Licenciou-se em Economia na Faculdade de Economia do Porto e a banca de investimento era a área que, inicialmente, mais a entusiasmava, mas a primeira experiência profissional, e a única fora das telecomunicações, foi na Procter & Gamble. Ana Paula Marques trabalhou três anos no marketing da multinacional que lhe deixaram marcas que duram até hoje – de tal forma que 19 anos depois ainda dá por si a arrumar frascos de champô nas prateleiras dos supermercados -, mas trocou a segurança de uma carreira que já se adivinhava bem sucedida, pelo projeto incerto de uma startup chamada Optimus. Tinha apenas 24 anos, quase todos lhe diziam que seria uma má decisão de carreira, mas hoje a administradora executiva da NOS não duvida que foi uma decisão arriscada mas uma das melhores que tomou. Não teve, pelo menos, ainda, uma experiência internacional que não o MBA, mas passou por uma tentativa de OPA, por uma fusão, pela liderança de uma associação setorial e está agora envolvida no programa de transformação da operadora que tem hoje cerca de 2500 colaboradores.
Iniciou a carreira na Procter & Gamble e três anos depois estava no setor das telecomunicações. O que a fez mudar?
A Procter & Gamble foi uma experiência fabulosa! Trabalhei numa marca global [Pantene], aprendi o poder de uma cultura organizacional muito forte, percebi o impacto de trabalhar com pessoas verdadeiramente excecionais, e aprendi que o cliente e a sua compreensão estão, efetivamente, em primeiro lugar.
Estava muito apaixonada pela P&G, mas não resisti ao desafio de poder construir uma empresa a partir do zero, empresa essa que tinha a ambição de se tornar uma das maiores portuguesas, e decidi arriscar. Deixei um percurso mais certo e seguro por um desafio que eu considerava que ia ser muito diferente dos que eu tinha tido até à data. Na altura não tive, obviamente, a noção do quão decisiva seria esta opção.
Quais os principais momentos da sua carreira?
A entrada na Optimus foi muito marcante, porque implicou uma diversidade de funções muito grande e um percurso de carreira muito acelerado. Foi uma experiência muito forte pela diversidade de coisas que fiz, pela diversidade de pessoas com as quais trabalhei na altura, e também pela velocidade com que tive de crescer. Foi na Optimus que assumi pela primeira vez a direção de uma área [a direção de marketing do segmento das pequenas e médias empresas].
Sentia-se preparada?
Acho que para essas coisas nunca nos sentimos verdadeiramente preparadas. Lembro-me que senti algum receio saudável, mas também uma vontade enorme de abraçar esse desafio.
Quando a OPA falha foi preciso ter a capacidade de mobilizar as pessoas e construir uma organização que tivesse um novo rumo, um novo sentido de propósito.
Depois dessa primeira direção, qual foi o grande desafio seguinte?
Foi quando passámos pelo projeto da OPA, e, sobretudo, o momento seguinte, quando a OPA falha. Foi preciso ter a capacidade de mobilizar as pessoas e construir uma organização que tivesse um novo rumo, um novo sentido de propósito. Foi um momento muito marcante. A seguir à euforia e à grande energização em torno de um objetivo que depois não se concretiza, é muito desafiante conseguir motivar as pessoas.
Entre 2007 e 2013, vivemos anos de profunda transformação do modelo operacional da empresa, com um enfoque maior na agilidade e velocidade e com um projeto forte no domínio da eficiência. Foi um período bastante desafiante também para mim. Nessa fase, tive ainda o convite para presidir à associação setorial e é muito diferente trabalharmos na lógica corporativa, num sector que é altamente concorrencial, e presidir a uma associação à qual pertencem todas as empresas e ter de interagir com todos os agentes deste ecossistema – desde as empresas aos reguladores, ao Governo, e aos grupos parlamentares.
Nesse mandato, tinha o desafio de transformar a APRITEL [Associação de Operadores de Telecomunicações] numa associação que trabalhasse verdadeiramente os temas de interesse sectorial. Foi um período muito rico, pelo desenvolvimento de maturidade executiva, de inteligência emocional e também de skills fortes de negociação. E que só foi possível com muita motivação e energia e com uma equipa de suporte muito boa.
Durante estes 19 anos em que trabalha nas telecomunicações nunca teve a tentação de mudar de setor?
