As mulheres estão cada vez mais nas empresas mas enquanto os homens vão subindo no organograma elas vão ficando para trás. Já se sabe como é, as razões são cada vez mais discutidas e o problema não é exclusivamente português. Mas a verdade é que continua a ser assim. No best-seller “Faça Acontecer – Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar”, Sheryl Sandberg, a Chefe Operacional do Facebook, tocou no ponto e adiantou uma solução. Diz ela que “uma das decisões mais importantes para a trajetória profissional de uma mulher é a escolha do marido”. O comentário fora de contexto até pode dar azo a interpretações. Mas Sheryl Sandberg clarificou-o poucas linhas abaixo, escrevendo: “É um facto que a ascensão das mulheres a altos cargos de liderança é rara (por enquanto) e crescer na carreira será impossível se essa mulher não tiver apoio do marido. E não há exceções”. Teresa Burnay e Nuno Machado são um bom exemplo.
Por isso, perante a interrogação “carreira ou família?”, tanta vezes colocada no íntimo de muitas, a resposta será “as duas, se o marido ajudar”. E há maridos que ajudam e até fazem uma paragem na sua carreira para apoiar o percurso profissional das suas mulheres. Não serão muitos, mas os exemplos existem e um deles é protagonizado pelo casal Teresa Burnay e Nuno Machado, que optou por afinar estratégias, dividir tarefas, e por rumo a Londres para ela poder aceitar novos desafios e continuar a sua progressão na área do marketing de uma importante multinacional, a Unilever.
“O maior impulsionador desta mudança foi o Nuno, que ofereceu todo o seu apoio e se focou nas vantagens”, diz Teresa.
Nuno Machado conta que esta foi uma decisão muito ponderada, tomada a dois, de que não está nada arrependido. Para Teresa Burnay esta foi a decisão mais difícil da sua vida. “ “É fácil tomá-la quando não estamos bem, mas não era o nosso caso. Ambos tínhamos bons empregos e uma vida estável, mudar era um risco. Além disso, como bons portugueses, temos uma família grande a quem somos muito apegados e afastar-nos custou muito. Tivemos de ponderar bem os prós e contras mas o maior impulsionador desta mudança foi o Nuno, que ofereceu todo o seu apoio e se focou nas vantagens”.
A família já está perfeitamente adaptada à sua vida em Londres.
Nem mesmo nos dias em que mais sente a falta do mar, da praia e da pesca, programas que fazia com os irmãos e alguns amigos quando vivia em Oeiras, Nuno desmoraliza. Ou quando se sente mais isolado porque, principalmente na escola das filhas, que ele acompanha de perto, há muitos encontros em que é o único homem no meio de tantas mulheres e, por isso, nem sempre lhe apetece participar. E a parte social ressente-se. Mas gosta de estar lá. “As miúdas estão adaptadas e a Teresa está muito bem e com boas avaliações profissionais”, esclarece ele, que apesar de se considerar “um homem de praia” e de estar conformado com a falta que os amigos e a pesca lhe fazem – “não dá muito jeito pescar no Tamisa” – também diz que gosta de viver em Londres, uma cidade “onde tudo funciona e muito bem”.
“Olhei para a carreira da minha mulher e para as oportunidades que eram dadas às minhas filhas e não hesitei”, conta Nuno.
Investir na mulher e na família
Nuno não sente nenhum constrangimento em admitir que vive do ordenado da mulher e que é ele que assegura a logística da casa e da vida das três filhas do casal. Diz que gostava de ter o dia mais ocupado com outros afazeres mas reconhece que esta decisão foi boa para a família e, sob o ponto de vista pessoal, para ele também. “Gostava do que fazia mas estava numa altura má, por causa da crise. Olhei para a carreira da minha mulher e para as oportunidades que eram dadas às minhas filhas e não hesitei. O meu futuro era muito incerto”.
Apesar dos 20 anos de carreira na área comercial (nos últimos meses trabalhou na editora Goody) e de gostarem do trabalho que desenvolvia, os tempos estavam difíceis e Nuno preferiu apoiar o percurso de Teresa, que corria muito bem e tinha outras perspetivas.
As filhas, com 14, 11 e 9 anos, ao fim de algumas conversas, também aprovaram a ideia. A mais velha ficou mais renitente, porque percebeu melhor que isso implicava afastar-se das amigas da escola e da família, mas acabou por perceber as vantagens desta mudança. “O investimento também foi feito nelas”, acrescenta Nuno Machado. “E o abrir de horizontes provocado pela interação com muitas culturas diferentes, o facto de as ter exposto a mudanças grandes nas suas vidas, de serem fluentes em inglês e estarem muito mais preparadas para o mundo instável e volátil em que vivemos, são grandes vantagens que reconheço nesta vinda para Inglaterra”, corrobora Teresa Burnay.
Desde que entrou nos escritórios londrinos no ano passado, Teresa foi já promovida e a vida corre-lhe bem.
