Tudo começou com um sonho que concretizou há 14 anos: fazer voluntariado em África. Num orfanato, durante 20 dias, Susana Damasceno contava histórias, criava instrumentos musicais, organizou uma pequena biblioteca com ludoteca, cantava e dançava. “Foi graças a esta experiência que me apercebi do quanto era afortunada. Já no final da missão, questionei-me sobre o que iria fazer com tudo o que ali tinha vivenciado. Já lá vão 14 anos a liderar uma Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), cujo nome foi decidido após uma bela noite de dança africana no antigo B´leza, a escrever nos vidros dos carros o que viria a ser a AIDGLOBAL – Agir, Integrar, Desenvolver pela Educação à escala Global”, conta Susana Damasceno.”Nunca me imaginei a liderar uma ONGD, mas o balanço é muito positivo, principalmente por duas grandes razões: pelo que aprendo diariamente para poder fazer um bom trabalho em prol da melhoria da qualidade de vida dos beneficiários dos nossos projetos que, na sua maioria, são crianças e jovens e, acima de tudo, pelo fato de poder continuar ligada à Educação.”
Durante 10 anos, Susana Damasceno foi professora de Português e Inglês do 2.º ciclo do ensino básico. “Gostava de lhes falar do mundo, contava-lhes as viagens que fazia e as minhas descobertas, incentivava-os a crescer através dos livros, realizava teatro com eles, convidava escritores e atores para debaterem ideias e, desta forma, alargar os seus horizontes.” Era uma professora exigente porque sempre teve a “convicção que ter acesso à Educação é uma oportunidade que não chega a todos”.
Depois da licenciatura, investiu num segundo curso superior, o de Estudos Portugueses e Lusófonos – Especialização em Língua e Cultura Portuguesa, na Faculdade de Letras da Universidade Nova de Lisboa. fez, ainda, uma Pós-graduação em Ensino do Português como Língua Não Materna. “Adoro a minha língua e adoro ler”, afirma. Este “amor pela Língua Portuguesa, pelo ensino, pelas crianças e jovens” levou-a a, no âmbito da AIDGLOBAL, a criar uma Rede de Bibliotecas Escolares no Distrito do Chibuto, na província de Gaza, em Moçambique. A rede de 27 bibliotecas em breve deverá aumentar para 30, com a chegada de um contentor que transportará cerca de 30 mil livros, na sua maioria de literatura infanto juvenil.
Nos cinco primeiros anos da AIDGLOBAL não conseguiu tirar férias e trabalhava praticamente 7 dias por semana. “Com a chegada do meu filho, hoje com 7 anos de idade, tenho tentado gerir as prioridades da melhor forma possível, sempre com a ajuda incansável e extraordinário dos meus pais, mas nem sempre é fácil de conciliar. Os fins de semana são na sua maioria sacrificados. Basta pensar que os últimos quatro meses passei-os a separar livros para serem enviados para Moçambique. Mas há sempre espaço para um dos meus hobbies preferidos: a jardinagem. Tenho um pequeno jardim e horta e pôr as mãos na terra é uma forma de gerir a ansiedade. Para as curtas férias que consigo tirar, levo sempre trabalho comigo. É inevitável.” O seu lema: “é difícil, mas é possível”.
7:15
Geralmente, é por volta desta hora que o despertador toca bem baixinho… Gosto de acordar com o canto dos pássaros. Tenho esse privilégio, porque vivo no campo. Permaneço cerca de 15 minutos “a pensar na vida”. Depois de estabelecer algumas metas, ganho coragem e inicio a correria doméstica matinal.
7:30
Começo, em primeiro lugar, por cuidar da nossa gata, a Mimi. Há sempre um breve momento de afetos e brincadeira que me dão imenso prazer e boa energia. Depois, é tempo de despachar o lanche do miúdo, tirá-lo da cama com um abraço e uma declaração de amor e tomarmos o pequeno almoço juntos com tranquilidade, mas sempre a olhar para o relógio. Como esta é a minha refeição preferida, confesso que os nossos pequenos almoços são muito prazenteiros, porque ainda não estou muito acelerada. Só um pouco! Como a escola do meu filho fica a 5 minutos de casa, logo que o deixo, às 9h, verifico os e-mails, respondo aos urgentes, e começa tudo, de novo!