Fui várias vezes abordada nesse sentido, mas recusei. Ficar foi uma decisão que tomei por escolha e não por inércia. Ao longo deste caminho, contactei com imensas empresas dos mais variados sectores, porque as telecomunicações operam em todas as áreas, mas este é de facto um setor fascinante, pelo impacto que tem na vida das pessoas, pela velocidade a que tudo acontece, pela tecnologia e também pela grande abrangência e sofisticação deste ecossistema. A mudança e a transformação têm sido uma constante, e isso para mim é fundamental.
Portanto, tem conseguido desafiar-se na mesma empresa?
Se me dissessem há 20 anos que eu continuaria neste setor tanto tempo depois ou que passaria por uma diversidade tão grande de funções, eu ficaria surpreendida. Tal como se me tivessem dito que atravessaria uma OPA, uma fusão, que iria gerir uma associação setorial ou que me interessaria por futebol, algo que para mim pareceria uma impossibilidade. Os desafios que aconteceram no setor e na minha carreira foram tão distintos que, na realidade, foi o que me fez ficar na empresa até hoje.
Mais do que ser uma especialista numa determinada área, tenho o privilégio de poder tocar em áreas muito diferentes, o que me faz acreditar que o contributo das minhas equipas tem um verdadeiro impacto na organização.
Qual é a sua missão na NOS?
A minha principal missão é a de contribuir para uma empresa realmente orientada para o futuro, que esteja muito comprometida com a excelência, com a transformação e com a satisfação dos nossos clientes e, acima de tudo, que seja uma empresa de pessoas para pessoas. Este último designío tem muito a ver com a cultura da empresa e também com a minha forma de ser, e não apenas com o facto de um dos meus pelouros ser o dos Recursos Humanos.
Tenho áreas tão transversais como a Marca e a Comunicação, o Serviço a Clientes, os Processos, a Logística e Gestão de Terminais, a Instalação e Manutenção, a Gestão de Ativos e Serviços Gerais, o Market e Customer Intelligence, os Recursos Humanos e a Direção de Transformação.
Quais dessas áreas mais a apaixonam?
Todas, e esta não é uma resposta politicamente correta, porque na verdade o que hoje mais me apaixona na minha função é o grau de transversalidade que tenho na organização. Mais do que ser uma especialista numa determinada área, tenho o privilégio de poder tocar em áreas muito diferentes, o que me faz acreditar que o contributo das minhas equipas tem um verdadeiro impacto na organização. Posso começar a manhã a trabalhar no modelo de carreiras, de seguida discutir o que está a acontecer nas linhas de atendimento e acabar o dia a falar de transformação digital e o que vai ser o futuro da robotização. Isto é algo que me atrai bastante, porque não é monótono.
Monotonia é algo que não afeta este setor. De que forma as constantes mudanças têm impactado a empresa?
Este é um sector que obriga a que as empresas que nele operam, independentemente da sua dimensão ou antiguidade, tenham uma capacidade gigantesca de estarem em permanente transformação. Neste momento, identificaria dois grandes desafios, a transformação digital e a captação e retenção do talento.
Nós acreditamos que a NOS tem sido um agente muito ativo em criar as condições para que a sociedade portuguesa se transforme, cada vez mais, numa sociedade de informação, e que, este sector, tem um efeito multiplicador na capacidade de transformar a nossa economia. Temos feito um clara aposta para sermos catalisadores de todas as oportunidades que a tecnologia oferece, e levar essas oportunidades às famílias e às empresas portuguesas e a todos aqueles que atuam na economia. Queremos continuar a inovar na oferta de produtos e serviços, não só porque isso cria oportunidades de desenvolvimento tecnológico para o país, mas porque queremos ser uma referência mundial nas áreas das telecomunicações e do entretenimento. Esse é um propósito que temos enquanto organização.
Muito do talento que às vezes deixamos de adquirir ou perdemos, não é para empresas nacionais, mas para empresas internacionais.
E em relação à captação e retenção de talento?
Esse é outro grande desafio porque estamos num país que é grande em desígnio, mas pequeno em dimensão, o que leva a que, em muitas situações, estejamos a competir por talento à escala global. Muito do talento que às vezes deixamos de adquirir ou perdemos, não é para empresas nacionais, mas para empresas internacionais. E numa altura em que se fala muito de escassez de talento, especialmente nas áreas das STEM’s, (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemáticas), nós acreditamos que o nosso sucesso depende, sobretudo, da competência e da agilidade das nossas equipas para enfrentar os novos desafios.