Teresa trabalha muitas horas e tem uma função “muito exigente”. Desde junho de 2015 que assumiu funções de Global Category & Channel Director na Unilever em Londres, para onde entrou em abril de 2013 como Global Costumer Marketing Director. Quando recebeu a proposta para ir para Inglaterra sentiu “orgulho e felicidade pelo reconhecimento, mas nervosismo e receio por deixar um porto seguro”. Mas a prova foi bem superada, desde que entrou nos escritórios londrinos foi já promovida e a vida corre muito bem. Tinha uma função no marketing da Olá, aqui ficou com uma função a nível global e concorreu depois a um lugar, também global, para a área de Home Care e está a gostar imenso. “A carreira da Teresa é muito interessante”, diz o orgulhoso marido.
A flexibilidade de horário e a liberdade para trabalhar a partir de casa, quando não há reuniões no escritório, ajudam muito. “Durante a semana o tempo de família resume-se a jantar e deitar as crianças, mas os fins de semana são sagrados e eu tento que eles sejam um tempo de qualidade em família”.
O que a assustava mais era pôr em causa a felicidade do marido e das filhas. “Tive muito medo que não se adaptassem”, confessa. “Para além das horas de trabalho a minha profissão também me obriga a viajar muito e a deixar a família uns dias sem mim”.
Assim que chegou a Londres, Nuno começou a procurar formas de ocupar bem o tempo para além das obrigações domésticas.
Mas a adaptação ao novo país correu bem. “Elas ainda sentem muitas saudades e estão sempre à espera dos dias de férias em Portugal, mas estão bem integradas em Londres e já construíram o seu círculo de amizades”.
A cumprir um sonho
Assim que chegou a Londres, Nuno começou a procurar formas de ocupar bem o tempo para além das necessárias obrigações domésticas. “Não gosto de estar em casa sem ter nada para fazer”, explica. “Gosto de cuidar das minhas filhas e dos amigos delas, gosto de ir às compras, mas não gosto daquela parte de ter de as arrumar, faço as lides de casa, aperfeiçoei-me na cozinha (sou o único que cozinha aqui em casa), e apesar de termos empregada duas vezes por semana, há sempre alguma coisa para fazer”.
No país do futebol, Nuno percebeu que podia aproveitar a oportunidade para cumprir um sonho antigo: ser treinador de futebol.
Nas horas vagas pesquisou novas ocupações. Sempre trabalhou em publicidade, na área comercial das editoras, e ainda ponderou fazê-lo lá. Mas o mercado estava difícil e nem tentou. Até que percebeu que tinha aterrado no “país do futebol, onde em cada relvado há jogos de futebol” e percebeu também que podia aproveitar esta oportunidade para cumprir um sonho antigo – ser treinador de futebol. Não para ser treinador de uma equipa da primeira divisão mas para treinar crianças, que sentem uma verdadeira paixão por este desporto. E assim decidiu tirar o segundo nível de um curso de treinador de futebol e fazer uma especialização em comportamentos das crianças, cursos de fim de semana que lhe permitiram entrar num novo mundo profissional. “Em Inglaterra há muitos cursos de treinador de futebol e, comparado com Portugal, o país está muito mais avançado nesta área, apesar de a seleção portuguesa ganhar sempre à inglesa”, comenta.
Hoje tenta arranjar estágios dentro da nova área de atividade e três vezes por semana treina um grupo de 30 crianças. E todas em casa já gostam de futebol.
Nuno lançou a Figo’s Little School em Londres e está a construir uma nova carreira num novo país.
A escola do Figo
Nuno conseguiu construir uma nova e diferente carreira num país desconhecido e bastante competitivo e o cunhado, proprietário do projeto das escolas de futebol Luís Figo, desafiou-o a abrir uma em Londres. Aceitou e lançou a “Figo’s Little School”. O projeto ainda está em desenvolvimento e Nuno precisa de mais alunos para o rentabilizar. “Precisava de mais de 100 crianças e por enquanto só tenho perto de 40”, contabiliza ele. Apesar disso os seus projetos já são feitos a longo prazo e mesmo quando regressar a Portugal, lá para 2018, conta manter esta atividade e não largar este sonho. “Sempre joguei futebol, desde os 10 aos 34 anos, fui federado e nunca tive uma experiência destas em Portugal. E é ótimo”.
Como acontece com qualquer empreendedor, a recompensa económica é que demora mais a chegar. “Tenho um salário mas não consigo viver dele. Chamo-lhe antes recompensa, dá para comprar o que é preciso para a escola de futebol e de vez em quando, quando consigo, compro algumas coisas para mim”. Mas não está nada arrependido. Gosta de Londres e de vez em quando até pensa: “ainda bem que estou aqui”. A este homem – “rodeado de mulheres, até o cão é uma cadela!” – só lhe faltam duas coisas: estar mais ocupado e poder ir à praia e pescar. Mas a fama de um clima sempre chuvoso e cinzento daqui também é um mito, esclarece Teresa. “Inglaterra tem muitos dias de sol e quando isso acontece as paisagens são maravilhosas”. Mas ao Nuno continuam a faltar-lhe os momentos de pescaria. Talvez ainda acabe por descobrir onde o fazer em Londres ou nos arredores.