9:00
Já no carro – o meu escritório móvel – faço os telefonemas para a minha equipa, relembrando urgências, dando orientações, antecipando respostas a e-mails, esclarecendo questões. A equipa é constituída essencialmente por juniores e, por isso, há que ter em conta a componente formativa das indicações. É muito exigente, mas é bom vê-los crescer profissionalmente. Um dos segredos da AIDGLOBAL é trabalhar com gente nova, multinacional, multicultural e multirracial.
9:30/40
Hora a que chego ao nosso local de trabalho, no Parque das Nações, e, consoante os dias, começam os trabalhos. Enquanto diretora executiva da AIDGLOBAL, não tenho dois dias iguais. Os meus dias são tão aleatórios que tão depressa posso estar a realizar a execução financeira de um projeto como estar a dar formação a professores em Educação para a Cidadania Global, a participar numa reunião com um CEO de uma empresa para apresentar a AIDGLOBAL, a ligar a fadistas para os convidar a participarem, solidariamente, no nosso espetáculo anual de angariação de fundos – “ O Fado Acontece” —, ou acolher uma estagiária INOV CONTACT e capacitá-la para ir trabalhar para a nossa delegação em Moçambique, estar numa reunião Skype com a nossa gestora do Gabinete de Projetos, que está a liderar a nossa delegação na Ilha de Porto Santo, e discutir com ela uma candidatura ou, então, a fazer a mala para ir novamente viajar no âmbito de um dos 8 projetos que estamos a promover só em Portugal.
12:30 /45
Hora de ir ao ginásio recarregar baterias para libertar o stresse para melhor pensar e agir. Sempre que posso, almoço no ginásio que oferece uns sumos de fruta deliciosos e uma ementa com comida muito saudável. É inevitável ver, ali, também, os e-mails e realizar um ou outro telefonema. Confesso que gosto de almoçar sozinha. É um momento de paragem que só voltará a acontecer quando adormeço. Quartas e sextas-feiras são dias em que geralmente não vou ao ginásio e reservo-os para almoços de trabalho.
14:15/30
De volta ao gabinete e com as baterias reforçadas, é tempo para mais reuniões ou para leituras de relatórios, candidaturas ou e-mails que chegam às centenas por dia, porque como não tenho chefias intermédias, passa tudo por mim. Os desafios são permanentes e complexos. A par da sustentabilidade, que é sempre a questão na ordem do dia, há vários projetos para gerir, todos eles com atividades que exigem grande criatividade e disponibilidade. Acresce a tudo isto, uma equipa com um significativo índice de mobilidade.
Tento sempre planear as reuniões externas para o mesmo dia. Penso que é mais produtivo desta forma, pois, geralmente, elas são mais consumidoras de tempo, devido às deslocações. Nos dias em que posso prolongar o meu horário, começo o 3.º round por volta das 18:30, hora em que os colegas terminam o seu dia de trabalho e eu fico em silêncio e sem interrupções a trabalhar sozinha. É quando faço tarefas que exigem maior concentração.
Quando estou em Moçambique, o trabalho duplica, porque não só tenho de cumprir com a agenda local como ainda tenho de dar despacho a todos os assuntos de Portugal. E aqui os dias começam às 6h da manhã e findam à 1h da manhã. É duro, mas vale a pena!
Nunca termino o meu dia sem atualizar o meu calendário, assinalando o que está feito e reagendando o que ficou por fazer. Sou totalmente dependente da minha agenda!
20h
Hora habitual a que saio do local de trabalho com exceção da quarta feira, porque tenho a minha aula de tango. E desde que descobri que o tango imita a vida, tenho tentado aprender a viver melhor, dançando tango. Sorrisos!
Quando conduzo para a casa é tempo de ouvir música, ligar aos amigos, avisar os meus pais que estou a chegar para abraçar o meu filho.
20:30/21h
A hora de jantar é sempre animada quer seja em casa dos meus pais quer seja em nossa casa, porque para além de se conversar sobre como decorreu o dia, é tempo de dar a conhecer uma música de que se gostou, é tempo de cantar e dançar, de rir e de partilhar afetos.
22h
O dia nunca acaba sem despachar um último e-mail e/ou responder a mensagens que surgem nas redes sociais de que a Organização dispõe. Segue-se, então, o momento mais feliz do dia: ler uma história ao meu filho. Também eu me esforço por fazer as minhas leituras diárias — um capítulo de um dos livros que tenha à cabeceira, sempre acompanhada de uma bela chávena de chá.
Eis que chega o momento de respirar fundo e agradecer por mais um dia vencedor.
É difícil? É…, mas é possível!