A escassez de talento na área das tecnologias leva-nos à questão da dificuldade em encontrar mulheres para trabalhar nesta área. A NOS tem feito algumas ações específicas para atrair este target?
Não temos medidas específicas para atrair e reter o talento feminino, ou para promover a igualdade de género, porque acreditamos que o nosso profundo compromisso para com uma cultura meritocrática, é o melhor contributo para a evolução do talento feminino. Hoje, um terço dos nossos diretores são mulheres.
E temos uma atuação muito forte nas universidades com o programa NOS Alfa, que permite aos alunos contactarem com muitos trainees e diretores, dos dois géneros. Com esta iniciativa acredito que conseguimos passar a mensagem que apostamos na diversidade e que temos um sistema altamente meritocrático. Na NOS a capacidade de evolução ao longo do funil de talento, depende apenas do desempenho e do potencial.
A cultura organizacional onde trabalhamos condiciona muito a nossa capacidade de evolução.
Como podem evoluir as mulheres que trabalham em empresas que ainda não têm essa cultura mais meritocrática?
O melhor conselho que dou é “mudem de empresa!”, porque a verdade é que a cultura organizacional onde trabalhamos condiciona muito a nossa capacidade de evolução.
Qual a melhor decisão de carreira que tomou?
Talvez a melhor decisão de carreira que tomei foi aceitar o desafio do projeto da fusão. Este acontece numa altura em que eu pensava seriamente em mudar e diversificar de setor, não era uma decisão tomada, mas era algo natural, de um ponto de vista de evolução de carreira. Hoje não tenho dúvidas de que aceitar esse desafio foi a melhor decisão que poderia ter tomado. É uma experiência única, que não acontece muitas vezes na vida, pela riqueza da transformação e da mudança. Em Portugal, são raras as vezes a que assistimos a fusões desta dimensão, com esta complexidade, com a velocidade a que teve de ser concretizada e com a tipologia de resultados que conseguimos.
Repare que a fusão acontece numa fase [2013] em que as equipas precisavam de ser reenergizadas, o país atravessava uma crise e o setor não crescia. É em momentos como este que a resiliência, a energia e a determinação são verdadeiramente postas à prova. É em momentos desafiantes que mais crescemos.
E qual é que foi a decisão mais difícil que tomou, até hoje?
Foi a de deixar a Procter & Gamble. Deixar uma empresa na qual aprendi muito, deixar uma marca global, deixar a segurança de uma carreira previsível e que me estava a fazer muito bem, deixar a perspetiva da componente internacional, que na altura eu queria muito, por uma start-up que nem sequer estava lançada no mercado. Foi uma decisão difícil e, para muitos dos que estavam à minha volta, uma má decisão de carreira.
Que conselho deixaria a uma jovem executiva?
O primeiro conselho é o de terem pensamento próprio e tomarem nas suas mãos o seu destino. O segundo, é terem coragem para fazerem escolhas, tomarem decisões e não se deixarem intimidar por pressões. O terceiro conselho é a curiosidade intelectual, a disponibilidade e vontade de aprender até ao fim, e, finalmente, um último, que é o de perceberem que o que faz a diferença são as pessoas com quem trabalhamos e as que impactamos. É tudo isto, associado a um forte sentido de ética, que, no meu caso, me permite dormir descansada.
A primeira vez que pensou em fazer um MBA foi logo a seguir à licenciatura, por “culpa” de uma intervenção do Professor António Borges, que na altura era o dean do INSEAD, sobre a experiência de fazer um MBA. A diversidade de nacionalidades, de culturas, de backgrounds deixou-a muito entusiasmada, ainda que na altura pouco soubesse sobre o que era efetivamente um MBA. Acabou por deixar a ideia em standby, até que em 2002, achou que estava na altura de fazer uma pausa numa carreira que sentia que tinha evoluído muito depressa.
Decidiu parar um ano para ganhar mais perspetiva e mais mundo. A decisão foi inteiramente apoiada pelo Grupo Sonae, “que sempre apostou muito na formação dos seus quadros”, e Ana Paula Marques não duvida que aquele foi um dos melhores anos da sua vida. Foi um ano de intensa aprendizagem, não só porque adquiriu uma visão mais global e holística da gestão, mas também pelo contacto com “professores extraordinários” e, acima de tudo, pelos amigos que fez. A oportunidade de conviver e trabalhar com pessoas realmente muito diferentes teve um impacto muito forte também a nível de crescimento pessoal.