmente foi um esforço, atualmente é normal e uma disciplina que me obrigo a ter.

 

Quando é que se sente verdadeiramente feliz?

Com a minha família e amigos, sou uma privilegiada, sem dúvida.

Mas na verdade sou muito feliz a trabalhar. Tomei a decisão na minha vida de pensar sempre no perspetiva mais positiva de tudo, e em encarar os problemas como desafios, e que tudo o que não implique saúde tem solução, então há que tomar decisões, não enrolar os problemas, e o dia seguinte trará com certeza novas soluções, mas também novos problemas.

 

O que é para si ser bem-sucedida?

É olhar para tudo o que construímos e ter orgulho, mesmo das decisões mais difíceis, ou até erradas, mas aprender com isso. É ser feliz, e fazer os outros felizes e  deixar um contributo com memória para todos.

 

E depois da Constant?

Essa é uma pergunta difícil, não sei, ainda tenho muitos projetos para o Grupo Constant, mas tenho outras áreas de interesse, acredito que conseguirei fazer qualquer coisa bem porque me vou sempre esforçar ao máximo para o conseguir.

Sou constantemente desafiada para trabalhar em alguma coisa ligada a  viagens e lifestyle. Quem sabe um dia não o faço. Neste momento só quero viver e aproveitar a vida ao máximo, ver os meus filhos crescer, acompanhar a minha família, e partilhar toda a minha vida com o meu marido.

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